Surrealismo: 'Alguns promotores querem jogar o país no abismo'

Criminalista, um dos mais experientes do país, afirma que pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de São Paulo é “surrealista”, mas, mesmo assim, não se arrisca a prever o desfecho do caso
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 11/03/2016 19:27, última modificação 11/03/2016 19:54
MEMÓRIA/EBC
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Pedido de prisão de Lula “talvez tenha sido a peça mais inócua que vi em toda a minha vida” , diz advogado
São Paulo – O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais experientes do país, se soma às vozes que manifestam grande preocupação com o momento pelo qual passa o país, após a série de episódios envolvendo o Judiciário e o Ministério Público que culminaram com a condução coercitiva, no último dia 4, e o pedido de prisão preventiva do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, ontem (10).
“Sou de uma época – tenho 58 anos – em que as pessoas iam para a rua para pedir liberdade. Hoje estamos vendo movimentos para pedir mais prisão”, diz Kakay.
Segundo o advogado, o pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de São Paulo é “surrealista”. “Talvez tenha sido a peça mais inócua que vi em toda a minha vida.” Numa situação de normalidade, o pedido seria rejeitado. Mas, apesar de o pedido ser “surrealista” e “inócuo” juridicamente, o advogado não se arrisca a prever o desfecho de mais esse episódio que, segundo ele, alimenta o “grave momento” pelo qual passa o Brasil. “Como advogado, já vi de tudo na vida.”

Como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, os juristas Pedro Serrano e Celso Antônio Bandeira de Mello, o constitucionalista Dalmo Dallari e muitos outros, Kakay se diz extremamente preocupado com a banalização do instituto da prisão preventiva. “A partir do Sérgio Moro, a prisão preventiva tornou-se a regra, e não a exceção. Vivemos num país punitivo, um país onde só a punição tem resposta.”
O pedido contra Lula feito pelo MP-SP está com a juíza titular da 4ª Vara Criminal de São Paulo, Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira.
Qual sua avaliação sobre o pedido de prisão de Lula?
É surrealista. Os fundamentos são messiânicos e não jurídicos.
Como se pode entender essa situação surrealista que parece não ter fim?
Nós estamos vivendo no país uma ditadura do poder Judiciário. É um momento grave, um momento de reflexão para a sociedade. Eu sou de uma época – tenho 58 anos – em que as pessoas iam para a rua para pedir liberdade. Hoje estamos vendo movimentos para pedir mais prisão. Tudo isso é reflexo desse momento de espetacularização pela mídia dos processos criminais. Esse pedido de prisão do ex-presidente talvez tenha sido a peça mais inócua que vi em toda a minha vida.
O processo está na mão de uma juíza linha-dura, segundo reportagens da imprensa...
Mas não quero fazer comentários sobre a juíza, que eu nem conheço. Só posso comentar o que conheço, que é a peça da procuradoria. É uma peça mais sensacionalista do que propriamente jurídica. Eu sou um advogado e operador do Direito. Sou obrigado a acreditar que o Judiciário existe. Acho que a hipótese dessa prisão, juridicamente, seria zero. Agora, como advogado, já vi de tudo na vida.
Não quero ser indelicado de me antecipar à decisão da juíza, mas é inacreditável. O pedido cita vídeos, é nitidamente político, de péssimo gosto. Não político-partidário. Até porque o PSDB hoje foi muito lúcido, ao se posicionar contra esses excessos. O que posso dizer é isso. Há uma perplexidade geral. O país está à beira de um abismo e alguns promotores querem jogá-lo no abismo.
O sr. está otimista ou pessimista diante desse quadro?
Eu sou um eterno otimista. Acho que as instituições, pelo menos, estão funcionando bem, com todos os problemas, mas acho que é muito grave, porque o Ministério Público tem um poder muito grande, que a Constituição de 1988 proporcionou. E quando esse poder é usado de forma indevida, corremos o risco de estar prestes a uma ditadura do Poder Judiciário. A partir do Sérgio Moro, a prisão preventiva tornou-se a regra, e não a exceção. Vivemos num país punitivo, um país onde só a punição tem resposta. É um momento muito grave.
O que dizer a um cidadão leigo que acredita nas instituições, mas não vê como se possa corrigir o Judiciário? O Judiciário é impossível de ser corrigido?
Num momento em que o Poder Legislativo está acuado, porque todos os dias está sob investigação. Num momento em que o Executivo está numa completa descrença porque há uma incompetência de seus líderes, o Judiciário assume um protagonismo que não é bom para o país. O excesso de poder do Judiciário nos leva a um risco enorme de que essa superconcentração leve por sua vez a uma ditadura do Judiciário. Eu tenho muito medo disso. Rui Barbosa já dizia, eu repito, que a pior ditadura que existe é a do Judiciário, porque contra ela ninguém pode recorrer.

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