Prince sabia que “se não há justiça, então não há paz”

Prince sempre foi mais do que a política, mas ele apelou ao desarmamento, lutou pela paz e anunciou que “as vidas negras… ainda importam”. Artigo de John Nichols, The Nation.

ESQUERDA.NET - 22/04/2016

Prince associou-se ao movimento #BlackLivesMatter e participou no concerto de solidariedade em Barltimore no ano passado.
Prince nunca foi muito identificado como um artista político. Raramente foi chamado de cantor de protesto. Ainda assim, no último ano da sua vida notável, foi saudado como “um Pete Seeger funky” que amplificou a mensagem do movimento #BlackLivesMatter.
Havia muito mais em Prince Rogers Nelson, que morreu inesperadamente com 57 anos de idade, do que a política. Mas Prince fez muitas vezes declarações fortes sobre os temas do seu tempo – como quando usou a canção “Ronnie Talk to Russia” para apelar ao Presidente Ronald Reagan a levar a sério o desarmamento nuclear. E continuou a fazê-lo, dizendo ao público da cerimónia de 2015 dos Grammys que “as vidas negras… ainda importam”.


Prince abraçou a controvérsia e por vezes inspirou-a – Tipper Gore fundou o seu grupo de classificação musical, o  Parents Music Resource Center, após encontrar a filha Karenna, de 12 anos, a ouvir a música “Darling Nikki”. Prince derrubou barreiras, reivindicou e abriu diálogos em formas que mudaram vidas. Prince referia-se à sua banda como The Revolution, defendia que “os gatekeepers têm de mudar” e apoiava o ideal de uma nova geração de poder. Músico e artista brilhante, ele controlava a sua própria carreira, de forma absoluta e sem se desculpar. Isso permitiu-lhe permanecer sempre ligado à sua época e responder de imediato à tragédia e ao trauma. Lançou novas canções para ajudar as iniciativas de socorro a Nova Orleães numa altura em que as autoridades ainda tentavam responder à tempestade de 2005.
Filho de um pianista de jazz e de uma assistente social, Prince rejeitou categorias e estereótipos e convidou gerações de fãs a derrubar barreiras raciais, de género, sexuais e musicais. Se tivesse uma ideologia, era a fé em que os seres humanos podem conseguir unidade e mudança transformadora. De facto, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, esta Testemunha de Jeová imaginava essa unidade – e a possibilidade que daí advinha. A sua resposta ao assassinato de Trayvon Martin foi trabalhar com o seu amigo Van Jones para desenvolver a iniciativa #YesWeCode, para ajudar 100 mil jovens de baixo rendimento a seguirem carreiras ligadas à escrita de código informático.
Há menos de um ano, em maio de 2015, Prince lançou a canção “Baltimore” como um tributo a Freddie Gray e outros afroamericanos mortos sob custódia policial. A canção, afirmou o porta-voz de Prince, era uma resposta à “onda de assassinatos de jovens negros”.
Referindo-se a Freddie Gray, de Baltimore, e a Michael Brown, de Ferguson, Prince cantou “Se não há justiça, então não há paz”.
“Iremos assistir a outro dia sangrento?”, perguntou, para logo responder: “Estamos cansados do choro e da gente a morrer – Vamos retirar todas as armas”.
“[Com] ‘Baltimore’, Prince experimenta um tipo diferente de cantor de protesto – como um Pete Seeger funky, entoando cânticos e inflamando corações para inspirar ativismo num espaço e tempo bem definidos”, assinaloua crítica musical Ann Powers da NPR. “Esta canção personaliza o seu apelo ao armistício com nomes que todos ficámos a conhecer, nomes que tocam os nossos corações. ‘Será que alguém nos ouve rezar por Michael Brown ou Freddie Gray?’, canta Prince antes de nos oferecer uma graça filosófica: ‘A paz é mais do que a ausência de guerra’. O  cântico que acompanha ‘Baltimore’ também é contemporâneo – não é o ‘We Shall Overcome’, mas sim ‘No Justice, No Peace’, que surgiu em resposta aos crimes de ódio dos anos 1980 e ainda hoje ressoam em Ferguson, Staten Island e Sandtown”.
A 10 de maio de 2015, Prince esteve em Baltimore para tocar esta canção num concerto “Rally4Peace”, onde disse à multidão: “O sistema está estragado. Desta vez é preciso que seja a nova geração a arranjá-lo. Precisamos de novas ideias, nova vida…”

Artigo publicado no site da revista The Nation. Tradução de Luís Branco para o esquerda.net.

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