Emir Sader: Governo limpinho para trabalho sujo?

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por Emir Sader - 06/05/2016

Delfim Netto, entre outros ministros da ditadura, dizia que não sabia nada do terror levado a cabo pelo regime militar, menos ainda da tortura e dos desaparecimentos. Parece que faziam parte de um outro governo.

Fingiam não saber que um programa econômico de "primeiro crescer e depois distribuir", com arrocho salarial e intervenção em todos os sindicatos, supunha uma brutal repressão. Que o regime do qual foi o principal ministro econômico depôs um presidente, interveio no Congresso, no Judiciário, cassou parlamentares, juízes, interveio em universidades, em partidos políticos, ocupou militarmente o Estado e o país – em suma, acabou com a democracia e instaurou uma ditadura militar. Que um programa como o seu só poderia passar na realidade mediante um regime de terror.

Agora aparecem vozes para reivindicar que Temer tenha um governo limpinho, sem políticos sob investigação, sem evangélicos, sem políticos corruptos, com gente honesta, séria, democrática. Mas para dar um golpe, terminar com a democracia, instaurar à força um selvagem programa antipopular e antinacional, só podem contar com bandidos, com políticos corruptos, com economistas que defendem os interesses do 1% mais rico.

Podem procurar, não vão encontrar gente com espírito democrático disposta a defender a ruptura de um governo eleito pelo povo, disposta a se identificar com aquela corja que se exibiu para o Brasil e para o mundo no dia 17 de abril – o dia da vergonha nacional -, com sua cara, seus valores, suas indecências. Quem vai querer embarcar numa aventura de uma minoria sem votos, sem delegação da sociedade, contra tudo o que representa democracia, mobilização popular, interesses da grande maioria, patrimônio nacional?

Não reclamem que só encontram, para assassinar a democracia, assassinos. Que só encontrem corruptos, dispostos a acobertar a corruptos. Que só disponham de gente sem voto para tentar impor um governo chefiado por gente sem voto.

Documento vazado de um suposto candidato a ministro da educação do Temer, que diz que a educação seria a "ponte para o futuro", diz explicitamente que a educação tem que deixar de ser uma política social para fazer parte simplesmente do "desenvolvimento econômico", isto é, só interessaria o que servisse à reprodução do capital, à busca dos interesses de lucro dos grandes empresários. Um programa que lutaria contra a "ideologização" que o PT pretenderia impor nas escolas, discutindo temas sociais, éticos, políticos.

A linguagem do mencionado documento é centrada no tal "capital social", porque essa é a linguagem dos ricos: educação reduzida a "capital social", a aquilo que sirva à maximização dos lucros do grande capital.

Para tentar dar um visão mais arejada, o documento se propõe a "conversar/ouvir" gente como João Paulo Lehman, Viviane Senna, Neca Setubal, Simon Schwartzman, ilusoriamente, Fernando Haddad, Cid Gomes.

Estão repartindo o botim, estão redigindo discursos de posse, estão fazendo planos de governo, para a maior aventura, a mais irresponsável, a mais sem compromisso com a democracia e com o país que o Brasil já enfrentou.

Para isso só podem contar com aventureiros, com gente que busca no governo abrigo de processos de corrupção, cargos para nomear, amealhar dinheiro, acobertar negócios. Não venham reclamar da lista de bandidos que vão se projetando como eventuais ministros do eventual governo Temer. O conteúdo da aventura determina o pessoal de bordo.

Não haverá governo limpinho para a tarefa suja de desmontar os direitos sociais da grande maioria, para privatizar o patrimônio público, para desmontar o orçamento social, para bloquear qualquer possibilidade de retomada do crescimento econômico com distribuição de renda. Fazer esse jogo sujo para a democracia, para o país e para o povo só pode ser com bandidos, com corruptos, com gente sem voto e sem caráter.

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