Lava Jato: surgem mais grampos na PF-PR. “Grampolândia”?

Marcelo Auler
Por Marcelo Auler, em seu blog
A matéria surgiu com exclusividade na Época on line, na sexta feira (27/10). O título vendia: “Fotos desmentem denunciantes de grampos clandestinos na Lava Jato”. Logo abaixo, a chamada continuava: “Ao contrário do que agente e delegado disseram à CPI da Petrobrás, aparelho de escuta estava instalado desde 2012 na cela de Youssef”.
O texto de tal forma assumiu a posição mais favorável aos delegados que chefiam a Operação Lava Jato na Superintendência da Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR), que não tardaram as comemorações no face book dos mesmos:
 “A verdade é como a luz. Não há trevas que consigam esconder”,ressoou a delegada Rosicleya Baron, corregedora da Superintendência e que, segundo um colega dela aposentado, pelo cargo que ocupa deveria, no mínimo, demonstrar imparcialidade e sobriedade.
Outro a comemorar foi o delegado responsável pelas apurações da Operação Lava Jato, Márcio Anselmo Adriano, que até quem o critica reconhece que foi o principal operador do caso:
“Vamos ver agora como se comportam os paladinos da moralidade!”, compartilhou.
Na página do Face Book a comemoração dos delegados, inclusive da corregedora – reprodução
As comemorações são justificáveis pois, a se confirmar que os grampos estavam ali desde 2012, resolve-se dois problemas. Primeiro, se desmente os chamados “dissidentes” que ao denunciarem o grampo estão admitindo que a Operação Lava Jato utilizou métodos ilegais. Mas também se passa a ter uma explicação para as mais de cem horas de áudio que o Blog anunciou – Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas - terem sido recuperados pela perícia técnica em Brasília.
Na verdade, o grampo que Época On lineanunciou estar instalado na custódia da Polícia Federal do Paraná, não era um, mas dois. A reportagem, ao que parece, não ouviu com atenção as fontes. Baseou-se apenas em uma petição de dois advogados – Jeferson Amorim e Ademir Gonçalves -, defensores de policiais federais envolvidos em esquemas de contrabando e descaminhos na fronteira com o Paraguai.
Tampouco, foram os únicos grampos instalados na SR/DPF/PR pelo APF Dalmey Fernando Werlang, conforme ele mesmo admitiu. Ao todo, o Blog tem notícia de, pelo menos, cinco aparelhos de escuta que funcionaram na superintendência, dos quais quatro sem autorização judicial na atual administração.
O primeiro, já conhecido, foi colocado na cela ocupada pelo traficante Fernandinho Beira-Mar (2008) a mando do juiz do Mato Grosso do Sul, Odilon de Oliveira.
Desde que Youssef encontrou a escuta em sua cela, os delegados da Força Tarefa, a cúpula da superintendência, assim como Procuradores da República, alegavam ser o mesmo que servira para monitorar o traficante em 2008.
Ao que parece, agora estão mudando de posição e se apegando às escutas de 2012.
Estas (de 2012) foram instaladas em duas celas, a pedido do delegado federal Rodrigo Costa, na época do setor de contra-inteligência da DIP (hoje, Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado – DRCOR, em São Paulo).
Ele foi o responsável pela Operação Erupção que prendeu três agentes federais e um delegado. Os quatros responderam por facilitar o contrabando e o descaminho na fronteira com o Paraguai. Um deles, o agente Queiroz, já foi expulso do DPF. No ministério da Justiça há uma proposta de demissão do delegado Érico.
Em março de 2014, Dalmey instalou o grampo da discórdia, como noticiamos na revistaCartaCapital e aqui no Blog – O grampo da discórdia na Lava Jato.  Ou seja, o aparelho de escuta na cela que abrigaria o doleiro Alberto Youssef. Ele garante que recebeu a ordem do delegado Igor Romário de Paula, chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR) que foi à sua sala com o superintendente Rosalvo Ferreira Franco e com o delegado Márcio Anselmo.Adriano, que comanda as investigações da Lava Jato.
