Revolução Cidadã, a recuperação da autoestima dos equatorianos

Vermelho.org - 12/01/2016

O ano era 1996 e o Equador começou a transitar por caminhos de instabilidade política, econômica e social. Os governos de Abdalá Bucaram, Jamil Mahuad e Lucio Gutiérrez, que chegaram ao poder com promessas de mudanças, criaram mais incertezas que certezas, sucumbiram antes de cumprir seus mandatos diante do desencanto do povo cada vez mais empobrecido pelas receitas neoliberais que foram aplicadas. 


Divulgação / Presidência do Equador
A Aliança País está no governo desde 2007 sob a liderança de Rafael CorreaA Aliança País está no governo desde 2007 sob a liderança de Rafael Correa
Sete presidentes – sem contar o triunvirato que derrubou Mahuad e se instalou no poder por algumas horas – em uma década que fala no caos em que o país estava submetido, cujo maior propulsor foi a crise de 1999, a maior da história, quando os equatorianos foram vítimas do congelamento de seus depósitos como consequência da quebra de um grupo de bancos privados.

Sem dinheiro, emprego e oportunidades, centenas de milhares de equatorianos migraram para a Europa deixando dor em suas famílias pela separação. De quebra, estes migrantes logo fizeram com que a frágil economia se recuperasse através das remessas que enviavam aos seus parentes, enquanto isso o Estado estava mais preocupado em assumir o dano deixado pelos banqueiros, muitos dos quais fugiram a outros países para escapar da justiça branda da época.

A ausência de um Estado – que só funcionava para as elites – motivou os cidadãos de distintos setores a concordar com um projeto político que enterrasse o anacrônico modelo neoliberal, que havia deixado o Equador nas últimas posições do continente com relação ao desenvolvimento. 



Assim nasceu o movimento Aliança País (Pátria Altiva e Soberana), uma coalizão composta no início por mais de 30 organizações políticas e sociais, inspirada nos ideais de justiça social e progresso do ex-presidente Eloy Alfaro, líder da Revolução Liberal do início do século 20.

Segundo contam os registros, esta organização foi criada em 19 de fevereiro de 2006 com um festival cívico em Quito (capital) que seus organizadores definiram como “o semear de uma nova pátria” e foi oficializada pelo então Tribunal Supremo Eleitoral em 3 de abril do mesmo ano.

Deste movimento surgiu o líder Rafael Correa Delgado, um economista e acadêmico que trabalhava em uma universidade de Quito. Conhecido apenas por meio das publicações de suas ideias contra as receitas “fundomonetaristas” durante sua breve passagem pelo Ministério da Economia do governo de Alfredo Palacio.

As propostas da Aliança País – fundamentadas em mudar as relações de poder a favor das grandes maiorias, recuperar a institucionalidade e soberania nacional – estavam em sintonia com o sentimento popular, que favoreceu de maneira contundente o então candidato Rafael Correa durante o segundo turno das eleições presidenciais contra o magnata Álvaro Noboa.

Em 15 de janeiro de 2007 o projeto da Revolução Cidadã liderado por Correa chega ao poder com o desafio de refundar o país e não decepcionar o povo, muitas vezes enganado pelos governos anteriores. Para tanto, era preciso reformar a Constituição de 1998, que foi redigida a portas fechadas em um quartel militar de Quito depois da queda de Bucaram.

Novamente com o apoio popular de mais de 80% em 2007 venceu o referendo para instalar a Assembleia Constituinte para redigir a nova Carta Magna do país. Em Montecristi, cidade natal de Alfaro, se instalou a Assembleia com ampla maioria do governo eleita nas urnas.

Depois de um ano foi redigida a nova Constituição, uma vez mais aprovada pela maioria nas urnas. A nova Carta, que entre outras coisas, garantia os direitos oprimidos tradicionalmente pelas elites, erradicava toda forma de exploração trabalhista, garantia os depósitos dos usuários do sistema financeiro, consagrava o bem viver e os direitos da natureza e criava um Estado plurinacional e multicultural.

A Revolução Cidadã tinha o marco legal para introduzir as grandes transformações políticas, econômicas e sociais esperadas por décadas. Por isso propôs que o candidato em 2009 fosse novamente Correa, que uma vez mais teria triunfo, desta vez no primeiro turno, algo inédito para a democracia equatoriana recente.

“Nossa revolução é de quem toca o motor da história: os seres humanos, estes que jamais serão vítimas em nosso país das manobras neoliberais e do capitalismo selvagem”, expressou o presidente Correa em seu discurso de posse em 10 de agosto de 2009 na Assembleia Nacional.

Soberania Energética
Uma das primeiras ações do chefe de Estado foi renegociar os contratos petrolíferos que beneficiavam as petroleiras com 87% dos lucros e apenas 13% para o país. Os opositores e meios de comunicação privados previram um desastre, mas o governo demonstrou sua capacidade de negociação e conseguiu reverter as porcentagens a favor do Equador, depois que quase todas as transnacionais instaladas nos campos amazônicos aceitaram as novas condições.

