PML: O erro duradouro de Renan

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por Paulo Moreira Leite - 11/05/2016


O presidente do Senado Renan Calheiros cometeu um erro gigantesco, na tarde de ontem, ao se recusar a devolver o processo de impeachment de Dilma Rousseff para a Câmara de Deputados, onde deveria ser examinado e julgado mais uma vez.

Você sabe a história.

Ao encaminhar a decisão numa jornada deprimente o notório Eduardo Cunha  -- que sequer teria presidido a votação caso o STF tivesse tomado a decisão de afastá-lo da presidência em qualquer um dos 141 dias que teve para isso -- não respeitou a regra constitucional de assegurar a cada parlamentar o direito de votar unicamente conforme a própria consciência, sem ser pressionado pelo partido nem por suas lideranças. Não é filigrana jurídica. Nem chicana.

É um cuidado necessário, numa situação em que a Câmara transforma-se em tribunal e cada parlamentar deve votar conforme sua convicção e sua consciência, sem qualquer outra consideração, sem pressão de líderes ou interesses partidários. Lembrando o materialismo exagerado de nossos movimentos políticos -- vamos falar assim, certo? -- é uma exigência que busca a proteger o voto popular da barganha e da corrupção, até. Num caso em que está em jogo a presidência da República, é um cuidado mais do que adequado.

A preocupação é compreensível. Ao contrário de muitos outros crimes, que atingem pessoas ou uma sociedade inteira, um ataque a democracia não pode ser reparado. Seus danos  podem até ser reparados pelo  dinheiro, pela vergonha, pela punição, pela devolução de empregos perdidos e medidas semelhantes. Mas o mal, absoluto, que prejudica o futuro de um país inteiro, está feito e não tem remédio.

Por isso, os cuidados preventivos são essenciais e devem ser cumpridos com todo cuidado.  

Renan não discordou do conteúdo do pedido de anulação. Condenou sua oportunidade. Disse que o processo já havia saído da Câmara e fora entregue ao senado. Era assunto encerrado, sugeriu. Não cabia recomeçar tudo de novo. Era "brincadeira", chegou a dizer.

A experiência ensina que Renan Calheiros, que tinha o poder aceitar ou rejeitar o pedido,  cometeu um erro duradouro e grave.

Ou o pedido de anulação estava errado, no mérito, e deveria ser rejeitado de forma clara. Ou estava correto, e era preciso anular a decisão, sem constrangimento, pois destinava-se a evitar um erro maior -- que é dar sequencia, em atos e medidas concretas, a uma votação sem legitimidade.

O país já tem experiência para entender à luz da história -- e da relevância de um caso de impeachment -- que seria um exercício fácil, indolor,  em comparação com a situação criada.  

As noções de Direito e Justiça não podem se modificar ao sabor de argumentos  de fundo  burocrático -- como respeitar o calendário --  mas devem respeitar  os valores que encarnam e as verdades que representam. Uma causa é boa ou não é. É justa, ou errada. E só.

Inúmeras ações jurídicas se prolongam por anos a fio, sem que isso diminua sua atualidade nem sua validade.Recorde-se, a dor das famílias que clamam por notícias em função do desaparecimento de seus maridos, esposas e filhos no porão do regime militar. São causas de 40 anos. Em alguns casos, já chegaram a 50 anos. Vão ser esquecidas?

É óbvio que não. Cada dia que passa, cada ano, cada década, só eleva a dor e aprofunda o inconformismo.

O tempo não produz o esquecimento, como se pretendia, naquela época em que eram aplicadas técnicas macabras de eliminação de vestígios humanos. Em 2016, ouviu-se o elogio à tortura e ao torturador na mesma votação -- irregular -- que aprovou a abertura do processo de impeachment. Não foi por coincidência.

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