Ainda em 2014 ele colocou a escuta clandestina no “fumódromo” da SR/DPF/PR, determinada pela delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, chefe no Núcleo de Inteligência Policial (NIP). Daniele e Igor são casados. A notícia que divulgamos aqui, da confirmação pela corregedoria do DPF à CPI da Petrobras – Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR – de que o grampo existiu e não tinha autorização judicial, agora repercute em outros portais (veja ao lado). Mas ainda teve mais.
Por ordem da sua superiora, a delegada Daniele, Dalmey instalou uma escuta de vídeo na sala do próprio superintendente, que ele aciona quando desejar. Visava uma conversa que ele teria com seu antecessor no cargo, o delegado José Alberto Iegas, no mesmo dia em que este prestou depoimento à delegada Cassandra Ferreira Alves Parazi. Aliás, ela também usou um gravador durante todo o depoimento do delegado, sem que ele soubesse que a conversa toda, mesmo aquela que não foi para o papel, estava sendo registrada por determinação superior. Isto, apesar de uma velha amizade entre os dois. Ou seja, ao que tudo indica, na SR/DPF/PR funciona uma “grampolândia”.
Os verdadeiros riscos para a Lava Jato – A reportagem de Época on line sustenta a tese de que os denunciantes do grampo na cela do Youssef fazem o jogo necessário para melar toda a operação. Não chega a ser assim. Afinal, o grampo sozinho não tem essa força toda. Terá que haver uma ligação direta entre o áudio captado na cela e o que o doleiro disse nos depoimentos. Pelo que o próprio Youssef falou, os assuntos que ele conversou com outros presos surgiram não nos depoimentos, mas nas conversas informais com os operadores da Lava Jato.
A primeira questão que se coloca é se e quando o conteúdo das gravações – mais de cem horas, como noticiado em 12 de outubro – surgirá para ser conferido e debatido já em uma instância superior: Tribunal Regional Federal do Sul (TRF4) ou, o mais provável, em Brasília, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Se essas “conversas informais” serviram para convencer o preso a fazer sua delação premiada, caberá aos advogados de defesa – muito bem pagos para isto – comprovarem. O que é preciso – e isso é claro para todos – é não deixar brechas para que eles consigam invalidar a Operação ou parte dela. E estas, existem, como lembrou Élio Gaspari, no artigo “A troca de guarda na defesa das empreiteiras”, no último dia 25/10:
Isso poderá ocorrer na medida em que os processos seguirem para as instâncias superiores com defeitos estimulados pela popularidade dos acusadores e pela onipotência que se infiltrou na cabeça de alguns deles. Diversas lombadas existentes no caminho da Lava Jato são públicas e ainda podem ser corrigidas. Por exemplo: O grampo ilegal encontrado na cela de Alberto Youssef estava ativo em abril de 2014, quando ele a ocupava? Uma sindicância da Polícia Federal diz que não. Um agente disse à CPI da Petrobras que sim.
Há pontos dos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, que não batem com os de Youssef. Também não batem com os de Fernando Baiano, que o acusa de ter escondido US$ 3 milhões. Alguém está mentindo, mas o acordo homologado pelo Supremo Tribunal Federal os obriga a dizer a verdade, sob o risco de voltarem para a cadeia. Um procurador chegou a dizer que não se deve mexer em “bosta seca”. Essa doutrina perderá valor ao chegar a Brasília”.
Mais do que ameaçar toda a Operação Lava Jato, a questão do grampo vai sim colocar em descrédito muita gente e não apenas, como diz a reportagem de Época on line,  o APF Dalmey (que assumiu a autoria da sua instalação) e os delegados Iegas (ex-superintendente da PF no Paraná e ex-Diretor de Inteligência do DPF) que confirmou na CPI que o aparelho era diferente do usado com Beira Mar, e Mario Renato Fanton, de Bauru, que esteve em Curitiba a pedido da própria cúpula da Superintendência e acabou dispensado quando questionou métodos de trabalho que vinham sendo adotados, inclusive os grampos ilegais.
