Marilena Chauí: o que vimos nas ruas no domingo é uma multidão com ódio e sem proposta

'Esse trabalho ideológico, da busca de uma figura que universalize a sociedade e passe por cima dos conflitos, é a marca de uma sociedade autoritária'


Isabela Campos Palhares - na Carta Maior - 17/03/2016Circuito Fora do Eixo
Segundo a filósofa e professora Marilena Chauí em seu livro “Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas”, “é possível perceber qual o trabalho específico do discurso ideológico: realizar a lógica do poder fazendo com que as divisões e as diferenças apareçam como simples diversidade das condições de vida de cada um, e a multiplicidade das instituições, longe de ser percebida como pluralidade conflituosa, apareça como um conjunto de esferas identificadas umas às outras, harmoniosa e funcionalmente entrelaçadas, condição para que um poder unitário se exerça sobre a totalidade social e apareça, portanto, dotado da aura da universalidade, que não teria se não fosse obrigado a admitir realmente a divisão efetiva da sociedade em classes.”


 
Escrita em 1982, essa afirmação nunca foi tão atual frente a tentativa de golpe à democracia que está se embrenhando pelas esferas legislativa, judiciária e por organismos privados como a imprensa. O Brasil vive um momento político delicado no qual as instituições que, supostamente, serviriam ao povo, estão mostrando sua parcialidade e falta de compromisso com os princípios republicanos previstos na Constituição de 1988.
 
Para citar alguns dos acontecimentos criminosos e tomadas de decisões parciais que as instituições públicas tem perpetrado no país, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), por ordens de Sérgio Moro, juiz que conduz a operação Lava-jato, e do diretor da PF, conduziram coercitivamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nunca se negou a colaborar com a justiça, para depor em investigação sobre a operação. Mais de uma semana depois o ex-governador, José Serra (PSDB), falta em depoimento sobre o inquérito do cartel de trens que investiga a compra de 320 carros da CPTM em 2008 e não há condução coercitiva.
 
Ontem, foi descoberto que Moro autorizou grampos telefônicos ilegais de conversa entre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff, que também atingiram outros políticos. Em nota, o governo disse que irá processar o juiz, repudiou a divulgação da conversa e classificou o grampo ilegal como “afronta de direitos”. Ao passo que, em marcha no último domingo (13), uma parcela insatisfeita da sociedade disputava espaço na Av. Paulista, se mobilizando contra a corrupção e a favor de Sérgio Moro.
 “Esse trabalho ideológico que é obra da classe média, da busca de uma figura que universalize a sociedade e passe por cima de todas as divisões, conflitos e contradições é a marca de uma sociedade autoritária, e também um risco de se estar produzindo um caldo de cultura fascista”, afirmou Chauí em entrevista exclusiva no Ato pela Legalidade Democrática, organizado no Teatro TUCA, pela Fórum21 e pelo Centro Acadêmico de Direito 22 de Agosto da PUC –SP.
 
“A manifestação de domingo (13) aumentou a minha preocupação porque na hora em que os manifestantes vaiaram e agrediram as lideranças do PSDB ficou evidente que está tomando as ruas uma multidão que não esta articulada a nenhum movimento social, popular e partido político, é uma multidão sem freio e trava de segurança que está a procura de um líder, que apareça com essa universalidade, essa transcendência e poder de unificação que impede a existência efetiva das contradições se manifestarem e impede o que é o coração da política democrática: o trabalho dos conflitos”, continuou.
 
Ainda em seu livro “Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas”, Chauí interpreta ideologia como “um corpo de representações e de normas através do qual os sujeitos sociais e políticos se representarão a si mesmos e à vida coletiva” e completou ontem: “[para a direita nas ruas] a ideologia aparece em forma de ódio”. E é exatamente isso que consolida a perspectiva conservadora que, para a professora, “aparece não só nessa multidão que sai às ruas para xingar mas também na multidão que não tem nenhum plano, proposta ou programa e só da vazão a essas emoções de ódio e fugas e ressentimento contra os programas sociais e contra qualquer tentativa de diminuir a desigualdade.”
 
Na entrevista, a professora trouxe à tona a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), avaliada mês passado, que acaba com a presunção de inocência e aumenta a seletividade da justiça brasileira. “O que estamos vendo no Brasil é o abandono do princípio republicano que rege o judiciário porque estamos vendo que ele é parcial que toma partido e atitudes pessoais que não cumpre a lei mas persegue as pessoas e que introduz aquilo que é a marca fundamental do terror.  O que caracteriza o terror é: aquele que é considerado suspeito é, por isso, culpado e não tem nenhum julgamento, não é necessária a apresentação de provas e não se presume a inocência e não parte da inocência para provar a culpa. Isso é a destruição do poder judiciário.”
 
Por fim, Marilena Chauí apontou que estamos de frente  a um cenário no qual temos que intervir nas esferas públicas que não estão a serviço do povo e que são usadas por interesses partidários e que é necessário trabalhar o campo da opinião pública que ainda não foi tomado por completo pela direita. “Companheiros e Companheiras, vamos à luta!”




Créditos da foto: Circuito Fora do Eix
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