Também se renegociou a dívida externa, o que significou uma economia de US$ 7 bilhões; e se criaram os mecanismos para evitar a evasão tributária, uma prática até então generalizada no país.

Este manejo institucional gerou os recursos necessários para impulsionar a maior inversão de toda a história do Equador na educação, saúde, moradia, estradas, segurança, justiça, produção e infraestrutura para garantir a soberania energética com oito hidrelétricas, seis projetos hídricos, revitalização da refinaria de Esmeraldas, entre outros megaprojetos.

A transformação era nítida: serviços públicos modernos recebiam com qualidade e eficiência os usuários; o governo chegou com obras e assistência até os territórios mais distantes; a população da terceira idade e os deficientes físicos recebiam pela primeira vez assistência mediante os programas sociais; havia um giro completo no país.

Os organismos internacionais, como o Banco Mundial, ONU e distintos governos do mundo não tardaram em fazer menções ao desenvolvimento alcançado pelo Equador sem depender de empréstimos do FMI.

Entretanto, dentro de casa, a minoria opositora que governou por décadas o país e seus meios de comunicação aliados resistiam em reconhecer a mudança e, além disso, se dedicaram a criar um clima de desestabilização permanente.

30 de setembro, a investida golpista

A cada decisão governamental os caluniadores tratavam de minimizá-la ou distorcer seus reais propósitos. Isto gerou o 30 de setembro de 2010, quando um setor da Polícia Nacional que estava descontente saiu a protestar sem conhecer o conteúdo da recém-aprovada Lei de Serviço Público que no final os beneficiaria consideravelmente.

Rafael Correa permaneceu detido por várias horas no hospital policial de Quito, onde tentou um diálogo com os policiais insubordinados, enquanto políticos da oposição se reuniam a portas fechadas em um hotel de Quito para seguir o curso dos acontecimentos e preparar um pedido de anistia para os oficiais insurgentes.

Horas mais tarde o presidente foi resgatado pelas forças da ordem e por uma multidão que saiu às ruas de Quito para defender o governo com o qual, pela primeira vez na história, se identificava.

Este episódio, que custou vidas, terminou por fortalecer a democracia e o projeto político que estava no poder. Porém a manobra da direita, apesar de desfalcada, não baixou a guarda e somou seus anfitriões a certos dirigentes indígenas e setores autodefinidos como “esquerda” derrotados em uma dezena de processos eleitorais.

O país continuou semeando a obra sem precedentes da Revolução Cidadã, enquanto os mais altos funcionários, nomeados pelo próprio presidente, chegavam nos territórios mais distantes com seus gabinetes itinerantes para tratar os grandes temas do país e atender as necessidades das comunidades. Se inaugurava uma nova forma de fazer governo.

No Equador foi garantida a liberdade de expressão com uma lei que democratizou a comunicação, com a criação de meios públicos e comunitários, com o aumento do salário dos jornalistas – uma das categorias historicamente mais exploradas, com a garantia do exercício de uma comunicação verdadeira que respeita a honra das pessoas.

Pela primeira vez os equatorianos tinham acesso a novos serviços de informação diferentes dos oferecidos pelos meios empresariais que viraram atores políticos diante do declive dos partidos tradicionais, como afirmou reiteradas vezes o presidente Correa.

Devido ao trabalho desenvolvido o povo ratificou sua confiança no presidente e no processo político através das eleições de 2013, quando novamente Correa foi eleito no primeiro turno e o governo conquistou maioria absoluta no Congresso. No ano seguinte conquistou o maior número de prefeituras nas eleições setoriais.

Em 2015, pese as condições econômicas difíceis derivadas de fatores externos como a queda do preço do petróleo, a apreciação do dólar, a desaceleração dos mercados aliados, entre outros fatores, o governo continuou inaugurando importantes obras que haviam sido postergadas por décadas no país e cumprindo com suas obrigações com entidades nacionais e internacionais.

Aniversário 

O Executivo reajustou o orçamento com a entrada de US$ 35 por barril de petróleo e aplicou medidas para proteger o emprego local e enfrentar os choques externos neste 2016, ano em que o processo da Revolução Cidadã cumpre 9 anos no poder com a expectativa de designar entre seus dirigentes o candidato que vai substituir Correa nas próximas eleições de 2017.

Por este motivo o presidente já tem se adiantado em pedir a unidade do movimento e a atenção para enfrentar nesta época pré-eleitoral uma nova investida da direita que irá fazer com seus meios de comunicação uma “campanha suja” para desgastar a Aliança País.

Nesta sexta-feira (15) será comemorado o aniversário da Revolução Cidadã, como se faz todos os anos, com uma obra emblemática em Guayaquil. O presidente Correa ao avaliar o trabalho destes anos considera que uma das maiores conquistas foi recuperar a autoestima dos equatorianos. “Um dos maiores logros da Revolução Cidadã é que a gente recuperou a autoestima, voltou a crescer e isso é bom. Seguimos os ensinamentos de [Eloy] Alfaro que dizia: ‘nada para nós, tudo para vocês’”, afirmou Correa. 


Fonte: Andes

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