Dr. Rosinha a Moro: Por que não pede à mídia para contar a verdade sobre os sem-terra assassinados no Paraná e a grilagem da Araupel?

publicado em 09 de abril de 2016 - VIOMUNDO
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Carta aberta ao juiz Sérgio Moro
Doutor Sérgio Moro,
O senhor deve conhecer ‘O dia da criação’, poema de Vinicius de Moraes:
“Hoje é sábado, amanhã é domingo / A vida vem em ondas, como o mar / Os bondes andam em cima dos trilhos / E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar. 
Hoje é sábado, amanhã é domingo / Não há nada como o tempo para passar / Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo / Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal”.
Hoje é sábado, e se bondes houvesse, continuariam, e onde há, continuam a andar em cima dos trilhos. No mais, a vida — dos que estão vivos — continua indo e voltando como as ondas do mar.

Digo dos que estão vivos porque alguns que neste sábado poderiam estar com filhos e esposas esperando o domingo, não estão: são velados e enterrados por familiares e amigos.
Doutor Sérgio Moro, creio que o senhor deve estar se perguntando: “o que tenho a ver com esses mortos e por que esta carta endereçada a mim?”.
É que “Hoje é sábado, amanhã é domingo / Amanhã não gosta de ver ninguém bem / Hoje é que é o dia do presente / O dia é sábado”.
Estou aproveitando este sábado, “que é o dia do presente”, para uma reflexão, e não há como refletir sem se fazer perguntas e sem perguntar o papel que cabe a qualquer um de nós na vida, principalmente neste momento de crise, conturbações, ódio e mortes.
E o senhor, para muitos, inclusive para mim, é um dos corresponsáveis pelos contornos do atual momento no Brasil.
Com todo respeito ao seu ponto de vista, coloco o meu. Entendo ser um dos responsáveis pela crise e pela conturbação porque é um dos personagens centrais de uma das mais importantes investigações do momento, a chamada operação “lava jato” (em minúscula).
Todos queremos ver um país livre da corrupção, e todos queremos ver os corruptos e corruptores punidos. Porém, discordo do método e de parte do mérito de sua atuação.
Quanto ao método: está expondo seletivamente, escolhendo a dedo, pessoas, empresas e processos. Quanto ao mérito, não preciso citar nomes e partidos porque o senhor conhece bem a todos: nem todo corrupto e nem todo corruptor está sendo investigado.
Ainda quanto ao método, a aliança com algumas das empresas privadas de comunicação e a maneira com que têm sido divulgadas as informações está aprofundando a crise, a conturbação e construindo o ódio na sociedade.
Sabe o senhor que pessoas têm sido agredidas, física, psicológica e moralmente, nas ruas, só por trajar uma peça de roupa vermelha ou por ser identificado ou suspeito de alguma relação com o PT ou algum movimento social. Sedes de partidos, sindicatos e centrais sindicais têm sido violadas.
Nas últimas semanas (o senhor que é morador da cidade deve ter tomado conhecimento), moradores de rua de Curitiba foram agredidos e assassinados.
Dias atrás, o líder de um movimento social e dirigente do PT de Mogeiro (PB), Ivanildo Francisco da Silva, foi assassinado na frente de sua filha de um ano e seis meses.
No Paraná, na última quinta-feira (7), dois trabalhadores rurais, militantes do MST, foram assassinados por capangas e por alguns policiais militares que estavam, com o consentimento do governador Beto Richa (PSDB), a serviço de uma empresa chamada Araupel, comprovadamente uma grileira de terras da União.
Novamente, o senhor deve estar se perguntando: “o que tenho a ver com isso?”
No último dia 13 de março, um domingo, durante as manifestações de rua a favor de um golpe de Estado, o senhor enviou uma nota para a Rede Globo, que entre outras afirmações pedia “que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas”.
O senhor tem todo o direito de fazer uma leitura diferente da minha quanto ao momento conjuntural que vivemos, e o resultado a que se pode chegar. Mas quero lhe dizer que, mantendo o atual modelo de investigação e divulgação da “lava jato”, não chegaremos a bom porto.
Além de aprofundar a crise, haverá crescimento do ódio e, consequentemente, da violência. Os atos de violência comentados acima são os primeiros frutos deste ódio. Ódio construído dia a dia pelo comportamento das empresas privadas de comunicação, com a conivência, quando não estímulos, de algumas autoridades.
Doutor Moro, é preciso investigar com imparcialidade e em silêncio, sem vazamentos seletivos, sem manipulação da verdade, ou então o ódio crescerá.
“Hoje é sábado, amanhã é domingo”. Hoje é um sábado, como será amanhã um domingo, para muitas pessoas, diferente de outros, principalmente para os familiares e amigos de Vilmar Bordim, 44 anos, casado, pai de três filhos e Leomar Bhorbak, 25 anos, casado, cuja esposa está grávida de nove meses.
Hoje é sábado e estão sendo enterrados Vilmar e Leomar. Amanhã é domingo de luto, indignação e revolta.
Doutor Moro, se no dia 13, um domingo, pediu que a voz das ruas fossem ouvidas, por que o senhor não aproveita que amanhã é um domingo e pede para as autoridades ouvirem os gritos de dor e o clamor, dessas famílias sem-terra, por justiça?
Assim, quem sabe, as empresas privadas de comunicação façam o que não fazem na lava jato: contar a verdade sobre estes assassinatos e sobre a grilagem de terras da Araupel.
“Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.”
Respeitosamente,
Florisvaldo Fier
(Dr. Rosinha)

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