Lava Jato: Moro reacendeu as suspeitas do grampo ilegal na PF

Marcelo Auler

Sérgio Moro não quis renovar o pedido do resultado que o DPF prometeu mandar em novembro e até hoje não o fez. Foto Ajufe
Sérgio Moro não quis renovar o pedido do resultado que o DPF prometeu mandar em novembro e até hoje não o fez. Foto Ajufe
Ao rejeitar, na terça-feira (19/01), o pedido da defesa dos diretores da Odebrecht de renovar a cobrança junto à Corregedoria Geral (Coger) do Departamento de Polícia Federal (DPF) do resultado da sindicância que investiga, pela segunda vez, o grampo ilegal encontrado na cela do doleiro Alberto Youssef, o juiz Sérgio Moro só fez aumentar as suspeitas em torno deste caso. Com isso, certamente a questão caminhará para os tribunais superiores.
É uma história que se arrasta há 20 meses e, ao que parece, assusta os operadores da Lava Jato, incluindo o próprio juiz Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Tanto que, contraditoriamente, ao mesmo tempo que garante que “tal escuta ambiental, caso tenha de fato existido, não gerou resultado probatório direto ou indireto que tenha sido utilizado neste processo ou em qualquer outro perante este Juízo”, ele parece relutar em utilizar sua autoridade para esclarecer de uma vez por todas o mistério deste grampo. Tampouco o faz o Ministério Público Federal, que tem na fiscalização da lei um dos seus pilares funcionais.

Ao rejeitar o pedido da defesa de Márcio Faria – ex- diretor da construtora, que se encontra preso com Marcelo Odebrecht – Moro classificou a solicitação de prova “manifestamente impertinente, ou irrelevante” e apontou-a como um “intempestivos requerimentos” para retardar o julgamento.
Sua preocupação em agilizar os processos que tem em mãos é louvável, desde que não coloque em risco o resultado de todo o trabalho. Fazer Justiça de maneira rápida é um anseio popular – principalmente quando envolve corruptos. Mais ainda se os acusados de corrupção são famosos. Mas, operadores do Direito sabem que há todo um caminho a percorrer para não se lamentar, futuramente, por possíveis anulações, ou mesmo derrotas judiciais. Tal qual ocorreu com a Operação Satiagraha. E a questão do grampo encontrado na cela de Youssef gera algumas interrogações sobre possíveis consequências que a confirmação de sua existência causará.
No despacho de Moro a rejeição ao pedido e a classificação como "prova irrelevante".
No despacho de Moro, a rejeição ao pedido e a classificação como “prova irrelevante”. Reprodução editada de trechos do despacho.
Ameaças aos processos - Ainda que o juiz Moro diga que o grampo encontrado por Youssef em nada influenciou os processos da Operação Lava Jato, há dois grandes riscos caso, oficialmente, confirmem aquilo que muitos dão como certo: que a escuta estava ativa e conversas foram captadas.
É óbvio que, sendo uma escuta ilegal – o próprio Moro  esclareceu que não a autorizou – ninguém levaria para o processo transcrições do que foi ouvido sorrateiramente. Mas, sem dúvida, o que se ouviu pode ter influenciado na busca de provas, seja nos interrogatórios, em meras conversas ou até em diligências. E se isto aconteceu, certamente suscitará a  discussão do fruto da árvore podre.
Uma segunda questão iminente é que, a confirmar-se a existência de um grampo ilegal que estava ativo – como garantiu o agente federal Dalmey Werlang, que assumiu a instalação do mesmo – todos aqueles que por ele citados como conhecedores da escuta ilegal, assim como os que o desmentiram, cairão em descrédito.
Isso atingirá quase toda a cúpula da Superintendência, so responsáveis pela Operação Lava Jato e até alguns procuradores da República. De que forma isso afetará a credibilidade dos operadores da Lava Jato ainda não há como prever.
Sobre o possível “fruto da árvore podre” já existe ampla jurisprudência que beneficia as defesas. Mas, nem se precisa entrar nessa discussão. Basta abordar a questão pelo lado ético. Recorrendo apenas ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), primeiro passo de quem quiser rever as decisões de Moro, citamos um  julgado em que não se discutiu  a tese do fruto da árvore podre, mas a ética da polícia na busca de provas em um inquérito.
