Le Monde: Marina Silva lança candidatura à presidência

Jornal vem optando por uma narrativa parcial, tendenciosa e claramente oposicionista em relação ao governo da presidente Dilma Rousseff


Leneide Duarte-Plon, de Paris* - na Carta Maior 
Elza Fiuza
Auxiliada por uma jornalista complacente e visivelmente conquistada, a ex-senadora Marina Silva, ex-ministra do governo Lula, lança sua candidatura à presidência da República em eleições que, espera, ocorrerão ainda este ano. 
 
Em chamada na primeira página do « Le Monde » datado de 8 de abril, Marina Silva clama por eleições e é apresentada no título da matéria de página inteira como « a terceira via ». 

 
Por ser, segundo o jornal, « uma das raras figuras políticas poupadas pelos escândalos de corrupção »,  Marina Silva é digna de levar a bandeira da renovação. Se os leitores do jornal ignoravam as ideias de direita da criadora do partido Rede, vão continuar ignorando porque não há uma só linha sobre sua posição no universo político, uma só linha sobre seu programa econômico. Quem sabe ela representa a terceira via que a direita pode escolher para governar…
O « Le Monde »_ que no passado dava voz a dom Helder Câmara quando suas denúncias de tortura, feitas através do mundo, eram censuradas pela imprensa brasileira sob as botas dos militares _ vem optando por uma narrativa parcial, tendenciosa e claramente oposicionista em relação ao governo da presidente Dilma Rousseff.
 

A correspondente no Brasil do jornal de referência da França poderá ser considerada « compagne de route » dos futuros governantes de direita se o golpe do impeachment tiver sucesso. Ela deixa escapar suas posições nos mínimos detalhes. Quando informa, por exemplo, que « a rua grita sua indignação contra a presidente Dilma Rousseff » ou quando explica, como toda a imprensa oligárquica brasileira, que « Mme Rousseff é criticada por tentar beneficiar o ex-presidente Lula com a imunidade para escapar da Justiça ».
 
Apenas no pé do box da matéria principal ela diz que o objetivo da nomeação (passar a ser julgado pelo STF) seria sair da jurisdição do juiz Sergio Moro, sem explicar, contudo, as verdadeiras intenções do citado magistrado. Também pudera : ela já dedicou um retrato elogioso na revista M,do Le Monde, ao juiz de província medíocre e parcial. 
 
Quanto ao conteúdo da entrevista, é o que se pode esperar de Marina Silva. Simples, rasa, tosca. Como quando diz que « a sociedade deverá viver com uma parte das pessoas que ela quer ver fora do poder », referindo-se a um governo do PMDB em caso de impeachment. Obviamente, ela também não vê com bons olhos esse novo governo que frustrará suas ambições presidenciais para este ano. A futura candidata não explica como refundará o pacto social que ela propõe, sem mencionar em nenhum momento uma reforma política, considerada fundamental por todos os analistas sérios.
 
Na entrevista, nenhuma palavra sobre sua fé criacionista. Imaginemos um Brasil governado por alguém que crê no mito bíblico de Adão e Eva como a verdadeira narrativa da criação do homem e do universo. For a Darwin. Os livros de ciências serão escritos pelos responsáveis das seitas « evangélicas » que dominam Congresso Brasileiro. Que horizonte para o Brasil ! 
 
A lucidez de Chauí para analisar a crise no Ocidente
 
Felizmente, a semana não foi somente de surpresas como esta. O historiador Serge Gruzinski, diretor de pesquisas emérito do CNRS e professor convidado de Princeton, publicou um artigo no Libération de quarta-feira, 6 de abril, no qual comenta a entrevista da filósofa Marilena Chauí à revista CULT. Ele apresenta Chauí como « uma das mais lúcidas observadoras da sociedade brasileira ».
 
O historiador dá uma informação importante para o público francês, que conhece mal nossa história recente : « Diferentemente de seus vizinhos chilenos e argentinos, os brasileiros nunca lavaram a roupa suja da ditadura. Uma omissão que poderia custar caro nesses tempos conturbados ! »
 
Chauí adverte para o avanço de um conservadorismo perigoso no Brasil, de coloração fascista. O historiador pensa que suas palavras podem ecoar em todo o Ocidente e não somente no Brasil. Na ótica de Gruzinski, as análises de Marilena Chauí podem ser usadas para entender como em nome do combate à corrupção uma opinião pública manipulada e uma classe média amedrontada e frustrada derivam para territórios em que o conservadorismo beira posições inquietantes. Exatamente o que está acontecendo na Europa, onde os movimentos de extrema-direita racistas estão numa espiral ascendente.
 
O historiador termina : 
 
«  A mundialização do nosso universo nos proíbe ignorar a situação brasileira, assim como não podemos ignorar o sucesso de Donald Trump. Num mundo globalizado que é um conjunto de vasos comunicantes, não podemos dispensar pensamentos tão pertinentes como os de Marilena Chauí ».
 
Quem quiser ler a entrevista da filósofa Marilena Chauí :
 
http://revistacult.uol.com.br/home/2016/02/sociedade-brasileira-violencia-e-autoritarismo-por-todos-os-lados/
 
Leneide Duarte-Plon é co-autora, juntamente com Clarisse Meireles de Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar, Editora Civilização Brasileira




Créditos da foto: Elza Fiuza

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