Juros negativos, rendimentos despencados e um 'remédio' para a economia

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17/6/2015, Mike Whitney, Counterpunch

"O que falta são déficits maiores, mais estímulo fiscal e mais gasto do governo. Essa é a chave. (...)
A oportunidade de tomar empréstimos assim tão baratos (provavelmente) não durará para sempre, e países que aumentem os déficits terão (provavelmente) de reverter a rota, mas enquanto durar, todos poderão viver vida muito melhor, em vez dessa 'austeridade' sem sentido algum."

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Na 3ª-feira, o título de dez anos da Alemanha deslizou para o bizarro mundo dos juros negativos, em que os emprestadores de fato pagam aos governos para que tomem emprestado o dinheiro deles. À parte a evidência de que viram o capitalismo de cabeça para baixo, juros negativos ilustram o pensamento turvo de banqueiros dos bancos centrais, que continuam a acreditar que poderiam estimular o crescimento reduzindo o custo do dinheiro. Lamentavelmente, a realidade aponta na direção contrária. No momento, há mais de $10 trilhões de dívida soberana com juros negativos, mas... nem sinal de expansão do crédito em lugar nenhum. Assim também, o PIB global já mal rasteja, indicando que juros negativos tampouco estão tendo qualquer impacto significativo sobre o crescimento. Assim sendo, se juros negativos são realmente tão fantásticos como parecem crer os banqueiros centrais, a coisa absolutamente não aparece nos números. Eis como oWall Street Journal resumiu tudo isso:

"Juros negativos refletem falta de confiança nas opções para investimento privado. Também desestimulam a poupança que possa ser investida em negócios rendosos. Papeis de 10 anos com juros negativos é menos um sinal de mágica monetária e, muito mais, é sinal de fracasso da política econômica." ("Money for Nothing" [lit. Dinheiro grátis], Wall Street Journal)
Bingo. Juros negativos apenas sublinham o fato de que os políticos e arquitetos de políticas estão absolutamente sem saber o que fazer no que tenha a ver com aplicar 'remédios' à economia. Juros negativos são sinal de desespero.

Nas últimas duas semanas, rendimentos de papéis de longo prazo só fizeram cair, em ritmo jamais visto. A crescente possibilidade de um "Brexit" (quando a Grã-Bretanha votará a favor de separar-se da União Europeia no referendum do dia 23 de junho) está metendo os investidores, feito doidos, em papéis sem risco, da dívida do governo. A pressão para baixo sobre os rendimentos já empurrou o preço dos bônus do Tesouro dos EUA e da Alemanha acima do telhado, enquanto sinais de estresse já levaram "a régua do medo" [ing. "fear gauge" (VIX, 'índice de volatilidade')] de volta ao vermelho. Eis a breve recapitulação feita por Bloomberg:
"O mercado de ações de hoje desafia praticamente qualquer comparação que a humanidade tenha conhecido.
Nunca antes corretores pagaram tanto para ter trilhões de dólares em dívidas e obtiveram tão pouco em troca. Jack Malvey, uma das figuras mais respeitáveis do mercado de ações, pesquisou para trás, até 1871, e não encontrou momento algum em que os rendimentos globais estivessem sequer próximos do baixio de hoje. Bill Gross foi ainda mais longe, e tuitou que estamos hoje no ponto mais baixo "em 500 anos de história escrita".
Crescimento global estagnado, taxas negativas de juros e bancos centrais vendendo como loucos, tudo isso manteve alta a demanda pela dívida dos governos, mesmo que mais de $8 trilhões dos bônus mergulhem abaixo de zero." (...)
A probabilidade de os EUA entrarem em recessão em 2017 é hoje a mais alta desde o início da atual expansão, há sete anos, segundo JPMorgan Chase & Co. A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento [ing. OECD] também alertou esse mês que a economia global está escorregando para a arapuca (profecia anunciada e que se autorrealiza) do "baixo crescimento". Mais que isso, o voto dos britânicos sobre separar-se esse mês da União Europeia está sendo causa de grandes sobressaltos no mercado." ("Most Expensive Bond Market in History Has Come Unhinged. Or Not", Bloomberg)
Há vários fatores afetando o rendimento dos papéis: medo, de que um Brexit gere ainda mais turbulência nos mercados e talvez mais uma crise financeira; pessimismo, com o futuro do crescimento cada vez mais sombrio, mantendo fraca a demanda por crédito. (...) E uma falta de confiança em que os políticos conseguirão alcançar a meta de inflação que inventaram, de 2%, com salários e consumo pessoal achatados. Tudo isso turbinou o voo para a segurança, que pressionou os rendimentos. Mas a causa primária dos rendimentos despencantes é a intromissão do banco central, especialmente o "alívio quantitativo", que distorceu dramaticamente os preços, reduzindo a oferta de papéis do Tesouro dos EUA em mais de $2,5 trilhões, só nos EUA. David Stockman oferece bom resumo do que está realmente acontecendo, num postado incendiário intitulado "Bubble News From The Nosebleed Section" [aprox. Notícias de bolha que vêm do setor barato das arquibancadas"]. Eis uma amostra:

