PML: Veja serve à tentativa de prender Lula
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O aspecto vexaminoso da reportagem de capa da Veja, anunciando um imaginário plano de Luiz Inácio Lula da Silva de fugir para a Itália envolve vários atos vergonhosos para o jornalismo e a democracia.
O primeiro é a leviandade absoluta dedicada a apuração de uma "notícia" do seguinte teor: o mais popular político brasileiro estaria arquitetando um plano para fugir do país e assim escapar de ser recolhido à carceragem de Sérgio Moro. Veja publicou essa "informação" na capa, como fato verdadeiro, sem considerar, sequer, as negativas formais da embaixada. (Numa foto, a revista ainda identificou erradamente o embaixador da Itália, o que dá uma ideia do empenho dedicado para conhecer os personagens que poderiam estar ligados ao caso.)
O segundo aspecto é ainda mais grave. Quem sabe como as coisas funcionam numa situação de exceção, onde medidas que contrariam direitos fundamentais se tornam um risco cotidiano, sabe muito bem que um dos efeitos desse estado de coisas é apagar a diferença essencial entre rumores fabricados e notícias verdadeiras. Os fatos se misturam às opiniões, de forma que a população tenha dificuldade para separar uma coisa da outra. O importante é alimentar o espetáculo, que não pode parar, sabemos todos.
Falsa, uma reportagem de revista pode servir muito bem como argumento para a Lava Jato alcançar um objetivo verdadeiro: pedir a prisão de Lula. Ajuda a construir a acusação de que todas suas iniciativas atuais não representam um exercício legítimo do direito de defesa, muito menos um esforço para organizar a resistência contra um golpe de Estado, mas simples tentativas obstruir a justiça -- tese que, sabemos todos, levou Sérgio Moro a divulgar um grampo ilegal onde Lula conversava com Dilma, num diálogo logo apontado como "prova"de que ele só queria assumir a Casa Civil para fugir da cadeia.
Não é difícil sustentar esta é a função real da capa com a "notícia" sobre a fuga, a prioridade que explica tanta pressa e tanta barbaridade. Como não há um fiapo de prova para se pedir a prisão de Lula, a revista oferece um pretexto bombástico que poderia ser usado como justificativa. Convém não esquecer que, em breve, o próprio Supremo Tribunal Federal irá debater a liminar de Gilmar Mendes, que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil com o argumento que sua finalidade era impedir que ele fosse colocado atrás das grades. Alguém duvida que a historia italiana deixará de ser mencionada em plenário?
Vivemos na fase atual da Lava Jato uma nova versão daquele comportamento que, como lembrou o ministro do STF Marco Aurélio Mello, inverte a lógica básica de toda ação judicial num Estado Democrático de Direito. Em vez de investigar e prender, em caso de culpa demonstrada, prende-se primeiro para investigar depois.
Jornalistas erram, jornais erram muito. O caso aqui envolve uma opção editorial e política que não pode ser considerada como falha profissional, embora os tropeços sejam constrangedores. Foi uma opção grave e lamentável: usar a credibilidade de um veículo a serviço unicamente de seu interesse político particular. Do ponto de vista político, foi uma posição favorável a exceção, ao arbítrio, a truculência. Uma contribuição ao terror judicial.
A experiência ensina que acertos e e acertos erros do jornalismo podem ser entendidos a luz de seus próprios valores e de sua capacidade de interpretar os interesses da sociedade a cada momento. Sob o regime militar, havia jornais com disposição para denunciar a violência e a tortura, como o Correio da Manhã. A maioria preferiu o conforto do alinhamento com uma situação de força.
Inteiramente alinhado com a política de John Kennedy durante a Guerra Fria, no início do década de 1960 o New York Times escondeu de seus leitores uma informação crucial sobre o plano da CIA de invadir a Baia dos Porcos para tentar derrubar o regime de Fidel Castro. O maior jornal norte-americano sabia do projeto e preferiu ficar de bico calado, assistindo de camarote ao início de uma operação militar que terminou em fiasco mas poderia ter consequências trágicas para a população dos dois países. Anos mais tarde, o jornal pediu desculpas aos leitores pela decisão.
Em março de 2016, VEJA fez uma edição destinada a deixar claro que quer ajudar a Lava Jato a prender um antigo presidente da República contra o qual não pesa uma única denúncia criminal, mas apenas o ódio de classe contra uma liderança que, com todos limites e imperfeições, foi capaz de melhorar a sorte dos mais pobres e mais fracos. Esta é sua herança. Ela explica por que, apesar de um massacre cruel e contínuo, Lula continua a sobreviver, na memória dos brasileiros, como o melhor presidente que o país já teve.
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