Ocorreu no HC  503760870.2015.4.04.0000, apreciado pela 8ª Turma daquela corte, justamente a que está preventa para analisar todos os recursos contra as decisões de Moro. O debate foi sobre a validade de entrevistas feitas por  policiais federais junto a usuários do SUS, sem que eles se apresentassem como policiais, apenas como servidores públicos, nem especificassem que se tratava de uma investigação policial.  Ao analisar a validade desta prova, o desembargador João Pedro Gebran Neto – que coincidentemente é o relator dos recursos da Lava Jato – expôs:
embora o Inquérito Policial seja peça meramente informativa, possibilitando que os elementos ali obtidos sejam confirmados na instrução da Ação Penal, submetidos ao contraditório, isso não isenta o Estado investigador e agir com ética na colheita de elementos que servirão de prova para apuração  da prática de crime (…) a prova colhida no inquérito influencia diretamente na formação da culpa do investigado, ainda que não sirva como prova única. Nessa linha de raciocínio, não pode ser admitida prova produzida de forma dissimulada, ainda mais quando parte do Estado a iniciativa da colheita dessa prova.
Tratava-se de uma “dissimulação” dos policiais federais que ocultaram quem eram e o que faziam. No caso da Lava Jato deduz-se que através da escuta ilegal possam ter sido obtidas informações que levaram à busca de provas. O grampo ambiental, como se verá abaixo, pode ter servido para delegados “dissimularem” conversas com o doleiro, sobre assuntos dos quais conheceram pelas gravações feitas. Dificilmente isto será considerado uma forma ética de colheita de provas. E nisto reside um dos riscos da Operação Lava Jato.
O possível uso de informações obtidas  pelo grampo na busca de provas não será fácil de provar. O que não se pode esquecer é que, por conta de desafios como este, foram contratados bons e caros advogados pelos acusados ricos e famosos, que jamais pensaram ser pegos, Advogados que,  no legítimo direito ao pleno exercício da defesa, querem chegar aos prováveis áudios desta escuta ilegal para correrem atrás de provas de que a Polícia Federal, com ou sem a participação de procuradores da República, usou informações obtidas ilegalmente contra seus clientes.
Convém lembrar – repetindo o que reportamos em 26 de setembro na matéria O grampo da discórdia na Lava Jato –  que ao descobrir a escuta  na sua cela,  Youssef não tinha prestado nenhum depoimento. Isto foi dito pelos delegados Igor Romário de Paula (Delegado Regional de Combate ao Crime Organizado – DRCOR da SR/DPF/PR) e Márcio Anselmo Adriano, da Delegacia de Combate aos Crimes Financeiros (DELEFIN), encarregado das investigações da Lava Jato. Na primeira vez em que ficou à frente dos delegados, o doleiro exerceu seu direito de ficar calado. O que o fez mudar de ideia depois e até apelar para a delação premiada, jamais foi explicado.
Mas, como admitiu seu advogado, Antônio Augusto Lopes Figueiredo Bastos, na matéria “Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR“, o doleiro foi retirado da cela para “conversas informais” com os delegados. Segundo ele, lhe questionavam sobre assuntos relacionados às suas conversas com os demais presos:
“Tivemos alguns indícios disso sim, Houve indícios, isso não tem dúvida. Mas, não em interrogatórios. Em conversas assim…  que não têm como serem recuperadas. Eles nunca interrogaram diretamente sobre isso, mas os assuntos acabavam sendo abordados pelos delegados”, declarou Bastos.
Youssef e o grampo que descobriu na cela da SR/DPF/PR
Youssef e o grampo que descobriu na cela da SR/DPF/PR
O que importa saber - Em busca desses indícios que os advogados de defesa hoje se mobilizam nas expectativa de descobrir uma brecha deixada pelos operadores da Lava Jato para questionarem a legalidade de tudo o que foi feito. Esse risco vem sendo falado aqui desde de 20 de agosto, na matéria Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR”.
Mais fácil do que os advogados descobrirem vínculos entre a escuta ambiental e as provas apresentadas nos processos pela Polícia Federal seria o juiz Moro afastar de vez as dúvidas que persistem desde o encontro do grampo na cela 5 da custódia da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR). Se não todas – já que são muitas e variadas – pelo menos as relacionadas a este grampo.
Como ele repete que nada do que possa ter sido captado pelo grampo – sempre com a ressalva, “se ele realmente existiu” – consta dos processos sob sua presidência, o magistrado resolveria a questão facilmente encaminhando à Coger do DPF duas perguntas:
1 – O grampo estava ativo?
