Nassif: A melhor amiga do Banco Central é a inflação

À medida em que o poder presidencial foi corroído pela sucessão de erros cometidos no front politico e econômico, e que a imprensa passou a dar espaço a qualquer iniciativa pro-impeachment, o país tornou-se refém das corporações públicas.
Hoje em dia, é comum um Procurador do Tribunal de Contas da União questionar uma Medida Provisória da Presidente da República e receber espaço no Jornal Nacional. Ou um delegado federal afrontar o Ministro da Justiça e este, democraticamente, dar-lhe a honra de um bate-boca público – em vez de enquadrá-lo. Ou um procurador qualquer abrir uma representação qualquer contra qualquer autoridade baseado em um factoide qualquer de jornais.
Tudo isso é fruto de um vácuo de poder poucas vezes visto no país.

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É nesse quadro de falta total de comando, de diluição da hierarquia que a corporação Banco Central transformou o país em um campo de teste.
No início do ano passado, dos laboratórios do BC saíam estudos garantindo que, no Brasil, a curva de Phillips (que estuda a relação desemprego x inflação) vinha acompanhada de um suculento suco de jabuticaba. Ao contrário dos estudos em países centrais, por aqui seria necessária apenas uma pequena dose de desemprego para domar a inflação.
Em fevereiro, em uma entrevista coletiva a presidente garantiu que o pior já tinha passado. Há dúvidas sobre quem incutiu nela essa fantasia: se o então Ministro da Fazenda Joaquim Levy ou o presidente do Banco Central Alexandre Tombini.
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Um ano depois, dos laboratórios do BC sai a constatação de que em 2015 e 2016 a demanda interna brasileira poderá sofrer uma queda de dez pontos percentuais – a maior da história. E cadê a curva de Phillips? O nível de atividade desabou, a produção industrial caiu mais de 10% em um ano, o PIB poderá cair 6 pontos em dois anos e a inflação não cedeu.
Simples, assim. Uma avaliação incorreta que produziu uma devastação na economia. Mas para o BC não produziu nenhum efeito. Nem sequer uma nesga de desconfiança da presidente da República acerca do laboratório de experiências do banco.
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Uma análise da última ata do COPOM (Comitê de Política Monetária) dá uma boa pista da maneira como o BC convalida suas políticas.
Todas as previsões para o PIB despencaram.  Para 2015, caíram de -2,7% para -3,6%. Para 2016, as projeções batem em -1,9%. Ora, o principal canal de transmissão da política monetária é o crédito. E a principal resultante do canal crédito é a queda das vendas, dos estoques, do emprego e do nível de atividade.
Se tudo isso ocorreu e a inflação não caiu, qualquer análise minimamente racional entenderá que a inflação não está sendo alimentada pela demanda. Ou não?
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Aí surgem as teorias estrambólicas.
As análises sobre a composição da inflação são claras. A primeira onda é o realinhamento de preços defasados e dos insumos (câmbio, tarifas de luz e energia). A segunda, o realinhamento de preços finais, incorporando a alta dos insumos. É o que explica a persistência da inflação neste início de ano.
Como não há demanda que sancione esses aumentos, na medida em que essas altas de preços forem saindo da contagem anual, a inflação tenderá a refluir. Ou seja, não exigirá nenhuma proatividade do BC. O que tinha que ser feito já foi, com doses excessivas.
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Com a economia despencando, a prioridade maior será segurar a queda do nível de atividade. Se prosseguir a queda, não sobra ninguém para contar história. Nem o Tombini.
Mas se admitir, na conjuntura atual, que o combate à inflação não depende mais de nenhuma ação adicional do BC, a corporação se enfraquece. Toca, então, a buscar explicações para a queda do nível de atividade que reloquem a inflação no centro das preocupações.
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Consultando-se as atas do Copom, se verá as seguintes explicações para a maior recessão da história recente do país:
1.     Os investimentos despencaram porque a inflação impede empresas e famílias de planejar os gastos. A não ser em obras públicas, os investimentos despencaram porque não há demanda. É óbvio.
2.     Segundo esse tecnicismo vazio, a inflação resiste porque não se obteve superávit fiscal cortando despesas, e não porque o câmbio se desvalorizou em 40%, houve aumento nos preços dos combustíveis, dos importados, da energia elétrica. Aliás, se algum gênio conseguir comprovar que o não atingimento da meta fiscal por frustração de receita – devido à queda do nível de atividade – é inflacionário, levará o Nobel.
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Para justificar o injustificável – a elevação dos juros, mesmo em um quadro de economia arruinada – o BC recorre ao monumental “suponhamos que”.
O BC invoca as projeções de inflação do mercado para convalidar a alta da Selic. Mas quando o mercado projeta queda da demanda, ele rebate com o “suponhamos que”.
O que diz a ata do Copom:
1.     Depois de um período necessário de ajustes, que se mostra mais intenso e mais longo que o antecipado, o ritmo de atividade tende a se intensificar, à medida que a confiança de firmas e famílias se fortaleça. Ou seja, “suponhamos que” a confiança das firmas e famílias se fortaleça.
2.     No que se refere ao componente externo da demanda agregada, o cenário de crescimento global, mesmo moderado, combinado com a depreciação do real, age no sentido de torná-lo mais favorável ao reequilíbrio das contas externas e ao crescimento da economia brasileira. Ou seja, “suponhamos que”, mesmo com a redução do crescimento da China, com o pé no freio da Europa e com a queda do comércio mundial, as exportações brasileiras continuem crescendo.
3.     No médio prazo, mudanças importantes devem ocorrer na composição da demanda e da oferta agregada. O consumo tende a crescer em ritmo moderado e os investimentos tendem a ganhar impulso. O “suponhamos que”, desta vez, não veio acompanhado de nenhuma hipótese. É só fé em Deus.
Por conta desse conjunto de “suponhamos que”, novo aumento da Selic.

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