Vazamentos seletivos: o conluio entre mídia e Lava Jato
As digitais que provam o conluio podem ser encontras na eleição de 2014; na construção do impeachment em 2015; e na armação do golpe, neste 2016.
Tatiana Carlotti - na Carta Maior - 08/04/2016
Dividida em 27 fases e uma série de ações paralelas, a Operação Lava Jato vem pautando a agenda nacional há mais de dois anos. Uma breve análise dos vazamentos seletivos da Operação em consonância à agenda das oligarquias midiática e econômica do país levantam evidências quanto à sua motivação política.
Nesta quinta-feira, 17 de abril, mais um exemplo confirma a regra. Um dia após a apresentação do relatório favorável ao acolhimento do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, os jornais repercutiram a delação premiada de Otávio Mesquita de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, realizada dois meses atrás (G1, 07.04.2016).
Incensam, desta forma, a impressão generalizada de corrupção, omitindo o fato da Andrade Gutierrez ter sido uma das maiores doadoras do PSDB nas eleições de 2014: do total de R$ 62,2 milhões doados a partidos políticos, os tucanos receberam da construtora R$ 24,1 milhões (UOL, 11.03.2016).
Nesta quinta-feira, 17 de abril, mais um exemplo confirma a regra. Um dia após a apresentação do relatório favorável ao acolhimento do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, os jornais repercutiram a delação premiada de Otávio Mesquita de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, realizada dois meses atrás (G1, 07.04.2016).
Incensam, desta forma, a impressão generalizada de corrupção, omitindo o fato da Andrade Gutierrez ter sido uma das maiores doadoras do PSDB nas eleições de 2014: do total de R$ 62,2 milhões doados a partidos políticos, os tucanos receberam da construtora R$ 24,1 milhões (UOL, 11.03.2016).
O conluio entre a Lava Jato e as empresas de comunicação do país, à frente do golpe, é matéria de sólidas críticas de juristas em todo o país (leiam mais). As digitais desse conluio podem ser encontradas em cada um dos momentos cruciais dos últimos anos: na eleição de 2014; na construção do impeachment em 2015; e na armação do golpe, neste 2016.
Voltemos às origens:
Operação Urnas
Quando a Lava-Jato veio à público, a compra da refinaria de Pasadena era pivô do bombardeio do noticiário político. Em 13 de março de 2014, a Polícia Federal abria um inquérito contra a Petrobras, municiando a oposição já no começo do ano eleitoral (OESP, 13.03.2014). Em 17 de março, surgia a Operação Lava-Jato, prendendo o doleiro Alberto Youssef, durante a investigação sobre um esquema de lavagem de dinheiro que utilizava postos de gasolina e lavanderia.
Sete dias depois, em 20 de março, Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras, era detido “provisoriamente” por ter ganho uma Land Rover de Youssef. O timing foi preciso: Costa, apontavam os jornais, estava sendo investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre Pasadena (OESP, 20.03.2014).
O fato é que em menos de uma semana, a agenda eleitoral estava posta. A oposição e o senador Aécio Neves podiam bradar, à vontade, o pedido de criação de uma CPI contra o governo que tentariam derrubar naquele ano (FSP, 20.03.2014). Na Folha, inclusive, uma sinalização do que seria a mídia em 2014: sem citar nenhuma fonte, o jornalão da família Frias estampava em 20 de março, a manchete “Executivos refutam explicação de Dilma no caso da Petrobras” (leiam aqui).
Completando o rol dos interesses envolvidos - leia-se Petrobras, uma das mais cobiçadas empresas do mundo - no dia 25 de março, a agência de risco Standard & Poor's (S&P) rebaixava a nota da estatal brasileira, alegando sua “ligação extremamente forte com o governo federal” (FSP, 25.03.2016).
Com Youssef e Costa atrás das grades, a Lava-Jato entrava no jogo político, com um farto material em mãos. Uma breve passada pelo iconográfico de O Globo mostra que a dupla, entre março e outubro, foi o centro das seis fases da Operação. O modus operandi permanece inalterado: turbina-se a mídia partidária, com vazamentos seletivos e condenações prévias, criando a narrativa e as condições favoráveis na sociedade para o avanço da oposição.
