Poucos empresários se negaram a participar de corrupção na Receita do Paraná, aponta MP

Jornal GGN - Foram poucos os casos elencados pelo Ministério Público e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de empresários que se negaram a participar do esquema de corrupção instaurado na Receita Fiscal do Paraná há cerca de 30 anos.
Investigado pela força-tarefa da Operação Publicado, o esquema, segundo seu principal delator, o auditor Luiz Antonio de Souza, tinha como mentor o empresário Luiz Abi Antoun, primo distante do governador Beto Richa (PSDB). Segundo as apurações reveladas ainda em 2015, os desvios na Receita podem ter abastecido a campanha de reeleição de Richa com cerca de R$ 4 milhões.

Reportagem da Folha de Londrina desta segunda (4) mostra que a maioria dos empresários envolvidos na trama aceitou pagar propina em troca de abatimento de dívidas com a Receita e lucraram com isso. Os poucos que se negaram a participar do esquema sofreram retalização, como aplicações de multas exorbitantes. "Frente aos [apenas] oito casos de concussão há 147 casos de corrupção passiva (o pedido de propina) e 103 de corrupção ativa (pagamento ou promessa de propina)", diz o texto reproduzido abaixo.
Deflagrada em março de 2015, a Publicano, apesar de ter movimentado milhões em sonegação e colocar a campanha de Richa sob suspeita, não chamou atenção da grande mídia. Para analistas, o tucano é blindado pelos grandes grupos de comunicação (leia aqui).
Em episódios como o que ficou conhecido como o "massacre dos professores do Paraná" - quando centenas sairam feridos de protestos reprimidos violentamente pela Polícia Militar, à época sob tutela de Fernando Francischini (SD) -, a blindagem ao governo Richa até rendeu o topo no ranking da Veja como o Estado com melhor segurança, na semana passada. O colunista Esmael Morais chamou atenção para o volume de anúncios que o governo do Paraná pagou à revista da Abril no final do ano.
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Por Loriane Comeli

Da Folha de Londrina

Corrupção: uma via de mão dupla
Operação Publicano aponta que grande parte dos empresários investigados não foram vítimas do esquema de cobrança de propina, mas, sim, partícipes ativos da corrupção
O esquema de cobrança de propina na Receita Estadual de Londrina – que tinha ramificações entre auditores fiscais da alta cúpula do órgão, em Curitiba – é uma via de mão dupla, conforme demonstra, até agora, a Operação Publicano, deflagrada em março de 2015 pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O esquema, engendrado há mais de 30 anos, segundo declarações do principal delator, o auditor Luiz Antonio de Souza, tinha como líder político, pelo menos nos últimos anos, o empresário Luiz Abi Antoun, pessoa com trânsito livre no governo Beto Richa (PSDB), de quem Abi é parente distante.

