Nassif: BC atribui queda da inflação a pequeno milagre da oferta e procura

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Ciência é uma sistematização de conhecimentos acumulados, desenvolvidos através da observação de fenômenos e fatos. No caso das ciências humanas, há um complicador adicional: em muitos casos, não é possível definir regras universais devido às características específicas de cada país e cada economia.
Um dos maiores vícios intelectuais é a incapacidade do especialista em debruçar-se sobre a realidade, em buscar na análise de fatos a comprovação ou não da sua teoria. Provavelmente imaginam que qualquer interferência da realidade macularia o caráter excelso das ideias.

Quando se entra na economia, o jogo fica ainda mais complexo devido à própria mitificação do conhecimento que, por questão de marketing político, é vendido para a opinião pública como ciência exata.
É o caso das avaliações recorrentes sobre a correlação entre política monetária, fiscal e inflação.
Seguidores do sistema de metas inflacionárias, os analistas do BC são unânimes em afirmar que qualquer quadro de desajuste fiscal eleva a inflação. E aí caberia à política monetária fazer o contraponto, elevando os juros.

Inflação de demanda

Há um princípio anterior ao da própria criação da economia como ciência: a lei da oferta e da procura. Em um mercado competitivo, quando há muita procura, os preços sobem; quando há pouca procura, os preços caem.
Ora, períodos de economia aquecida são, em geral, períodos de superávit fiscal, devido ao aumento das receitas fiscais. Ao mesmo tempo, são períodos de preços aquecidos, por excesso de demanda.
No sentido oposto, períodos de economia em queda são mais suscetíveis a déficits fiscais, devido à queda das receitas fiscais. E menos propensos a pressões inflacionárias.
Cria-se, então, o paradoxo:
Economia aquecida à Superávit fiscal à pressões inflacionárias.
Economia em queda à Déficit fiscal à deflação.
Significa que déficit fiscal não pode ser analisado de forma independente, mas dentro do contexto no qual se insere. Com uma economia acelerada, o déficit fiscal tem um impacto expansionista sobre os preços. Com a economia caindo, um impacto contracionista sobre a produção.
Então, como se explica que em 2015 a economia tivesse desabado e a inflação subindo?

Inflação de preços administrados

A política monetária atua objetivamente sobre preços de mercado. Supõe-se que, com juros mais elevados e crédito mais restrito, haverá redução dos financiamentos ao consumo, derrubando a demanda.
A inflação de 2015 foi essencialmente uma inflação de preços administrados: tarifas, combustíveis, mais desvalorização cambial.
Mesmo assim, o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou substancialmente a taxa Selic e trancou o crédito, promovendo uma recessão econômica inédita. Somado à crise internacional e aos efeitos da Lava Jato, o choque fiscal promoveu um aprofundamento radical do nível de atividade. Em cima disso, veio uma política monetária restritiva que praticamente brecou o retorno das empresas para o nível anterior de atividade.
E, mesmo assim, a inflação não caía porque incorporando os choques tarifários.

As teorias exóticas

Era questão de tempo para os choques tarifários saírem da inflação anual. Mesmo assim, como a teoria tem vida própria e não se submete aos ditames do mundo real, alguns economistas levantaram a tese da “dominância fiscal”. Isto é, a crise fiscal assumiu tal proporção que a economia se tornou insensível aos estímulos monetários. Em breve a inflação explodiria para 20% ao mês trazendo o caos, como previu a economista Mônica de Bolle.
A saída sugerida consistiria em gastar as reservas cambiais para a criação de uma âncora cambial.
Bastaram poucos meses para o diagnóstico ser superado pelos fatos.
Desde fins do ano passado, aliás, sabia-se que a queda da inflação já estaria contratada para o segundo trimestre, na medida em que os choques tarifários fossem saindo do cálculo anual. E que, na sequência, haveria a inversão da curva de juros.
Chega-se agora com as contas públicas na pior posição da história, déficits enormes. E as expectativas de inflação estão despencando, a ponto de o mercado apostar em inflação próxima a 6,5% no final do ano.
De repente, os técnicos do Banco Central se deparam com esse paradoxo teórico: como é possível que, em um quadro de amplo desajuste fiscal, a inflação cair, desobedecendo a teoria? (http://migre.me/tE2No)
Como são prisioneiros da teoria, a única explicação possível foi recorrer aos santos: “Embora ainda muito alta, a inflação está em rota de queda, o que não deixa de ser um pequeno milagre diante da questão fiscal ainda não resolvida”.

Cenário favorável

Nos próximos meses a herança de Joaquim Levy será dissipada.
Havendo condições de aprovar um pacote fiscal com CPMF, o governo terá pela primeira vez um cenário favorável – e seria com Dilma ou com Temer.
Os preços estão relativamente alinhados. As expectativas de inflação para 2016 deverão ficar abaixo de 7%. No segundo semestre, a Selic tem condições de cair rapidamente. O BC não foi imprudente de seguir as recomendações dos cabeças de planilha e preservou as reservas cambiais em robustos US$ 375 bilhões, ao mesmo tempo em que reduz os swaps cambiais.
O boicote da oposição impediu Dilma de colher os frutos. Agora, poderá permitir que a colheita fique com Michel Temer.
Não fosse o extraordinário ruído político e jurídico promovido pelo golpe, o país poderia estar saindo do buraco em que se meteu.

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