O Banco Central virou Banco Desconcentral

A pressão inflacionária não vem da demanda porque o setor público, as empresas e as famílias estão contando dinheiro para ver se chegam bem ao fim do mês.


José Carlos Peliano* - na Carta maior - 08/01/2016
EBC
Dirão, e admito com certa razão, que criticar é fácil, difícil é consertar ou concertar as coisas. Ok, tudo bem. Mas para quem é economista e já passou anos na administração federal brasileira, sua crítica vale pelo conhecimento de causa e pela experiência pública.


Senão vejamos. A inflação não tem reduzido no país e ela está a cargo do Banco Central para ser administrada. O que então ocorre? Segundo qualquer alfarrábio de economia a inflação ou é de demanda ou é de oferta.


De demanda porque as pessoas, as famílias e o setor público têm comprado além da conta; de oferta porque os custos dos insumos das empresas pressionam para cima os preços de venda. Simples assim.


Pois bem, desde o início do ano passado que o ministério da fazenda adotou medidas de austeridade para baixar a inflação. O diagnóstico corriqueiro e comum entre os austeros é que a demanda estava pressionando os preços pelo excesso de compras.


De imediato o COPOM (Comitê de Política Monetária) do Banco Central adotou a indefectível medida de aumentar a taxa básica de juros (SELIC) para sinalizar ao mercado que a demanda estava estourando a boca do balão.


Com juros mais altos, o crédito torna-se mais caro. Aí as vendas tendem a reagir negativamente, seja para  o consumidor na compra de carros, eletrodomésticos, imóveis, seja para as empresas adiantarem recebimentos, tomarem empréstimos para renovação de estoques e capital de giro, entre outras necessidades tanto de consumidores quanto das empresas.


Foi o que aconteceu ao país ano passado inteiro. Neste ano que começa a receita anti-inflacionária deve permanecer a valer nas interpretações dos magos do Banco Central que não só avaliam a situação da economia no presente, quanto dão palpites a respeito do que irá ocorrer no médio e longo prazos.


Vamos lá, um resumo do que está acontecendo hoje na economia. Uma visão simples de dois setores, o interno e o externo. O interno comporta todos os que vivem no país incluindo empresas, bancos e administração pública. O externo tudo o que não está aqui dentro obviamente.


Muito bem, no setor interno o que podemos ver? Uma sensível retração da demanda por todos os lados. O PIB recuou 3,6% levando com a queda o nível de atividade das empresa, do comércio, dos serviços e das importações. Não se vende mais como antes, tampouco se produz como antes.


Os magos do Banco Central, que se dizem concentrados no dia a dia da economia, argumentam que os juros altos são necessários sim para evitar a pressão da demanda pública e efetuar uma contenção suficiente de gastos para tirar o déficit fiscal e torna-lo superávit.


Em outras palavras, para os magos a inflação persiste porque o governo em seus três níveis permanece comprando mais do que arrecada, o que faz os preços se elevarem dado o baixo nível de atividade das empresas. Segundo eles, o governo pressionando para cima os preços de venda das empresas.


Admitamos por um momento, um momento só, que essa explicação seja correta. Como então explicar esse excesso de demanda do governo se a arrecadação fiscal caiu e o caixa está à míngua?  Contingenciamentos e redução de dispêndios foram realizados ano passado exatamente para reduzir a pressão fiscal.


Então, se a explicação não bate na lógica, onde está o pulo do gato? Ele está exatamente no financiamento dos gastos em geral. Os vilões da inflação são os bancos, não os agentes (o setor público, as empresas, as pessoas e as famílias).


A turma do Banco Central parou a explicação no meio do caminho. Faltou adicionar que, para que os agentes continuarem cumprindo seus compromissos assumidos anteriormente bem como os novos inevitáveis, eles têm que recorrer aos bancos para tomarem empréstimos e financiamentos.


Só que esse dinheiro vem com taxas de juros majoradas, de um lado pela sinalização do próprio Banco Central via Selic, de outro pelos próprios bancos que, em situações de crise, aumentam os juros por conta do risco que eles admitem passarem para receber de volta o principal.


A pressão inflacionária, portanto, não vem da demanda porque o setor público, as empresas, as pessoas e as famílias estão contando dinheiro para ver se chegam bem ao final do mês. Mesmo o governo que pode emitir moeda, não está fazendo. Caixas enxugados, vazios ou inadimplentes.


Tampouco a pressão inflacionária vem da oferta pois as empresas além de estarem com níveis baixos de atividade, muitas com estoques avolumados, já desempregaram muita gente. Tiveram que reduzir suas despesas mensais.


Do mesmo modo a pressão não vem do lado externo. Com a crise, o real desvalorizou tornando as importações mais caras e as exportações mais baratas. As empresas voltadas à importação reduziram suas compras externas e as empresas voltadas à exportação aumentaram as vendas. A balança comercial do ano passado ilustra bem isso, houve um superávit nas contas externas.


Se então os magos do Banco Central estão de óculos escuros ou suas bolas de cristal estão sujas, suas decisões de combate à inflação via COPOM estão equivocadas para não dizer erradas.


Nessa situação, o arrocho no crédito via sinalização pela taxa Selic do Banco Central só tende a piorar as coisas. Crédito caro com atividade baixa na economia e sem demanda gera mais queda na atividade, desemprego e persistência da inflação. Esta se mantém porque os riscos embutidos pelos bancos nos juros aumentam os custos financeiros das empresa, pessoas e famílias com seus compromissos novos, a serem renovados ou renegociados.


E muitos compromissos serão mesmo renovados porque com o caixa baixo os agentes não têm como pagar e terão que repactuar com os bancos. Esses além de serem os vilões da inflação são os que mais lucram com a austeridade. Como se o Banco Central estivesse jogando a favor do sistema financeiro.


Conclusão simples e imediata. Concentrar melhor os magos do Banco Central em suas atividades para não tornarem o banco desconcentrado, um Banco Desconcentral. Baixar a Selic para fazer reagir a demanda e reduzir na marra a voracidade bancária.


Não se trata de apenas criticar por criticar, nem de opor uma teoria econômica contra outra, tampouco condenar sem justificativa o papel dos bancos. Trata-se de prestar mais atenção no que ocorre na economia. Para isto existe um Banco Central. Não um Banco Desconcentral.
 
*colaborador da Carta Maior



Créditos da foto: EBC

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