Os (perfeitos) idiotas, por Germán Santiago e Belén Quejigo

Os (perfeitos) idiotas
Por Germán Santiago e Belén Quejigo, no Diagonal, de Madri
(Tradução de Ricardo Cavalcanti-Schiel)
No pé em que andam as constatações sobre o individualismo político, faz-se urgente uma reflexão sobre a idiotia.
Conforme seu significado etimológico, “idiota”, que provem do grego “idiotes”, era usado para se referir àquele que não se ocupava dos assuntos públicos, mas apenas dos seus interesses privados. A raiz “idio” significa “próprio” (daí “idioma”, “idiossincrasia” etc). O sufixo -tes significa “agente”. O idiota, segundo essa etimologia, é “o agente do próprio”. Como disse Platão, o preço de ignorar a política é ser governado pelos piores homens; já que o homem, por natureza corrupto, avarento e egoísta, sempre tenderá a salvaguardar seus próprios interesses e não os da maioria. Ignorar a política (“a arte própria dos cidadãos, da vida em comum e da sociedade”) desnaturaliza a posição do homem dentro de sua comunidade e o deixa fora da negociação e do acordo que regem a ainda vigente ficção do contrato social: o homem, longe do que vem ditando o darwinismo social, é um animal social e político tanto em sua origem quanto em seu desenvolvimento.

Contudo, a moral neoliberal da solidão, do êxito e da competição está no seu máximo apogeu, em detrimento das éticas do comum. A ideologia econômica dominante tende a limitar o direito de reunião, não a partir do Direito, mas a partir da moral, criminalizando e censurando toda prática de onde possa nascer um acordo contrário às suas diretivas. Essa falta de compartilhamentos conduz ao pensamento único. O individualismo racionalista busca justificar o isolamento e a atomização da sociedade com as promessas de liberdade e salvação.
Os idiotas (“idios” significa “só” ou “isolado”) são guiados para o isolamento e apartados da comunidade, são seduzidos pela promessa econômica de liberdade, são atraídos com cantos de sereia para a tirania do trabalho, que longe de os libertar, os torna mais escravos e os submete a relações de dominação permanentes, nas quais só há tempo para produzir. O lema do campo de concentração polonês se tornou mais vigente do que nunca em nossa sociedade, a promessa da felicidade está enlaçada a ele: o trabalho (individual) os fará livres [do original em alemão “Arbeit macht frei” ("o trabalho liberta"), usado nos pórticos de campos de concentração como Dachau e Aschwitz].
A raiz indogermana “fri”, da qual derivam as formas “livre”, “paz” e “amigo”, significa “amar” (lieben). Portanto, “livre” significa [etimologicamente] “pertencente aos amigos e aos amantes”. Sentir-se livre (e igual) implicaria uma relação de amor e amizade. É o vínculo, e não a ausência dele, o que nos faz livres. A liberdade é a mais relacional das palavras. A liberdade não é possível sem o outro.
“Idiota” é quem considera que pode ser livre sem os outros, ou à custa deles. Essa é sua fantasia moral. Ser livre não significa ausência de compromisso ou independência. A falta de laços e de apoios não nos torna livres: são os vínculos e a integração que nos mantêm apartados do medo e da inquietude; são as relações sinceras, e não o consumo de pessoas, que nos salvam da idiotia. Longe do que se poderia pensar, o aumento da capacidade econômica proveniente do trabalho, não amplia nosso quadro de decisão sociopolítica, mas o dispersa, provocando entorpecimento. É ingênuo achar que, num mundo interconectado, se pode viver, de uma maneira ou de outra, à margem da comunidade.
É o medo aos outros ― introduzido desde a infância e presente em todas as nossas etapas de desenvolvimento como uma constante ― a chave do êxito da moral neoliberal. Quando alguém trabalha dez horas por dia, permanece dez horas só. Restam-lhe catorze horas para dividir entre seus interesses privados e o sono. A vida política se vê reduzida ao mínimo ou simplesmente suprimida. Os “interesses privados”, que paradoxalmente também são alheios ao trabalhador, já que são próprios do senhor, do amo, impedem o desenvolvimento da vida em comum. A moral neoliberal do trabalho e do dinheiro triunfou também no âmbito político: o indivíduo só e desiludido do mundo crê que, na sua solidão, nada pode mudar e que ninguém pode lhe prejudicar.
O idiota é o modelo da cidadania que assim se vislumbra: um entrevado moral que flerta com o fantasma da liberdade e que se vê respaldado por uma política que bane o conceito de comunidade e o substitui pelos de segurança e competitividade. Assim, onde, por natureza, deveria haver vínculos, existe o medo. O idiota é não mais que o rastro do amor ausente.

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