Constrangidos com saia-justa, senadores da oposição evitam falar de caso Margrit

ALGO ERRADO


Assessora de Serra nunca apareceu no trabalho. Vários parlamentares evitaram falar a respeito. Um deles disse que, se questão for apurada, vai provocar uma ‘crise ética’, porque muitos adotam a prática
por Hylda Cavalcanti, da RBA publicado 19/02/2016 19:38, última modificação 19/02/2016 21:19
MEMÓRIA/EBC
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Margrit ocupa cargo comissionado no gabinete de Serra, mas nunca apareceu no local
Brasília – Silêncio, omissões e um ar de constrangimento foi o que se viu hoje (19) no Senado, sobre a situação da ocupante de cargo comissionado Margrit Dutra Schmidt no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP). Com salário de pouco mais de R$ 7 mil, ela não é conhecida pelos demais colegas e nunca apareceu no local. Tirando declarações de senadores que pediram para não se identificar, telefonemas não atendidos e recusas explícitas, apenas quem se pronunciou sobre o tema, de modo diplomático, foi o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). Ele disse que caso seja de forma “esporádica”, entende como possível ser feito algum trabalho por um servidor para um projeto especial, fora do gabinete. “O que não é possível é permitir que a prática seja uma constante.”
“Estou falando por princípio, porque ainda não tenho mais detalhes do que acontece em relação ao assunto em questão. Mas se a funcionária realmente só faz suas atividades de assessoria fora do Senado, ou se não faz qualquer atividade, isso não é possível pelas regras da Casa”, disse Cristovam.

Ele citou pessoas que atuam no seu gabinete e que já ficaram um período fora para a realização de pesquisas e prospecções para determinados trabalhos e projetos legislativos, a seu pedido. “Mas são atividades para as quais estes assessores não podem ser liberados todos os dias e que, quando realizadas, atendem a um determinado tempo.”
Margrit é irmã da jornalista Mirian Dutra, que revelou esta semana ter tido um caso de seis anos com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com quem afirma ter um filho. Mirian disse que eram sua irmã Margrit e o cunhado, já morto – o lobista Fernando Lemos –, que faziam o repasse de recursos de FHC para ela, fora do país.
Logo depois da revelação, foi divulgado que a servidora do Senado trabalha há 15 anos na Casa e passou sempre por gabinetes de parlamentares tucanos. Primeiro ficou lotada com o ex-senador Arthur Virgílio (AM), hoje prefeito de Manaus. Depois, foi transferida para o gabinete da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) – que já foi do PSDB. Na maioria das vezes, ela era cedida para ficar na liderança do bloco de oposição no Senado. Até que em março do ano passado, o senador Álvaro Dias (PV-PR), recém-saído do PSDB, assumiu a liderança e pediu a vaga de Margrit.
Ela foi, então, exonerada e realocada no gabinete de Serra, onde está há 11 meses. Mas aparece no Senado apenas para assinar o ponto eletrônico nos horários determinados, pela manhã e à tarde. A justificativa de Serra foi de que a conhece há anos e tem “identificação intelectual” com a assessora, que está realizando um trabalho que ele ainda não quer revelar, porque apresentará posteriormente. O senador adiantou apenas que é algo relacionado à educação e, por este motivo, Margrit atua fora do gabinete.
Diretamente ligado ao caso – por ter demitido Margrit no ano passado –, Álvaro Dias, segundo assessores da própria liderança do PSDB, já comentou em reservado a pessoas próximas que precisou da vaga e não se incomodou em pedir para pôr uma pessoa da sua confiança no lugar, uma vez que a assessora não comparecia ao trabalho.
Dias, no entanto, não confirma nada oficialmente e sua assessoria de imprensa afirmou que ele não falará sobre o assunto por não considerar ético tratar do caso – pelo fato de não pertencer mais ao PSDB. Lúcia Vânia também não quis falar sobre a questão.
A reportagem da RBA entrou em contato com os gabinetes de 11 senadores tucanos, ligados a partidos da oposição ou com bom relacionamento com o PSDB. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), conhecido por suas denúncias em plenário sobre falta de ética de parlamentares da base aliada do governo e integrantes do Executivo, calou-se, ao telefone, ao saber que se tratava da reportagem da RBA, passando o aparelho a um assessor, que desligou a ligação ao tomar conhecimento do tema.