Vazamentos seletivos
Em 5 de abril, a PF vazava à imprensa uma relação de empresas que haviam feito depósitos para a MO Consultoria (controlada por Youssef) ligadas às obras da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco (FSP,05.04.2016). Dois dias depois, a Folha estampava a manchete: “Empresa investigada pela polícia doou R$ 4,5 milhões ao PT” (FSP, 08.04.2016).
Dois dias antes, pesquisa Datafolha apontava que 78% dos brasileiros acreditavam que havia corrupção na Petrobras. A pesquisa também registrava queda de seis pontos nas intenções de voto em Dilma Rousseff que contava com com 38% ante 15% de Aécio Neves (FSP. 06.04.2014).
Em 11 de abril, a Lava Jato ganhou destaque em todos os noticiários do país (JN, 11.04.2014). Com 16 mandatos de busca e apreensão, a PF entrava na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, saindo com caixas e caixas de documentos. No mesmo dia, outro vazamento: uma planilha de Costa, com o nome manuscrito de empresas, apresentadas pela mídia segundo a ótica da PF, a de que estariam envolvidas com pagamentos a políticos (FSP, 11.04.2014).
Vale destacar que a versão dos investigadores da Lava Jato, desde o início da Operação, tornou suspeitas verdades efetivas, e permaneceu incorporada na fala e escrita dos jornalistas da mídia. Um bom exemplo é a explicação dada aos internautas, um mês após a eclosão da Operação, por um jornalista na TV Folha:
“É o velho e bom caixa 2 dos partidos, obtido ali, segundo a PF, como parte de contratos da Petrobras. As empreiteiras contratadas pela Petrobras, repassavam esses recursos por empresas de consultorias fantasmas, que na verdade não existiam, e esse dinheiro chegava finalmente a partidos ali como PP, PT e também tem suspeita do PMDB (...) A comparação que eu mais ouço entre os policiais é que o mensalão é um escândalo de pequenas proporções quando comparado ao da Lava-Jato” (TV Folha, 13.04.2014, 20h).
Fechada a narrativa, instalou-se uma verdadeira caça às bruxas: parlamentares, candidatos e empresários que tiveram qualquer contato com pessoas ou empresas relacionadas a Youssef ou Costa foram parar nas páginas dos jornais. O uso eleitoreiro das informações, seletivamente vazadas, foi gritante. Um exemplo foi a investida com a finalidade de comprometer a candidatura de Alexandre Padilha (PT) ao governo de São Paulo, por conta de uma tentativa frustrada de um laboratório ligado a Yousseff de firmar um contrato com o Ministério da Saúde. Um contrato que, devido ao próprio o rigor da seleção do Ministério, jamais chegou a ser firmado (FSP, 11.04.2014).
Abusos denunciados
Antes que renunciassem ao direito de defesa em troca de penas mais brandas, Youssef e Costa denunciaram vários abusos. Em 10 de abril, por exemplo, o doleiro apontava a existência de escutas telefônicas em sua cela (FSP, 10.04.2014). No mesmo dia, a PF pedia a sua transferência, e a de Carlos Habib, para um abrigo de segurança máxima. (FSP. 10.04.2014). Costa, por sua vez, teve dois pedidos de habeas corpus negado e chegou a denunciar uma ameaça, por parte de um agente da PF, de ser levado a prisão de segurança máxima (FSP, 14.04.2014).
Ele chegou a ser solto em 19 de maio, por ordem do ministro Teori Zavascki (STF), que determinava sigilo sobre os autos envolvendo o ex-diretor da Petrobras. Três dias depois, o Estadão divulgava uma reportagem que o apontava como elo central nas investigações, com base em um oficio enviado ao juiz Moro, por um delegado da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros em Brasília: “PF liga Pasadena a suspeita de lavagem e vê ´organização criminosa´ na Petrobras” (OESP, 22.05.2014).