"Um dos mitos mais persistentes das Finanças de Bolha [orig. Bubble Finance] é que os ganhos de ações caíram a zero e abaixo disso, por causa da "lowflation" ["inflação ultra baixa"] e do crescimento global em declínio. Supostamente, o mercado estaria "precificando" [orig. "pricing-in"] o espectro da deflação. Nada disso. Apesar de sua insuperável arrogância, os bancos centrais ainda não aboliram a lei da oferta & demanda.
O que fizeram, isso sim, foi enfiar as patas gordas na equação de precificação do mercado, acrescentando assim uma larga cinta para prender na balança o prato da demanda, pelo furor de fazer trabalhar ao máximo as impressoras de dinheiro. Na verdade, o que foi "precificado" [orig. "priced-in"] para dentro da grande bolha global de ações são as compras de ações de bancos, cerca de $19 trilhões, desde meados dos anos 1990s, e que foram financiadas com dinheiro extraído do mais puro ar." ("Bubble News From The Nosebleed Section", David Stockman’s Contra Corner)
Nunca antes os bancos centrais intervieram na operação dos mercados, na extensão em que o fazem nos últimos sete anos. A quantidade de liquidez que derramam no sistema distorceu de tal modo, tanto, os preços, que já não se pode avaliar racionalmente coisa alguma baseando-se em desempenhos passados ou modelos desatualizados. É um bravo novo mundo, e nem o Fed sabe com certeza como proceder. Considere-se por exemplo o objetivo declarado do Fed de "normalizar os juros". Pense no que significa isso. É a admissão tácita de que os sete anos de intervenção pelo Fed destroçou de tal modo as coisas, que será preciso fazer esforço monumental para devolver os mercados à condição original. 

Desnecessário dizer que, sempre que [Janet] Yellen fala de "normalizar", as ações despencam, com os corretores comprando muito, porque concluem que o Fed está pensando em subir as taxas de juros. Outra vez, em Bloomberg:
"Ano passado, a inflação em economias desenvolvidas ficou em 0,4% e prevê-se que alcance no máximo 1% em 2016 — metade dos 2% de meta definida pelos maiores bancos centrais, como mostram os dados reunidos por Bloomberg."

Quer dizer então que Bloomberg e demais veículos da mídia-empresa elitista querem nos fazer crer que esses economistas super educados e treinados e gurus financistas nos bancos centrais, ainda não conseguem saber como fazer para gerar uma reles boa inflação? É nisso que esperam que todos nós acreditemos? 

Bobagens. Se Obama readmitisse os 500 mil funcionários do setor público que foram demitidos durante a recessão, logo teríamos inflação positiva num piscar de olhos. Mas os barões gordos não querem isso. Não querem pleno emprego ou salários melhores ou trabalhadores com acesso a fatia maior dos ganhos na produção.

O que eles querem é economia permanentemente encilhada, que cresça parcos 2%, para que eles, os barões gordos, continuem a tomar empréstimos baratos no mercado de ações e usar os procedimentos de sempre para recomprar as suas próprias ações, ou lançar dividendos com o dinheiro que acabaram de roubar de investidores Papai&Mamãe. O que querem, realmente, é isso.

E é por isso que Krugman e Summers e outros bajuladores graduados em escolas da Ivy League cozinharam a tal teoria bandida lá deles, da "estagnação secular". É a tentativa de criar uma explicação econômica para manterem até o final dos tempos as mesmas políticas.

O que se pode fazer? Há meio para virar a direção em que anda esse trem e pôr a economia de volta nos trilhos para a recuperação?

Claro que sim. Por mais que as questões políticas sejam espinhentas, as questões econômicas são sempre claras e diretas. O que falta são déficits maiores, mais estímulo fiscal e mais gasto do governo. Essa é a chave. Aí vi um recorte de artigo de VOX que resume a coisa perfeitamente:
"Mas, se a causa exata do boom das ações permanece meio confusa, o curso correto da ação é absolutamente claro e óbvio: se a comunidade financeira internacional quer emprestar dinheiro assim tão barato, os governos devem tomar empréstimos e dar bom uso ao dinheiro! Idealmente, significa ter dinheiro para projetos de infraestrutura, que são grandes, caros e úteis — o tipo do negócio que paga dividendos durante décadas futuras, mas que, em tempos comuns, podem intimidar (...).
A oportunidade de tomar empréstimos assim tão baratos (provavelmente) não durará para sempre, e países que aumentem os déficits terão (provavelmente) de reverter a rota, mas enquanto durar, todos poderão viver vida muito melhor, em vez dessa 'austeridade' sem sentido algum." ("Financial markets are begging the US, Europe, and Japan to run bigger deficits" [Mercados financeiros suplicam que EUA, Europa e Japão aumentem seus déficits], VOX)
É magnífico conselho, e não há razão para não o seguir. O autor acerta: essas taxas de juros não durarão para sempre. Temos também de dar bom uso a elas (trabalho para muitos, aumentos de salários, revitalizar o defunto sistema de bem-estar, expandir programas de energia verde, aumentar os fundos para educação, assistência à saúde, aposentadorias, etc. Todos esses são programas que mantém a rápida circulação do dinheiro dentro do sistema. Estimulam o crescimento, elevam padrões de vida e constroem sociedades melhores para os cidadãos.

Consertar a economia é a parte fácil. Duro é dar jeito na política.*****

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