Nassif: O xadrez do fator tempo na Justiça e da prisão de Cunha

Fator 1 – Em tese, Eduardo Cunha poderá preso a qualquer momento.

Na sessão de hoje, o STF (Supremo Tribunal Federal) não apenas retirou Cunha do cargo de presidente da Câmara como suspendeu seu mandato. O Procurador Geral da República (PGR) já tem evidências de monta para atuar contra Cunha. Tanto, aliás, que fundamentavam o pedido junto ao Supremo. E a ação prevista contra obstrução da Justiça deve ser a prisão. Não se surpreenda se nos próximos dias Cunha vier a ser preso.

Fator 2 –a demora no julgamento e o fator tempo.

Não é fácil para um Ministro do STF uma decisão tão forte quanto investir contra o presidente de outro poder.
Mesmo assim, as explicações para a demora do Ministro Teori Zavaski, em apreciar a denúncia do Procurador Geral da República (PGR) contra o deputado Eduardo Cunha, mereceram inúmeras versões que circularam pela mídia:

1.     O pedido do PGR não estava bem fundamentado.
2.     Havia receio de colocar no plenário e a proposta ser rejeitada.
3.     Acelerou agora devido ao aumento da probabilidade de ele poder substituir o presidente da República.
É evidente que as desculpas escondiam um receio grande de afrontar um outro poder.
Mas de dezembro para cá, não houve um elemento novo na denúncia do PGR. O que mudou foi a posição dos Ministros do STF. E o único fato novo no período foi a constatação da quase irreversibilidade do processo de impeachment.
Acatando o pedido do PGR, não teria se iniciado o processo de impeachment. Procrastinando – seja por que motivo for – o Supremo infligiu ao país a humilhação de um golpe parlamentar e expos a República ao mais vexaminoso episódio da sua história. É pouco?
Ouso discordar do Ministro Eugênio Aragão quando trata como inevitável a diferença entre o tempo político e o jurídico. A não ser nos ritos processuais, com prazos determinados, e para respeitar o amplo direito à defesa, o julgador não pode ser insensível ao tempo jurídico – aliás, nem o PGR.
O que interessa no julgamento são as consequências finais dos atos do infrator. Se o tempo jurídico provoca consequências, obviamente esse fato tem que ser considerado na apreciação do caso.
Ao encaminhar o processo de impeachment, a intenção de Cunha não foi bem se vingar do abandono a que foi relegado pela presidente e pelo PT no Conselho de Ética da Câmara. Cunha é frio demais, esperto demais para desperdiçar vingança. Sua intenção foi criar um fato político que, o fortalecendo, ajudasse a blindá-lo das tempestades armadas na Comissão de Ética da Câmara, na Lava Jato e no Supremo. É óbvio.
Seja qual for o motivo, houve um claro desvio de finalidade na decisão de acatar a abertura do impeachment, que veio se somar a todas as demais atitudes visando atrapalhar as investigações contra Cunha, conforme reconhecido no voto de Teori.
E aí se entra no desvio de finalidade do próprio STF. Não se trata de uma mera procrastinação, mas de uma atitude que foi peça decisiva no processo de impeachment de uma presidente da República, com todas as consequências futuras sobre a estabilidade política, sobre a imagem do país no mundo, sobre os desdobramentos futuros do golpe parlamentar nas prefeituras e governos de Estado.
Ontem mesmo, no Twitter, o ex-Ministro Joaquim Barbosa explicava com didatismo a razão do modelo político norte-americano – no qual se baseou o brasileiro – ter restringido ao máximo as possibilidades de impeachment. No presidencialismo, todo sistema político gira em torno da figura do presidente da República. Interferir nessa arquitetura política trará desdobramentos indesejáveis por muito tempo.
Na sessão de ontem, quando o Ministro Luís Roberto Barroso se permitiu um instante de Celso de Mello, e bradou sobre a necessidade de um novo Brasil, seria o caso de se indagar se um novo Brasil não exigiria igualmente um novo Supremo.

Fator 3 – as instabilidades políticas em curso e o novo posicionamento do MPF

Tem-se, agora, um quadro de acirramento ainda maior da instabilidade política.
Em um primeiro momento, o afastamento de Cunha confere alguma legitimidade política a Michel Temer. Mas, ao mesmo tempo, deixa atiçada a tropa de deputados de baixíssimo nível que dá sustentação a Cunha. E, dependendo do comportamento de Temer, poderá sujeita-lo às represálias de Cunha, que tem bala na agulha sobre financiamentos de campanha.
Obviamente Cunha utilizará a munição apenas se sentir-se totalmente acuado.
Além disso, nos últimos dias observaram-se dois movimentos do PGR e do MPF.
Numa frente, a tentativa insistente de criminalizar Lula e de tentar inabilitá-lo para 2018. Inclusive com uma enxurrada de denúncias tomando por base os grampos autorizados por Sérgio Moro e divulgados com autorização do PGR Rodrigo Janot.
Ao mesmo tempo, movimentos novos, de setores menos infensos ao partidarismo do grupo de Curitiba e dos penalistas do MPF.
Tem-se agora, os seguintes desdobramentos possíveis do impeachment:
Episódio 1 – A AGU (Advocacia Geral da União) entrando com uma ação no Supremo visando anular o rito do impeachment conduzido por Cunha, tendo como base o voto de Teori Zavaski reconhecendo a ilegitimidade da condução dos trabalhos da Câmara por Cunha.
Episódio 2 – O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com o parecer do Ministério Público Federal de que o julgamento se dê em relação à chapa completa, incluindo a presidente Dilma e seu vice Temer. O que demonstra que, fora da Lava Jato, o viés político se dilui.
Episódio 3 – Os desdobramentos da Lava Jato sobre o próprio Michel Temer, a partir de evidências colhidas pelo MPF no celular do presidente da OAS.
Episódio 4 – O pedido de abertura de inquérito de Aécio Neves pela PGR. Nesse caso, só deverá ser levado a sério se o MPF investir contra Dimas Toledo, o Paulo Roberto Costa de Furnas. Há muito tempo ele já deveria ter sido alvo de ações do MPF visando uma delação premiada.
Episódio 5 - Não despreze a possibilidade de alguma ação mais drástica sobre Lula, aproveitando o momento Eduardo Cunha.
Em suma, um cenário absolutamente imprevisível pela frente.

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