2 – Quais são os áudios que ele captou?
Todo o resto – quem colocou? por que colocou? como colocou? – serão fatos a serem apurados paralelamente. À Operação Lava Jato com os atuais 36 processos criminais instaurados na primeira instância e cinco ações de improbidade administrativa, o que importa saber hoje é se esta escuta ilegal interferiu de alguma forma. Se alguma das provas colhidas pela Polícia Federal foi contaminada pelo chamado fruto da árvore podre ou obtida sem a ética descrita pelo desembargador Gebran Neto.
A tese de que isto retardaria o processo cai por água abaixo quando se verifica no acompanhamento do mesmo que as defesas terão até a primeira semana de fevereiro para apresentar as alegações finais. Fazer as duas perguntas à Corregedoria em uma época de processos eletrônicos e comunicações virtuais, não demoraria mais do que 72 horas, se tanto. Ou seja, não retardaria o julgamento, como teme o juiz Moro. A não ser que se confirme que o grampo funcionou e captou áudios. Mas, nesse caso, trata-se de informação relevante que o juízo precisa conhecer em detalhes antes de dar uma sentença imparcial.
Moro, porém, deixou passar esta oportunidade ao recusar o pedido da defesa da Odebrecht de renovar a cobrança junto à Coger do resultado da sindicância. Algo estranho a um juiz da estirpe dele, que com toda a sua bagagem acumulada, sabe que os defensores, até para não incorrerem em questões éticas junto aos seus clientes, deverão buscar o que querem em recursos junto aos tribunais superiores. Aí sim, poderão suscitar uma discussão com reflexo no andamento do processo. Mais rápido, portanto, seria buscar as informações que, por sinal, foram prometidas para novembro de 2015.
Em 12 de n9ovembro o corregedor do DPF anunciou que a finalização da sindicância ocorreria até o final daquele mês...
Em 12 de novembro o corregedor do DPF anunciou que a finalização da sindicância ocorreria até o final daquele mês…
A duradoura finalização - Em novembro, depois de relutar na primeira solicitação da defesa da Odebrecht, Moro encaminhou um pedido de informações ao corregedor do DPF, delegado Roberto Mario da Cunha Cordeiro.
Dele recebeu, no dia 12, uma resposta que nos levou a, acreditando que valia o escrito, postar a matéria “Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade“:
“(…) a conclusão do apuratório está prevista para o final deste mês de novembro de 2015“, afirmou Cordeiro.
A promessa não foi cumprida. Às vésperas do recesso do Judiciário, nada tinha sido remetido ao processo.
Em 23 de dezembro: sindicância encontra-se em processamento nal de conclusão.
Em 23 de dezembro: sindicância encontra-se em fase de processamento e está em fase final de conclusão.
Em dezembro  encaminhamos um pedido de informação ao DPF e não merecemos resposta. Só depois, em uma mensagem enviada diretamente ao corregedor, veio uma explicação:
A sindicância questionada encontra-se em processamento e está em fase final de conclusão“.
Foi o que nos informou a comunicação social do DPF, em 23 de dezembro, 35 dias depois de o DPF Cordeiro ter dito que o resultado ficaria pronto até o final daquele mês.
Em 20 de janeiro a sindicância encontra-se em fase final  e tão logo seja concluída......
Em 20 de janeiro a sindicância encontra-se em fase final e tão logo seja concluída……
No último dia 20 de janeiro, para uma nova cobrança, a velha resposta:
A aludida sindicância encontra-se em fase final e, tão logo seja concluída, será devidamente encaminhada ao juízo competente pela Corregedoria Geral do Órgão”,
Ou seja, a sindicância que, em novembro, segundo o próprio corregedor, ficaria pronta para ser remetida ao juiz Moro em cerca de 20 dias, decorridos 71 dias ainda não chegou ao s autos. Apesar disso, o juiz Moro não viu motivos para fazer novo pedido à Coger do DPF. Tampouco o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se preocupa em saber o que se passa dentro da Polícia Federal. Ele também aguarda o final da sindicância.
O delegado Moscardi na premiação aos delegados da Lava Jaro pela Associação de Delegados da Polícia Federal - foto: reprodução.
O delegado Moscardi na premiação aos delegados da Lava Jaro pela Associação de Delegados da Polícia Federal – foto: reprodução.
