O Super Lobista: mestres da persuasão e da delação

Filme com Kevin Spacey mostra a atividade de lobistas, que quando apanhados pela Lava-Jato são travestidos de heróis pela mídia e vestem a toga de juízes.


Léa Maria Aarão Reis* - na Carta Maior - 07/03/2016
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O jogo de influência praticado pelos lobistas, sabemos, é pesado - no Brasil e nos Estados Unidos, no coração do capital estruturado de lá como no do capital selvagem daqui. O  Super Lobista (Casino Jack, de George Hickenlooper) mostra como esse jogo funciona em Washington. É um filme canadense, lançado no Brasil em 2010 apenas em DVD, e indicado, na época, ao prêmio do Globo de Ouro. Trata da movimentação de bastidores desses profissionais e revolve as entranhas de um mundo de sombras e de luxo onde, aos lobistas, conselheiros, assessores ou, como hoje se intitulam, aos especialistas em políticas públicas, é destinado um lugar discreto e reservado.
“Quando um lobista está na primeira página dos jornais está acabado,” comentava, no ápice da carreira, Jack Abramoff, o lendário lobista cujo palco era os bastidores do congresso americano nos dois mandatos da era Bush, onde comprava o voto de representantes e senadores, e distribuía envelopes com polpudos cheques para financiar campanhas. É isto que mostra o filme: as compras do especialista em políticas públicas e as vendas de alguns congressistas republicanos.  

Alguma semelhança? Lá e aqui?


É só lembrar o senador Roberto Requião, dia 24 último, em Brasília, chegando ao ponto de reclamar, da tribuna onde discursava durante a votação que resultou na demi-entrega do pré-sal, da quantidade de lobistas estrangeiros acotovelados no fundo da sala do plenário.


“Somos mestres da persuasão,” se vangloriava o confiante Abramoff sobre seus super poderes de pressionar, em favor dos clientes, generais americanos no Afeganistão, outros no Paquistão, os “comunistas na Nicarágua”, até Imelda Marcos, nas Filipinas.

“Eu lidei com todos eles; lobistas abrem o caminho para o trem passar,” sublinhava o colega de profissão dos consultores ou intermediadores de negócios nacionais que ainda aguardam a regulamentação da atividade - ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, onde são licenciados.

Aqui, lobistas apanhados pela Lava-Jato, são travestidos de heróis pela mídia, e vestem a toga de juízes. Impossível não refletir, assistindo o filme, como alguns deles foram alçados a celebridades instantâneas. O (falecido), marido da cunhadinha do Brasil nos tempos de FHC. Aquele que entregou a (autêntica) lista de Furnas à Polícia Federal. O que foi hostilizado e expulso do restaurante na Praia de Dentro, na Gipoia, em Angra dos Reis, onde pretendia se recuperar do desagradável período hospedado na cadeia – antes de delatar, é claro.

E o buquê de outros lobistas, mais de dezena, apanhados na rede da Lava-Jato e aguardando a vez para saber o que delatar e para quem apontar o dedo acusatório para sair da encrenca em que se meteram.

No cinema, o papel do ‘super Jack’ é do ‘super’ ator Kevin Spacey, agraciado com dois oscars – um, de ator coadjuvante pelo filme Os Suspeitos;  outro como ator principal de Beleza Americana; e o inglês Bafta, também pelo mesmo excelente American Beauty. Fazendo o lobista gozador, Spacey treinou para, em seguida,  protagonizar a festejada série de TV House of Cards.
 
Casino Jack narra a atividade do seu personagem, um republicano fanático, que influenciava a política do país com a manipulação na votação de leis em favor dos seus clientes de modo que fossem beneficiados. Ao ser acusado de corrupção por surrupiar 20 milhões de dólares de tribos indígenas proprietárias de cassinos e de envolvimento em um assassinato após a enciumada namorada (ah, essas moças) do seu sócio o denunciar ao FBI e ao Washington Post, o escândalo explode, Abramoff vai aos tribunais, é preso e sua carreira derrete.
 
Os amigos poderosos, é óbvio, desaparecem. Tinha chegado sua vez de experimentar na prática o que Harry Truman sempre dizia: “Se alguém quer ter um amigo em Washington D.C. que compre um cachorro.”
 
Nos quase quatro anos que se seguem passados numa prisão de segurança máxima, o mestre na persuasão não pôde continuar ajudando a “iluminar o caminho da América e do resto do mundo,” como ressaltava em  suas palestras nas concorridas reuniões e meetings de políticos republicanos, muitos organizados pela ultra direitista International Freedom Foundation, agremiação fundada por Abramoff.

Nessas tertúlias o lobista exortava aos companheiros: “Não é nosso objetivo procurar a coexistência pacífica com as esquerdas. Nossa tarefa é removê-las do poder para sempre.” Mais ou menos o objetivo da operação Mani Pulite, na Itália. Ou o desejo da turma do Paraná.

Em alta, a profissão do lobista está na moda no Brasil. Uma nova geração mais distante, teoricamente, dos métodos de Abramoff – pelo menos é o que diz a mídia daqui, de economia e negócios - prepara a entrada em cena para defender interesses segundo o eufemismo mais usado atualmente. Para desempenhar advocacy, como ocorre com a conhecida firma Patri Public Affairs com escritórios em Brasília, São Paulo e Washington. Jovens brilhantes, advogados, economistas e acadêmicos começam a atividade do lobby , uma área pincelada com vários tons de cinza que se situa entre a legalidade e a corrupção.

O personagem de Jack Abramoff virou folclore, mas não algumas das suas tiradas. Elas continuam valendo. “Vocês todos,” berrava no tribunal em que foi pronunciado, na Comissão de Investigação comandada pelo senador John McCain e apontando para caciques do congresso americano, “vocês todos estão fora da ordem; não sou eu quem está fora da ordem. O Senado dos Estados Unidos está fora da ordem. Vocês deviam proteger o povo e não fazem isso.”

Numa palestra, em 2011, de volta ao lobby  e depois de uma temporada em Los Angeles trabalhando como produtor de filmes inqualificáveis, ‘super Jack’ explicava seus métodos de trabalho durante os anos de ouro de sua influência no congresso americano. Garantia que a corrupção, lá, continua a mesma e disparava: “Washington é Hollywood de cara feia.”
Numa linguagem mais elegante, é mais ou menos o que repete o professor Henry Mintzberg, da Universidade McGill, de Montréal, em sua passagem pelo Brasil esta semana: “A legalização do lobby e do financiamento empresarial norte americano torna, teoricamente, mais difícil a apuração da corrupção, que pode acontecer livremente e sem interferência jurídica; seus perpetradores não podem sofrer sanções da justiça.”
 
Talvez Jack, super diretor de políticas públicas (outro eufemismo para a profissão) esteja agora, na sombra, indo às compras  para dinamizar a campanha de Trump.
 
* Jornalista

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