Um detalhe importante que a matéria não percebeu é que o advogado Gonçalves também é delegado de Polícia Federal aposentado. Ele defendeu os policiais, entre os quais Queiróz, hoje, um ex-agente, com o qual tem excelente relacionamento e vínculo forte de amizade.
Seu nome, coincidentemente, está no “Organograma” que, como o delegado Fanton denunciou na CPI da Petrobras, o delegado Igor Romário lhe deu com os nomes de suspeitos de prepararem dossiês que pretenderiam derrubar a investigação. (Veja, a propósito, Lava Jato: o polêmico organograma).
Na petição, os dois advogados requerem um Processo Disciplinar Administrativo (PAD) contra os responsáveis pela Operação Erupção, deflagrada em julho de 2012.
Denunciam, depois de todo o caso julgado e um dos envolvidos ter sido expulso da PF , que teriam colocado grampos sem autorização judicial na cela dos policiais.
A Operação, porém, não foi iniciativa da Superintendência que, à época, tinha Iegas como chefe.
Ela foi desenvolvida pela Diretoria de Inteligência Policial (DIP) de Brasília, cujo titular era o delegado Mauricio Leite Valeixo, que hoje ocupa a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DICOR), praticamente o terceiro homem na hierarquia do DPF. Ele comandou, mas quem operou, como se disse acima, foi o delegado Costa, à época, do setor de contra-inteligência da DIP, justamente o setor que investiga policiais.
Iegas, segundo conta, apenas ofereceu os meios – isto é, a infraestrutura da superintendência e os policiais – necessários a Costa para realizar a Operação Erupção. Respaldado nisso, insiste que nunca autorizou nem soube se foram instalados grampos na custódia e continua mantendo o que falou na CPI da Petrobras, “quando passei a gestão da superintendência para a atual administração não havia aparelho de escuta instalado na custódia”.
Foram eles que, a pedido do delegado chefe da operação, prepararam escutas em duas celas da superintendência. Os grampos, segundo consta, não foram usados e depois foram devidamente recolhidas. Foram os quatro, segundo testemunha Dalmey em conversa a amigos, que retiraram o aparelho quando o próprio “Bolacha” comunicou que os presos estavam desconfiados.
Trata-se de uma versão – a dos grampos colocados em 2012 – bastante curiosa pois, como se constata, ela surge no final de agosto, partindo-se do pressuposto que a representação dos advogados foi há dois meses. Ou seja, aparece quase dois meses depois de o delegado Iegas dizer na CPI que a DIP tinha documentos provando que o aparelho achado por Youssef chegou depois de Beira-Mar ser transferido.
Isso, derruba a versão que a Superintendência assumiu com base na sindicância 04/2014 presidida pelo delegado Maurício Moscardi Grilo. A reportagem de Época on line também saí semanas depois de o Blog ter divulgado que foram recuperados os áudios nos grampos que as sindicância e a superintendência diziam estar desativado.
Mas, não é tudo. Como este Blog conseguiu apurar, em janeiro de 2015, bem antes de Dalmey assumir que colocou o grampo na cela, atendendo à determinação do superintendente, ele encaminhou e-mail à delegada Daniele, sua chefe, esclarecendo toda a situação dos grampos colocados nas custódia em 2012. Isto significa que a superintendência tinha conhecimento destes grampos antes da representação dos advogados.
Todos estes fatos geram uma série de questionamentos que o Blog apresentou à Assessoria de Comunicação do DPF em Brasília e aos delegados da Lava Jato, assim como à Corregedora. Nenhum deles encaminhou resposta até às 16hs desta quarta-feira (04/11),
A primeira questão é básica: a Superintendência ou mesmo o DPF – onde trabalha o delegado Valeixo que comandava a DIP – têm informações que desmintam que as escutas de 2012 foram instaladas, mas não foram usadas? E sobre o fato delas terem sido retiradas por sugestão do próprio APF Paulo Romildo, o “Bolacha”, ao alegar que os policiais presos estavam desconfiados, isso é verdade?