Informação sigilosa - Em 2014, quando recebeu a primeira sindicância, sobre esta escuta clandestina, presidida pelo delegado Mauricio Moscardi Grillo – cuja conclusão de que o grampo estava desativado e fora instalado em 2008 foi tão contestada e desmentida que o DPF instaurou nova apuração -, o juiz Moro acatou o resultado sem contestação. Sequer questionou o motivo de sua ordem, de 11 de abril de 2014, como noticiamos em Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade, não ter sido cumprida.
Ele determinou o acompanhamento do Ministério Público Federal, a quem cabe o controle externo da polícia. Mandou, inclusive, intimar a Procuradoria da República para tomar ciência de sua decisão.
No entanto, nas 139 folhas da Sindicância a que o blog teve acesso, a única citação ao Ministério Público Federal foi a do juiz. Não só não há registro da participação de algum procurador da República nos 16 depoimentos colhidos de 12 testemunhas – algumas pessoas depuseram mais de uma vez – como sequer houve ofício da Polícia Federal ao MPF comunicando o resultado da apuração.
Também a ordem do superintendente do DPF no Paraná, delegado Rosalvo Ferreira Franco, de submeter o equipamento a uma perícia técnica, virou letra morta. Resultado, o delegado Moscardi concluiu que o grampo estava ali desde a passagem do traficante Fernandinho Beira Mar por aquela custódia quando, na realidade, o aparelho só chegou à PF do Paraná meses depois de aquele preso ser devolvido para Campo Grande (MS). Esta informação foi repassada à CPI da Petrobrás pelo antigo diretor de inteligência do DPF, delegado José Iegas.
Na resposta do DPF à CPI da Câmara a alegação de que se trata de informação sigilosa.
Na resposta do DPF à CPI da Câmara a alegação de que se trata de informação sigilosa.
Ao procurá-la obter oficialmente, através de um ofício ao ministro da Justiça questionando a data da compra do equipamento e de sua remessa à Curitiba, o deputado Aluísio Guimarães Mendes Filho (PSDC-MA), recebeu como resposta do Diretor Geral do DPF, Leandro Daiello Coimbra, uma justificativa de que se trata de uma “informação  acobertada pelo sigilo legal”. E nada foi informado.
O curioso é que o mesmo ministro da Justiça que garantira que servidores federais compareceriam às CPIs para prestar as informações que fossem pedidas, remeteu o ofício do diretor do DPF ao Parlamento sem qualquer contestação. E trata-se de um ex-deputado que participou de Comissões Parlamentares de Inquérito..
Premiação inexplicada – Apesar dos fortes indícios de que a sindicância foi um jogo de carta marcada para não confirmar a existência do grampo, Moscardi foi um dos premiados pela Associação dos Delegados da Polícia Federal, a pretexto do trabalho realizado na Operação Lava Jato.
São estes fatos obscuros que, sem dúvida, as defesas tratarão de levar à apreciação dos tribunais superiores – a começar, obviamente, pelo TRF-4. Queira-se ou não, colocarão em risco alguns resultados obtidos pela Operação Lava Jato. Resultados que, ressalte-se, embora atinjam casos concretos de corrupção, têm se mostrado bastante parciais e supostamente tendenciosos por atingirem apenas os governos do PT.
Com estes pontos obscuros, perde-se uma oportunidade defendida pela maioria dos cidadãos brasileiros, de um combate efetivo e sério à corrupção sistêmica que envolve as relações políticas do país, há muitos anos e não apenas há uma década. Uma virada de mesa que nossa sociedade aguardou e que o PT deixou de fazer com toda a força que tinha no início dos seus governos, em 2003.
Estranha-se também que todo o respeito que o trabalho do juiz Moro despertou ao longo dos anos como magistrado, não se coaduna com decisões por ele adotadas – ou deixadas de adotar – que pudessem esclarecer tais fatos nebulosos, como o esclarecimento desta questão do grampo da cela de Youssef.
Vale repetir o que constou da reportagem da revista CartaCapital, comentada no blog (Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade):
“Só o completo esclarecimento do tal grampo poderá demonstrar que a Lava Jato não ultrapassa os limites da legalidade em seu ímpeto louvável de punir a corrupção no Brasil. Para quem está imbuído da missão de limpar o País, a transparência não é só recomendável. É essencial”. 

Leia ainda as outras matérias sobre a Operação Lava Jato e Polícia Federal já postadas no blog:

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