Impeachment foi 'curso de formação política', diz líder do MST

RESISTÊNCIA
Movimentos populares preparam mais ações contra Temer até o ato nacional do dia 10. Líderes enfatizam importância de unidade e contam com maior presença de trabalhadores nas manifestações
por Vitor Nuzzi, da RBA publicado 01/06/2016 
JORNALISTAS LIVRES / REPRODUÇÃO
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Quadra dos Bancários, no centro da capital paulista, lotou para mais um ato de resistência ao governo Temer
São Paulo – O processo de impeachment e a conjuntura política dos últimos meses no Brasil serviram como um grande "curso de formação política" para os movimentos populares e a esquerda, na avaliação de João Paulo Rodrigues, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante debate na noite de ontem (31), em São Paulo. "Foi o maior avanço que tivemos", disse o dirigente, que descartou soluções individuais para a superação da crise. "Toda saída tem de ser coletiva", afirmou. Para o dirigente, "a história cobrará a fatura de quem se negou a estar conosco neste momento".
Em uma lotada quadra do Sindicato dos Bancários de São Paulo, na região central da cidade, representantes dos movimentos discutiram, durante três horas, ações e estratégias para resistir ao governo interino e criar condições para reverter a votação no Senado e permitir a volta da presidenta Dilma Rousseff. Há um data nacional de protestos e paralisações, no próximo dia 10. Em São Paulo, a concentração na Avenida Paulista poderá contar com as presenças de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Antes disso, no mesmo local, outros dois atos já estão marcados. Hoje (1º), a partir das 16h, em defesa das mulheres, e no dia 9, com movimentos de moradia, pela manutenção do programa Minha Casa, Minha Vida.

Sem projeto

Para o secretário-geral da União Nacional dos Estudantes (UNE), Thiago Pará, também militante do Levante Popular da Juventude, o movimento exige unidade dos movimentos e mobilização. "Se a gente não se juntar, seremos esmagados", afirmou, acrescentando que é preciso manter-se permanentemente nas ruas, "com grau de radicalidade avançado". É um golpe "com caráter de classe", com três objetivos básicos, aponta o líder estudantil: ampliar e acelerar o processo de privatização, flexibilizar leis trabalhistas e aumentar a repressão do Estado contra os movimentos sociais. "Não à toa eles levaram (para o Ministério da Justiça) o secretário da Segurança Pública de São Paulo", emendou Thiago.
"Esse governo golpista não só não amplia como está tirando vagas (da faculdade). É um governo que envergonha a luta pela educação", disse o dirigente da UNE na abertura do debate. Ao final, afirmaria anda que o presidente interino, Michel Temer, "não tem qualquer projeto para apresentar à sociedade e para a juventude".
O dirigente do MST avalia que faltou, nos últimos anos, estabelecer a relação entre o projeto político e as conquistas sociais. Por isso, João Paulo defendeu uma "volta às bases" para explicar a importância dessas conquistas para os movimentos, inclusive estabelecendo políticas de comunicação. "Precisamos furar essa bolha, traduzir em miúdos as grandes políticas de comunicação. Do outro lado, eles (conservadores) conseguiram uma unidade muito grande."
Além de "infernizar a vida dos golpistas" nos próximos dois a três meses, o MST, ao lado de outros movimentos, se prepara para organizar um acampamento em Brasília em agosto, durante a possível votação do processo de impeachment no Senado, e tentar vencer no "segundo turno". João Paulo avalia que o governo Dilma tinha "problemas", mas observou que a presidenta mostrou muita "dignidade" em todo o processo. "Em nenhum momento ela recuou."
Para Nalu Farias, da Marcha Mundial das Mulheres, o objetivo do golpe não era apenas tomar o governo. "Queriam entregar o nosso país à burguesia internacional. O fundamental é derrubar os movimentos sociais, a esquerda. Precisamos reconquistar a democracia. O que tivemos até agora (de avanços nos últimos anos) foi só o começo", afirmou, reafirmando o papel das organizações femininas. "Boa parte do que nós temos como conquistas públicas vem do movimento das mulheres", disse Nalu, citando ações como o combate à carestia, ainda nos anos 1970, e dos movimentos de moradia.

Ataques

No esforço contra o governo interino, também é preciso contar com maior presença dos trabalhadores, aponta o coordenador estadual, em São Paulo, da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim. "Antes de a presidenta Dilma ser afastada, estávamos dizendo que o governo Temer seria de ataque aos trabalhadores. E agora é concreto", afirmou, dizendo tratar-se de resistência, inclusive, em defesa de direitos adquiridos mesmo antes da Constituição de 1988.
E atraindo, talvez, mesmo pessoas que apoiaram o impeachment e agora podem estar se sentindo enganadas. "Tiraram o governo Dilma, sob o argumento de corrupção, e colocaram um governo que é uma quadrilha. Só podem estar envergonhados."
Enquanto a esquerda se organiza em torno da bandeira do "Fora Temer", o dirigente do MST acredita que o atual governo também sofrerá um processo de desgaste. "Eles vão ser pegos na Lava Jato", diz João Paulo Rodrigues. "Eles não têm um projeto para dialogar com o povo brasileiro."

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