Isto quer dizer que os empresários (salvo raros casos de concussão) não foram vítimas do esquema, mas, sim, na maior parte dos fatos apurados nas quatro fases da operação, partícipes ativos da corrupção. Eram corruptores. Praticaram, em tese, o crime de corrupção ativa, previsto no artigo 333 do Código Penal: "oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício", cuja pena varia entre dois e doze anos de reclusão e multa, mas pode ser aumentada em um terço se, de fato, o funcionário pratica ato ilícito em favor do particular.
Os empresários beneficiaram-se financeiramente do esquema com os auditores. Em vez de recolher corretamente os tributos estaduais – especialmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e as taxas necessárias, por exemplo, ao fechamento de empresas – pagavam propinas que correspondiam a 10% ou menos do valor que deveriam pagar em impostos. Assim, lucravam e lucravam muito.
Balanço parcial divulgado em dezembro pela Secretaria Estadual de Fazenda (Sefa) sobre as forças-tarefas instauradas para revisar todos os procedimentos de fiscalização feitos em empresas supostamente integrantes do esquema de corrupção demonstra que nos últimos cinco anos o montante de impostos sonegados foi de R$ 310 milhões. Esses empresários, além de recolher esses valor corrigido – os juros chegam a R$ 70 milhões – também terão de pagar multas de R$ 453 milhões. As autuações se referem a apenas 78 empresas nas quais as forças-tarefas já fizeram auditorias. O que era lucro ilícito, portanto, deverá se traduzir, finalmente, em receita para os cofres estaduais.
As propinas eram vultosas, conforme já revelou a FOLHA em reportagens anteriores. No caso da Publicano 1, em que os principais alvos foram empresas do setor têxtil e uma grande distribuidora de combustíveis – já autuada em R$ 215 milhões – houve propinas de mais de R$ 1 milhão. Na denúncia, interposta em 22 de abril, o MP relata o envolvimento 20 empresas e 73 pessoas, sendo 26 auditores. Juntos, teriam cometido 70 fatos criminosos, incluindo 27 de corrupção passiva tributária e 13 de corrupção ativa.
Na Publicano 2, o volume de empresas é ainda maior: são 58. Ao todo, 125 pessoas (56 auditores) foram denunciadas, em 30 de junho, por 124 fatos criminosos, sendo 67 de corrupção passiva tributária, 47 de corrupção ativa e seis de concussão. A Publicano 3 não trata de corrupção, mas de lavagem de dinheiro – cerca de R$ 6 milhões – obtido ilicitamente pelo auditor José Luiz Favoreto com auxílio de outras 17 pessoas – parentes, empresários e "laranjas", também rés da ação proposta em 26 de outubro.
Na última operação – a Publicano 4, deflagrada em 3 de dezembro, foram apontados 53 fatos de corrupção passiva tributária, 43 de corrupção ativa e dois de concussão. Na denúncia, o MP relata o envolvimento de 29 empresas e narra 103 fatos criminosos praticados por 110 réus (sendo 47 auditores). Nesta caso, uma única empresa – de telefonia – teria pagado propina de R$ 3 milhões.
VÍTIMAS
Nas quatro denúncias, há apenas oito fatos de concussão. São casos em que os empresários, de acordo com o entendimento dos promotores do Gaeco, foram efetivamente vítimas da organização criminosa. Trata-se de quem tinha direito legítimo a créditos tributários – que algumas vezes chegavam a casa de milhões – mas não tinha acesso àquele dinheiro em razão de empecilhos criados por auditores. Assim, esses poucos empresários se viam obrigados a pagar propina para ter direito a algo que lhes seria legítimo.
Frente aos oito casos de concussão há 147 casos de corrupção passiva (o pedido de propina) e 103 de corrupção ativa (pagamento ou promessa de propina). A diferença se deve ao fato de que nem todos os empresários aceitaram os acordos de corrupção. Nesses casos, apenas os auditores foram denunciados por corrupção passiva tributária.
Os empresários são testemunhas que podem contar, sem vergonha, que resistiram ao esquema. Alguns relatam ter sofrido multas elevadíssimas por não terem aderido desígnios da organização criminosa. Parte deles recorreu administrativa ou judicialmente e teve os valores reduzidos. Outros preferiram pagar as multas. Agora, pelo menos, como quadrilha desbaratada, podem trabalhar em paz.
Na Publicano 2, por exemplo, a denúncia narra que cinco empresários se recusaram a integrar a organização criminosa e sofreram retaliação. Em um dos casos, após fiscalização e pedido de propina, a empresa foi autuada em R$ 3,5 milhões. O empresário apresentou defesa administrativa e o valor da multa caiu para R$ 70 mil.
Em relação aos empresários que aceitaram participar do esquema, muitos fizeram acordo de colaboração premiada com o MP, confessando seus atos em troca de possível redução de penas nas esferas criminais ou cíveis, no caso de ações por improbidade administrativa. O acordo de delação, no entanto, não abrange a esfera administrativa, ou seja, terão de recolher impostos sonegados e arcar com as multas decorrentes do não recolhimento.
CORRUPÇÃO ATIVA
Nas ações, os auditores fiscais têm sido denunciados por crime de corrupção passiva tributária, previsto no inciso segundo artigo terceiro da lei dos crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990): "exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente". A pena de reclusão varia entre três e oito anos.
Ao todo, até agora, estão envolvidos 72 auditores fiscais que, em razão de decisões judiciais, estão afastados do trabalho, mas seguem recebendo salários que chegam aos R$ 30 mil mensais.

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