Dilema ético

Um senador do PSB, que teoricamente é contra a contratação de Margrit Schmidt, disse que haverá um dilema ético no Congresso nos próximos dias se a questão for tratada com seriedade. Isso porque, de acordo com esse parlamentar, muitos gabinetes fazem uso do mesmo tipo de prática e, conforme acentuou, muitas vezes com boas intenções.
“Já me irritei várias vezes com servidores concursados que passavam o dia inteiro na Casa, mas batendo perna e fofocando. Demoravam dias para me entregar uma demanda. E já coloquei em cargos comissionados profissionais extremamente competentes, que ajudaram muito na minha atividade como senador e me pediram para fazer o serviço fora do gabinete”, disse esse parlamentar, confirmando que liberou tais profissionais para atuar da forma como bem entendessem, contanto que apresentassem uma boa produção.
"Se não for uma contratação fantasma, é preciso fazer com que todos os que permitem trabalhos fora voltem a exigir que os assessores passem a trabalhar diuturnamente nos gabinetes. Se for, aí é outra coisa mais grave", afirmou.
O problema é que o chamado “Guia de Informações Administrativas do Senado”, elaborado a partir das legislações e regras do regimento interno da Casa, especifica bem as normas de contratação e jornada dos servidores que lá atuam, que existem em três modalidades. A primeira tem duração diária de oito horas, com intervalo mínimo de uma hora. A segunda é a modalidade corrida, com duração normal do trabalho diário de sete horas contínuas, podendo ser ampliada por até uma hora para atender à necessidade do serviço – sem perder, neste período de extensão, o caráter de jornada ordinária, assegurado intervalo mínimo de 15 minutos.
A terceira modalidade é a diferenciada, com duração normal do trabalho igual ou superior a 12 horas diárias, havendo equilíbrio entre essa duração e o correspondente intervalo interjornadas. Já foi confirmado, inclusive por assessores do gabinete de Serra, que nenhuma das três jornadas é cumprida pela assessora.
O Senado também determina que compete ao diretor-geral da Casa aprovar cada jornada diferenciada proposta pelas devidas áreas. E, nos gabinetes parlamentares, de liderança ou de membro de comissão, essa competência passa para o chefe de gabinete, conforme a orientação do senador titular. Ou seja, mesmo em se tratando de algum pedido do ex-presidente FHC aos parlamentares do seu partido para contratação da irmã da ex-amante, a responsabilidade pela contratação de forma irregular (embora tendo passado por vários senadores), hoje é diretamente de Serra.

Ironias no Twitter

O único que demonstrou algum interesse em falar no assunto de maneira mais crítica, embora não tenha sido encontrado em Brasília, foi Roberto Requião (PMDB-PR). Ele, que tem feito uso constante de sua conta no Twitter para dar o tom dos seus discursos em plenário e se comunicar com os eleitores, republicou de ontem para hoje vários textos sobre o caso.
Em um deles, fez uma ironia com a foto de Margrit Schmidt numa manifestação pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na qual ela segura um cartaz falando em combate à corrupção. Na legenda do post, a frase: “Militante anticorrupção atuando em causa própria”.
Num outro post, Requião – que tem se mobilizado contra o Projeto de Lei do Senado (PLS) 131, de José Serra, que retira a prioridade da participação da Petrobras no pré-sal, prestes a ser votado na Casa – escreveu: “Nem que o Serra leve a Margrit para o plenário ele aprova o entreguismo do petróleo brasileiro”. Mas sua assessoria não retornou `as solicitações de entrevista e, depois de insistentes pedidos, disse à reportagem que encaminhasse um e-mail explicando o motivo do interesse no contato com o senador.
Entre os demais que não retornaram aos contatos feitos pela reportagem, estão Aécio Neves (PSDB-MG), Aloysio Nunes (PSDB-SP), Ana Amélia (PP-RS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE). Margrit Schmidt encontra-se em férias na República Dominicana.

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