Em 10 de junho, durante um depoimento à CPI da Petrobras no Senado, boicotada pela oposição desde o seu início, Costa repudiou a tese de que Petrobras era uma organização criminosa, também afirmou ter sido “massacrado” durante os 59 dias em que ficou preso (G1, 10.06.2014). Em menos de 24 horas, a Operação Lava-Jato estreava sua quarta fase: prendia, novamente, o ex-diretor da Petrobras (O Globo, 11.06.2014).
Em meio à Copa do Mundo, a Lava Jato prendeu dois funcionários que gerenciavam contas no exterior de Youssef, levando o doleiro, em 10 de agosto, a acenar com a possibilidade de acordo de delação premiada. Faltava apenas um acordo com o ex-diretor da Petrobras: outra fase foi aberta, realizando 11 mandatos de busca e apreensão e um de condução coercitiva em empresas vinculadas a Costa e a seus familiares.
No mesmo dia, o ex-diretor da Petrobras aceitava a delação premiada, abdicando do seu direito de defesa em troca de uma tornozeleira eletrônica e prisão domiciliar no Rio de Janeiro (FSP, 22.08.2014).
Delações premiadas
No final de agosto, em meio à comoção da morte de Eduardo Campos, as pesquisas Datafolha, Ibope e CNT-MDA anunciavam o empate entre Marina Silva e Dilma Rousseff nas intenções de voto (Último Segundo,29.08.2014). No dia 5 de setembro, novos vazamentos garantiram à Folha a manchete: “Empresa que ajudou a pagar avião de Campos fez negócio com doleiro” (FSP, 05.09.2014).
É importante destacar o papel central das delações de Costa (um mês antes do primeiro turno) e Youssef (na semana do segundo turno). O vazamento de ambas foi seletivamente trabalhado de acordo com o timing da disputa eleitoral.
Em 5 de setembro, a VEJA publicava uma reportagem citando nomes de vários políticos (Veja, 05.09.2014). A reportagem tornou-se fonte de uma série de manchetes. Sem citar nomes, O Globo destacava que a denúncia atingia pelo menos 25 políticos, vinculados a cinco partidos (PT, PMDB, PP, PR e PTB), “a maioria parlamentares federais em campanha pela reeleição” (O GLOBO, 6.09.2014).
Na Folha, uma correção: “a lista de políticos tinha um total de 12 senadores e 49 deputados federais” e a informação: “O jornal [Folha] não teve acesso ao documento que cita os nomes dos parlamentares” (FSP,06.09.2014). Já o Estadão foi direto ao ponto: “32 deputados e senadores, um governador de cinco partidos políticos, incluindo do PT e PMDB” (OESP, 05.09.2014).
Em nenhuma das reportagens, o questionamento sobre a veracidade das informações, tampouco o contexto em que foram obtidas. Com caráter de verdade, as delações premiadas municiaram a oposição, consolidando na opinião pública a narrativa de uma corrupção sistêmica na estatal.
Rumo ao primeiro turno
As críticas em relação aos vazamentos da delação de Costa não tardaram, aliás, elas estão presentes desde o início da Operação. Frente a elas, em 8 de setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reuniu-se com a força tarefa da Lava Jato para discutir como prosseguir com as investigações. O que aconteceu às vésperas do segundo-turno é testemunha da qualidade do encontro (FSP, 08.09.2014).
Enquanto isso, a oposição inflava a onda da criminalização do PT. Vinte dias antes do primeiro turno, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso, em profunda crise de amnésia quanto à corrupção dentro do seu governo (relembrem aqui), afirmava que casos de corrupção no governo PT tinham sido 'quase uma regra' (FSP,15.09.2014).
Quinze dias antes das eleições, o conluio mídia - Lava Jato selecionava novos trechos da delação de Costa. Os vazamentos, agora, estampavam os nomes de Renato Duque e Nestor Cerveró, os ex-diretores da Petrobras. Na Folha, a manchete: “Delator liga 2 ex-diretores a corrupção da Petrobras” (FSP, 20.09.2016). No Estadão, “Em delação, Costa cita diretor da Petrobrás ligado ao PT (OESP, 21.09.2014).
