Tereza Cruvinel: Se ganhar, Temer deve se livrar de Cunha

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por Tereza Cruvinel - 15 de Abril de 2016

Regendo o espetáculo do impeachment, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, saboreia o prato da vingança contra Dilma Rousseff e o PT. “Meu poder é maior que o dela, vocês verão”, disse ele há pouco tempo a um grupo de aliados. Mas se o impeachment passar, Temer manterá como seu substituto e sucessor imediato um réu perante o STF, rejeitado por 77% dos brasileiros (Datafolha), acusado de receber milhões de dólares em propinas, a exemplo da denúncia que estourou hoje? (R$ 52 milhões segundo o empreiteiro Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia). Como Cunha tem uma tropa para evitar a cassação, já estaria sendo ensaiado um acordo pelo qual ele deixaria a presidência salvando o mandato. E de quebra, o foro privilegiado do STF.

De tudo que há de insólito no processo em curso – a vaga fundamentação da acusação, a distorção da lei como galho fraco para servir ao propósito do impeachment e a força auxiliar da mídia e do empresariado – nada é mais incompreensível aos olhos do mundo que o fato de Dilma ter Cunha como algoz. Mas isso foi parte do “acordão” entre PMDB, PSDB e demais partidos de oposição para derrubar Dilma e entronizar Temer.

Mas se vier mesmo a presidência Temer, já se ouve no PMDB que ele terá de se livrar de Cunha na presidência da Câmara. Como poderia Temer convencer o Brasil de que veio para consertar o país (pois em uni-lo nem poderá falar) tendo Cunha como segundo na linha sucessória? É verdade que a palavra corrupção, como notou Elio Gaspari, passou longe de seu ensaiado e vazado discurso de posse. Mas ele terá que fazer o discurso da moralidade para contentar, pelo menos numa eventual estreia, a maré udenista que acha que o PT inventou o caixa dois e o conluio das empreiteiras com as estatais. É verdade que em sua eventual base governista haverá dezenas de picaretas citados na Lava Jato, mas todos continuarão na Câmara e continuarão votando. Com Dilma fora e o PT abatido, tudo o mais será esquecido. O presidencialismo de coalizão e seus derivativos fisiológicos continuarão funcionando. Não foi inventado pelo PT, que errou porque o adotou. Também, com 17% das cadeiras na Câmara, não tinha para onde correr.

Temer sabe que não se livrará de Cunha pela cassação de seu mandato. Ele voltou a controlar o Conselho de Ética e dali não sairá nada mesmo. Por isso, já começaria a ser pensando um acordo. Empossado Temer, Cunha renunciará à Presidência da Câmara, favorecendo a imagem e o funcionamento do eventual novo governo. Em troca, seguirá tendo mandato e foro privilegiado.

Neste caso, Cunha terá conseguido tudo o que jurou fazer: derrotar o PT e derrubar Dilma. Menos chegar ao fim de seu mandato na presidência da Câmara, elegendo o sucessor. A ver.

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