Delegado Maurício Moscardi investigou o grampo e não descobriu os que foram instalados em 2012? – Foto: Altino Machado
Questionamos ainda o por que da versão  dos grampos de 2012 ter sido levantada após surgir a informação que o aparelho achado por Youssef só chegou a Curitiba depois da transferência de Beira-Mar. Afinal, pelo menos, desde janeiro que a chefe do Núcleo de Inteligência Policial sabia das instalações em 2012 e nada foi falado quando o doleiro arrancou do teto da cela o aparelho de escuta. Ela não levou a informação a outros setores, inclusive ao seu marido, delegado Igor Romário, chefe da DRCOR?
Questão importante é tentar entender o que fez o delegado Mauricio Moscardi na sindicância 04/2014, aberta para apurar como o grampo que Youssef achou entre em março/abril de 2014 foi parar na cela. Já se sabe que o APF Dalmey não foi ouvido, apenas fez um laudo técnico, apesar de não ser perito, com elementos para sustentar que o aparelho nas condições em que estava não podia gravar. Eras o óbvio, por ao arrancá-lo, o doleiro o destruiu.
Porém, o APF Romildo, vulgo Bolacha, foi ouvido e insistiu na versão de que se tratava da mesma escuta usada com Beira-Mar. Como ele é o policial responsável pela custódia, não deveria ter revelado os dois grampos de 2012 que ajudou a colocar e a retirar? Pelo que se imagina, nada pode acontecer dentro das celas da Superintendência sem o seu consentimento e/ou conhecimento.
Como fica a situação do delegado Moscardi que faz uma apuração dentro da própria instituição e não menciona que outras interceptações foram utilizadas em 2012? Uma investigação bem feita não deveria ter levantado esta questão? Ele pediu alguma explicação ao DPF Costa? Isso não robustece a tese de que, após a descoberta da escuta na cela, deveriam ter aberto um inquérito e chamado a Coordenadoria da Assuntos Internos (Coain), de Brasília, portanto, mais isenta?
Tem ainda a APF Maria Inês que, através de um e-mail, cuja cópia foi entregue na CPI da Petrobras, admitiu ter participado da colocação do grampo em 2014. Ela mentiu ao falar que instalou um novo aparelho? Mas, ela também, segundo Dalmey, por força da função que exercia no NIP, participou da instalação e desinstalação em 2012. Nada falou a respeito?
Por fim,.esta nova versão cria mais um problema para o delegado Igor Romário. Como já foi noticiado aqui, em juízo, ele deu uma versão diferente da versão do DPF Rivaldo Venâncio para a recuperação do aparelho que Youssef tinha encontrado. (Veja: Lava jato: um fato, duas versões da PF-PR. Mentira? ).
O DPF Igor de Paula na Justiça disse que o grampo era o mesmo usado com Beira-Mar. Isto, depois de os advogados entrarem com a petição falando dos grampos de 2012. Não foi informado? – Foto Reprodução
Seu interrogatório foi em 16 de setembro – portanto depois da representação dos dois advogados à Superintendência falando da existência de uma escuta ilegal em 2012;. Mas, ele nada falou a respeito e insistiu na tese de que se tratava do aparelho colocado na época de Beira-Mar e estava desativado. Agora, surge a história de um – na verdade, dois – novo grampo. Ele desconhecia o documento dos advogados, apesar de, teoricamente, ser o terceiro homem dentro da Superintendência? Se isso ocorreu, ele estará dando uma demonstração de desprestígio.
Surpreendente mesmo é que tais fatos, demonstram claramente  que a SR/DPF/PR é palco de disputas, algumas irregularidades e prováveis perseguições pessoais, no decorrer de uma Operação do quilate da Lava Jato.
Operação esta que a sociedade como um todo apóia e passa a acreditar que fará uma limpa na corrupção no país. Tal como delegados, procuradores e o próprio juiz Sérgio Moro, em diversas oportunidades, apregoaram.
Ou seja, algo de suma importância que – como disse Gaspari – não pode deixar brecha para as defesas recorrerem em Brasília em busca da sua anulação. Nada disso, porém, parece sensibilizar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que nada comenta e, pior ainda, não demonstra tomar providências para por ordem na casa e garantir a lisura da investigação para que ela não corra risco. Isto sim, é surreal.

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