Em vários veículos de comunicação, as reportagens relativas à Lava Jato permaneceram locadas em cadernos e especiais “Eleições 2014”. Na Folha, por exemplo, sete dias antes do pleito, no caderno “Eleições”, publicava-se a reportagem “PF investiga ligação entre tesoureiro do PT e doleiro preso”, resultado de informações da PF após a abertura de uma nova frente da Lava Jato, destinada a apurar a ligação entre Youssef e fundos de pensão (FSP, 28.09.2014).
Ao mesmo tempo, no dia 29 de setembro, a VEJA centrava munição, com novos vazamentos da delação de Costa, na reportagem intitulada “O núcleo atômico da delação: Paulo Roberto Costa diz à Polícia Federal que em 2010 a campanha de Dilma Rousseff pediu dinheiro ao esquema de corrupção da Petrobras". Ao analisar a matéria, o jornalista Ricardo Kotscho apontava que a reportagem não informava sequer se havia “provas deste pedido e se a verba foi ou não entregue à campanha de Dilma” (leia mais).
Ás vésperas e no dia da eleição, o Estadão e a Folha emplacavam em suas páginas, a próxima delação: a de Alberto Youssef.
O tudo ou nada do segundo turno
Dez dias antes do segundo turno eleitoral, o depoimento de Costa circulava nas redes (G1, 09.10.2014). O Datafolha incensava a vitória a Aécio Neves, com 51% das intenções de voto, ante 49% de Dilma Roussef (FSP, 15.10.2014). A Lava Jato fervilhava no centro de todos os debates eleitorais.
No primeiro deles, após o segundo turno, Aécio dizia ser “absolutamente inacreditável” o que ocorria na Petrobras. A resposta de Dilma foi categórica: “aonde estão todos os envolvidos no caso da compra de reeleição? Todos soltos. O que eu não quero é isso, candidato. Eu quero todos aqueles culpados presos” (FSP,15.10.2014).
No dia seguinte, da mesma delação de Costa, a notícia de que Guerra havia cobrado R$ 10 milhões para abafar uma CPI em 2009 e abastecer dinheiro das campanhas tucanas (OESP, 16.10.2014 e FSP, 16.10.2014). Na mesma semana, frente à ameaça de vitória de Aécio, artistas e intelectuais se mobilizaram em apoio à candidatura Dilma, no Ato da PUC (OEscrevinhador, 20.10.2014).
Naquela semana eleitoral, na terça-feira, 21 de outubro, Alberto Youssef começou sua série de delações à Lava Jato. Em menos de 48 horas do início dos depoimentos e a 72 horas das eleições, a VEJA publicou a reportagem “Eles sabiam de tudo”, com Dilma e Lula na capa, atribuindo a afirmação da manchete ao doleiro. No dia seguinte, o advogado de Youssef, Antônio Figueiredo Basto, afirmava: “Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso. Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso” (O Globo,23.10.2014).
Sem qualquer checagem, o conteúdo divulgado pelo semanário da família Civita ganhou a manchete da Folha, no sábado, véspera da eleição: “Doleiro acusa Lula e Dilma que fala em terror eleitoral” (FSP, 25.10.2014). Vencidas as eleições, a tentativa de VEJA de interferir no resultado veio à tona.
Criou-se uma nuvem de fumaça. O Globo afirmava que um dos advogados de Youssef havia solicitado a retificação no depoimento do doleiro, ele havia dito que “pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem” (O Globo, 28.10.2014). Dois dias depois, Basto negava o conhecimento tanto do teor da delação, quanto da retificação anunciada em O Globo. (CC, 30.10.2014).
O fato é que após a vitória de Dilma Rousseff com 51,64% dos votos, abria-se novo capítulo na Lava Jato. Quinze dias depois, eram presos o ex-diretor da Petrobras e 17 executivos das maiores empreiteiras no país.
A reportagem continua...
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