“Meu nome é Sadiq Khan, e sou o prefeito de Londres”
Inglaterra
A multiculturalista Londres elege como prefeito um muçulmano de origem humilde filiado ao Partido Trabalhista
por The Guardian — na Carta Capital - publicado 27/05/2016
Yui Mok/AFP
O simbólico discurso da vitória na catedral de Southwark |
*Por Toby Helm
O local foi escolhido para ter o máximo efeito simbólico. Assim como suas palavras iniciais: “Meu nome é Sadiq Khan, e sou o prefeito de Londres”, declarou a figura diminuta, sem gravata, de pé na nave da Catedral de Southwark. Os cristãos têm rezado nesse lugar desde o ano 606, e aplausos entusiásticos soaram para Khan entre os arcos góticos. O filho de um casal de imigrantes, um motorista de ônibus e uma costureira, acabara de se tornar o mais poderoso político muçulmano no mundo ocidental.
“Não posso acreditar nas últimas 24 horas”, disse. “Estamos aqui na Catedral de Southwark porque quero iniciar meu mandato de prefeito como pretendo continuar. Estou decidido a liderar a administração mais transparente, engajada e acessível que Londres já teve. E representar cada comunidade e cada parte de nossa cidade como prefeito de todos os londrinos.”
O novo prefeito tinha sido apresentado por Baroness Lawrence, mãe do adolescente Stephen, assassinado a facadas em Eltham, no sudeste de Londres, em 1993. Minutos depois da posse, Khan foi até o adro ensolarado da igreja para abraçar seus seguidores. Na noite anterior, havia recebido cumprimentos do mundo inteiro, enquanto sua equipe dava uma festa ruidosa da qual Khan, que não bebe, foi afastado.
O significado de seu sucesso, não só para Londres, não só para o Partido Trabalhista, mas para o corpo político da Grã-Bretanha, era claro para todos. O deputado trabalhista David Lammy, antigo rival de Khan como pré-candidato do partido à prefeitura, previu que sua vitória poderia abrir caminho para um candidato de uma minoria étnica chegar a chefe do governo nacional. “Se um dia tivermos um primeiro-ministro de cor será por causa do que Sadiq Khan conquistou”, disse Lammy. Khan tinha todas as qualidades necessárias para alcançar o sucesso. “Sadiq se dá bem com todos, alguém pragmático quando é preciso e certamente tem uma visão para esta cidade.”
A vitória de Khan, ao arrasar o candidato conservador, Zac Goldsmith, que havia tentado pintar seu adversário como um “radical” perigoso e dividir os londrinos de diferentes religiões e raças, foi saudada como a evidência de uma capital multicultural que tem autoconfiança para ser inclusiva e tolerante. Mas, além dessa mensagem de esperança, o significado da eleição à prefeitura de Londres, em comum com muitas das outras votações na noite de quinta-feira, depende de onde você vem.
Uma boa noite para os trabalhistas? Em Londres, com certeza. Mas, dito isso, Khan havia cuidadosamente isolado sua campanha de qualquer associação com o líder do partido,Jeremy Corbyn. Sua equipe não fez questão de convidar Corbyn para a cerimônia de posse. O líder trabalhista foi a Bristol apertar a mão do novo prefeito, Marvin Rees.
Ao escrever no Observer, Khan deu um golpe brutal em David Cameron e Goldsmith, ao comparar suas táticas divisoras com aquelas de Donald Trump. Mas também deu uma lição a Corbyn, a quem não cita uma só vez pelo nome, sobre como ganhar eleições.
“O Partido Trabalhista tem de ser uma grande tenda que atraia todos, não apenas seus próprios ativistas. Campanhas que deliberadamente dão as costas a determinados grupos estão condenadas ao fracasso. Assim como em Londres, os chamados eleitores trabalhistas sozinhos jamais serão capazes de vencer uma eleição geral. Devemos conseguir convencer quem antes votava nos conservadores de que os trabalhistas são confiáveis na economia e na segurança, assim como para melhorar os serviços públicos e criar uma sociedade mais justa.”
Em outros lugares do país, também houve uma diversidade de mensagens políticas. Os resultados nas eleições locais na Inglaterra, e para as assembleias escocesa e galesa, deram ânimo a todos os principais partidos, e ao mesmo tempo expuseram fraquezas significativas. O Partido Nacional Escocês (SNP) conseguiu um terceiro mandato em Holyrood, graças à sua consistente destruição dos trabalhistas ao norte da fronteira, mas deixou de conquistar a esperada maioria.
Para os liberais-democratas, houve sinais de uma revanche da virtual eliminação há um ano. O Partido da Independência do Reino Unido (Ukip) ganhou seus primeiros assentos na assembleia galesa, enquanto o Plaid Cymru (Partido de Gales) conseguiu 12 cadeiras e tornou-se o segundo maior partido. Corbyn pôde afirmar com justiça que as terríveis previsões da mídia e de seus críticos trabalhistas sobre a perda de câmaras no sul não chegaram perto de se realizar.
Os tories (conservadores), amargamente divididos sobre a Europa e nas garras de uma série de reviravoltas políticas, emergiram virtualmente ilesos e a gabar-se de sua resistência como partido do governo. Eles também puderam afirmar que, pelas evidências destas eleições, o trabalhismo não seria capaz de dirigir o país novamente sem o apoio do SNP, a mesma mensagem poderosa que se mostrou tão letal antes da eleição geral no ano passado. Assim como os trabalhistas, os tories não tiveram uma noite triunfal, mas também não levaram bomba.
Corbyn deverá enfrentar uma difícil reunião do Partido Trabalhista parlamentar na Câmara dos Comuns. Ele reconhecerá o desempenho desastroso na Escócia, onde o partido caiu para um vergonhoso terceiro lugar, mas citará os resultados na Inglaterra como evidência de uma página virada. A porcentagem de votos trabalhistas aumentou na última eleição geral, em maio. Muitos de seus deputados responderão, porém, que o partido ainda não demonstrou qualquer sinal real de estar no rumo do governo. Até Ian Duncan Smith ganhou bem mais de 200 assentos em suas primeiras eleições locais como líder tory, em 2002. O trabalhismo perdeu 23, só 15 a menos que os conservadores.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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