Por que “je ne suis pas Charlie”? Porque não é liberdade ser monstruoso

charlie
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Fiquei na contramão quando do atentado à redação do Charlie Hebdo, na França, um ano atrás, porque não entrei na onda do “je suis”.
Tanto quanto abomino a execução fria de pessoas, abomino a execração de seus valores íntimos, de sua cultura, na qual se insere a religião.
Ser ateu – quando vai ficando velho, ateu vira agnóstico porque, sabe lá, vai que tenha outra… – nunca interferiu em minha amizade com religiosos, católicos, protestantes, espíritas, candomblecistas.
Não foi a ofensa a Maomé – nem a que fizeram ao Deus católico, depois – mas a ofensa brutal, gratuita, que fizeram às pessoas. Deuses, se existem, nem ligam para essas quinquilharias. O ser humano liga e isso lhe dói.
Hoje, mesclei dois sentimentos: o de nojo e e o de paz, por saber que o faro velho aqui ainda sabe adivinhar e  discernir quem argumenta com a liberdade para praticar a selvageria.
Quando vi o que o Charlie fez com a memória daquele pobre guri morto numa praia da Turquia, fugindo da guerra, mostrando como seria, se tivesse sobrevivido e crescido, um estuprador ou, como diz a legenda “um apalpador de bundas na Alemanha”.
Mesmo que a criança morta fosse se tornar um estúpido como quem desenhou seu suposto futuro, não mereceria isso.
Não, a liberdade de espírito, que deve ser enorme, não pode ser fazer isso com um quase bebê sírio morto na fuga da guerra, como não pode fazer com um bebê judeu morto num campo de concentração, ou a um bebê negro morto pela desnutrição, ou a um “anjinho” nordestino morto pela indiferença que ainda deixa gente ao abandono.
Admira-me que, no mesmo dia em que energúmenos acham imoral uma foto de uma mulher, por acaso deputada, amamentando seu filho e, muito corretamente, os defensores da liberdade e do ser humano protestem contra isso, haja quem, em nome da liberdade deixe de condenar o que se faz com outra criança, não com o viço do leite da vida, mas afogada pelo leite da morte que lhe foram as águas do mar.
Liberdade não é ver se levantar na Europa a velha Europa, colonialista, racista, capaz de fazer isso a uma criança morta.
Liberdade é humanidade.

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