PML: Prioridade é derrotar o golpe

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por Paulo Moreira Leite - 20/04/2016

A derrota sofrida pela democracia brasileira neste domingo foi seguida de um debate que merece mais do que um minuto de reflexão. Estou falando da proposta de apoiar um projeto de emenda constitucional que propõe a antecipação de eleições presidenciais para outubro de 2016. Sou contra.

Num país onde o voto direto encontra-se historicamente ligado a luta contra a ditadura militar, não há dúvida de que essa ideia até parece uma resposta oportuna quando se recorda que a soberania popular foi o principal alvo atingido pela votação de domingo. Considerando que Dilma Rousseff foi vítima de um golpe de Estado, por que não questionar o governo provisório de Michel Temer, seu beneficiário direto?, pode-se perguntar. Por que não abrir as urnas presidenciais para que o povo dê seu veredito final?

O ponto centro deste argumento consiste num fato inegável: o governo Temer, caso venha ser constituído, vencendo também de forma pervertida outras etapas de um ritual que deveria proteger garantias democráticas, será obra de um usurpador. Os fatos que levaram a vitória de Temer no domingo – traição a companheira de chapa, construída num ambiente de conspiração típica de golpes de Estado – dizem respeito a personalidade do vice-presidente. Vice durante cinco anos, não custa lembrar que Temer teve tempo de sobra para defender suas divergências com o governo e nunca o fez.

Chegou a desconversar inclusive quando esteve em São Paulo, para responder a uma sabatina promovida por uma das organizações de tipo fascista que promoveram manifestações contra a presidenem ambiente de golpe militar.

A hipótese de que este processo condenável seja premiado com a posse na chefia de um governo que administra a existência de 200 milhões de brasileiros e a sétima economia do mundo é chocante e inaceitável. Temer não tem legitimidade para assumir a cadeira presidencial, pela simples e boa razão de que sua ascensão é fruto de uma manobra contra a Constituição. Seria esta uma razão para pedir eleições antecipadas? Não.

Não neste momento, quando a defesa do mandato legítimo de Dilma deve ser a prioridade de quem tem interesse impedir que um golpe seja definitivamente consumado.

No momento, é preciso reconhecer que a ideia de eleições antecipadas é uma abstração de papel, de utilidade inegável para partidos e candidatos que não tem compromissos maiores além de seus interesses.

Na vida real, é um projeto remoto de existência incerta, a ser resolvido pelos mesmos parlamentares que ofereceram o deprimente espetáculo de domingo.

Para ficar no ponto básico. Em abril de 2016, a presidente da República mantém-se no posto que lhe pertence, legitimamente, até dezembro de 2018. Como os demais brasileiros, Dilma tem o dever de lutar até o último recurso para defender a supremacia das regras constitucionais contra o oportunismo, a canalhice e a falta de compromissos reais com as regras democráticas. Não lhe cabe tomar uma atitude que equivaleria a estender um confortável tapete para os golpistas, passando uma borracha sobre o 17 de abril.

Como tem demonstrado de modo impecável até aqui, a obrigação de Dilma é resistir em nome não só dos 54,3 milhões de votos que recebeu em 2014. Tem o mesmo dever perante os milhões de eleitores que votaram nos adversários – pois jamais ocorrem golpes contra um único candidato, mas sempre contra o direito de se votar em qualquer candidato. A história, do Brasil e de outros países, conta vários casos lamentáveis de mau comportamento em horas como esta. Todos conhecem. Não serão lembrados aqui.

O exemplo positivo de resistência é o de Miguel Arraes, o governador de Pernambuco que em abril de 1964 preferiu ser conduzido a prisão, de onde partiu para o exilio, em vez de entregar o cargo que os militares exigiam a renúncia. Ao contrário de outros homens públicos colocados na mesma situação, Arraes nunca precisou explicar o que fez naqueles dias. Aliados e adversários sabiam que apenas cumpria, singelamente, o juramento feito na posse, de defender a Constituição.

Este debate envolve ainda o terreno real da luta política no país de hoje. O lamentável golpe de 17 de abril confirmou um ponto essencial da vida política brasileira, que é a captura, quase integral, da vida parlamentar pelo empresariado e seus braços auxiliares, que incluem denominações religiosas aptas para o papel, numa repetição da construção da nova ultra direita norte-americana. Vive-se, na Câmara e no Senado, um ambiente artificial, no qual as ideias e propostas conservadoras tem um peso imenso, as vezes determinante, sem paralelo no país real.

Neste momento, a proposta de eleições antecipadas apenas iria atrelar a resistência ao golpe numa relação de dependência em relação a vida parlamentar, universo no qual o cretinismo sobrevive e cresce por necessidade interna. O aspecto positivo das jornadas de resistência, que revelaram uma consciência democrática que parecia adormecida, foi a a reconstrução de uma aliança de massas, capaz de reconstruir um pacto entre trabalhadores e segmentos progressistas das camadas médias, que lembrou os períodos decisivos da luta contra o regime militar. Este é saldo da luta – que não pode ser perdido.

Fortalecer este movimento é o dever de Dilma e dos brasileiros depois de 17 de abril de 2016.

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