Litvinenko vale mais morto, que vivo

The grave of murdered ex-KGB agent Alexander Litvinenko is seen at Highgate Cemetery in London, Britain


21/1/2016, Finian Cunningham, Sputnik
Traduzido por Vila Vudu

“Para que fossem verdadeiras as ‘descobertas’ de vestígios em que se assentam as conclusões do inquérito britânico, os pressupostos assassinos russos teriam de ter usado polônio radiativo como loção pós-barba.”
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Quer dizer então que o presidente da Rússia é assassino de sangue frio, além de “novo Hitler” da Europa, derrubador de aviões civis, patrocinador de uso de drogas nos esportes e amigo de ditadores carniceiros no Oriente Médio.
Será que a lista de acusações de demonização contra o presidente russo fica por aí? Será que aumenta? E bem quando você começa a achar que pior não há, o bom velho mestre britânico de truques sujos, joga a cartada do “assassino envenenador diabólico”.
Putin é acusado de ter ordenado o assassinato de Alexander Litvinenko, ex-membro do serviço de segurança da Rússia, FSB.

[Como não poderia deixar de acontecer, O Globo jornal-empresa-de-repetição para o Brasil de matérias de agências norte-americanas, ‘noticiou’ a desnotícia, imediatamente, e no pior português possível: “Juiz britânico diz que é provável que Putin aprovou [sic] morte de ex-espião“. Fica-se sem saber que notícia haveria em juiz britânico ter dito que alguma coisa seria provável, mas prova, que prove, não aparece… De juízes que falam mais que a boca e os autos, o Brasil também está cheio! Mais uma, da ‘mídia livre’ ‘ocidental’ no Brasil-2015 (NTs)].
O chamado inquérito público britânico publicado essa semana diz apenas que “é provável” que Putin tenha ordenado o assassinato de Litvinenko em Londres, há cerca de dez anos. Notícia, propriamente dita, absolutamente não existe, nem interessa. Interessa o boato implantado como ‘notícia’ na opinião pública: Putin é assassino.

Como o Ministério de Relações Exteriores da Rússia disse em resposta em que ridiculariza o ‘relatório’ britânico, tudo isso era previsível e foi previsto. A politização de assunto da polícia criminal é tão flagrante e escandalosa, que tal imbecilismo dá vergonha.
O inquérito foi aberto pelo governo britânico em 2014, e absolutamente nunca teve coisa alguma de informação pública. Todo o inquérito foi baseado em indícios apresentados e discutidos a portas fechadas, por agentes sem nome da inteligência britânica.
Não apareceu nunca nenhuma prova válida em tribunais legais. Tudo nesse inquérito é “circunstancial”, quer dizer, é subjetivo, inferências feitas por um ex-juiz britânico julgando em segredo, as quais, repentinamente, ganham as manchetes de todos os veículos da imprensa-empresa, os quais, sem mais nem menos, põem-se a divulgar o que, até um minuto antes fora segredo ‘de segurança’, agora apresentado como se fosse “descoberta” de jornalistas. Chamar essa operação de “ação judicial” é assinar a farsa e insultar a inteligência do ‘público externo’.
Porém, nem bem acabara o anúncio das “conclusões” do “inquérito”, o governo inglês imediatamente ‘censurou’ a Rússia por “violação clara e inaceitável da lei internacional”. Não foi só manifestação da típica, velha conhecida, arrogância britânica. Foi também manifestação temerária, leviana, de manipulação criminosa das próprias leis inglesas, para tentar projetar alguma importância, uma jurisdição internacional que a Grã-Bretanha não tem.
Há muitas provas universalmente reconhecíveis, que permitem que Rússia ou qualquer outro país acusem o primeiro-ministro britânico por crime de guerra, desde a intervenção ilegal dos britânicos na Líbia e na Síria. Mas de onde a Grã-Bretanha teria tirado a ideia de que teria o direito de acusar o chefe de estado russo de crime, de um assassinato, e sem prova alguma? Essa ação dos britânicos marca um dos pontos mais baixos a que jamais chegou qualquer governo ‘ocidental’, no serviço de se autoexpor em ações das mais vergonhosas, além de ilegais.
A versão estereotipada de Guerra Fria de filme B, do “ex-espião da KGB que procura vingança”, é o mais claro indício de que se trata de ação de propaganda, “psyops job“, completada pela ação também estereotipada do governo britânico. Nada além de mais um episódio da vendetta travestida de jornalismo, em andamento contra o presidente Vladimir Putin.
A campanha vingancista, de calúnia a mais suja, inclui ‘noticiar’ que Putin quereria atropelar militarmente toda a Europa para reviver o Império Soviético; que teria atacado e derrubado o avião malaio MH17 sobre o leste da Ucrânia em julho de 2014, quando morreram 298 pessoas e – pecado dos pecados! –, que teria prestado ilegalmente a ajuda militar que o presidente sírio Bashar al-Assad solicitou.
Todos os ataques contra Putin visam, exclusivamente, a encobrir, com alarido e fumaça tóxica, a evidência muito clara, facilmente comprovável, de que a ajuda dos russos aos sírios é perfeita e legítima colaboração com país aliado que realmente está sob ataque de terroristas armados e pagos pelo ‘ocidente’.
Dentre os vários absurdos que aparecem no ‘relatório’ britânico sobre a morte de Litvinenko, o maior talvez seja o uso de polônio radiativo como veneno letal. Dois ex-agentes também da FSB são acusados no relatório britânico, de terem posto a toxina no chá que Litvinenko tomava em reunião privada num chique hotel londrino. Muito inglês! A morte num cup of tea!
A reunião realmente aconteceu em novembro de 2006. Três semanas depois, Litvinenko morria num hospital londrino, de falência geral dos órgãos, aparentemente devida a envenenamento por polônio.
Mas se, como desejam os britânicos, teria sido serviço de assassinos russos profissionais, de sangue frio, mestres calejados na arte de matar, e cumprindo ordens do Kremlin… o mais inacreditável é que tenham agido como amadores tão terrivelmente incompetentes.
Traços de polônio radiativo teriam sido encontrados nos hotéis londrinos onde os russos acusados de trabalhar sob ordens de Putin hospedaram-se em Londres, e até nos aviões nos quais viajaram. Assassinos profissionais que ‘trabalhassem’ com veneno radiativo saberiam que a dose letal teria de ser guardada em cápsula de chumbo, para evitar a emissão de radiatividade. Para que fossem verdadeiras as ‘descobertas’ de vestígios em que se assentam as conclusões do inquérito britânico, os supostos assassinos russos teriam de ter usado polônio radiativo como loção pós-barba.
Bem ao contrário do que conclui o juiz inglês, a única conclusão racional a que se poderia chegar pela análise das ‘pistas’ de polônio radiativo descuidadamente distribuídas por quartos de hotel, aviões e por todos os cantos, é que havia alguém criando um ‘caminho’ falso de migalhas que incriminaria – embora precariamente – aqueles específicos russos. Isso, sem esquecer que, até agora, não se pode ter certeza sequer de que alguém realmente tenha encontrado traços reais de radiatividade real: todo o inquérito britânico, que nada teve de público, está construído sobre “evidências” secretas, inverificáveis.
É o mesmo tipo de ‘padrão’ falso-legal mas suposto legal que o ocidente usa para acusar aviões russos de bombardearem hospitais sírios; ou tanques russos, de esmagarem a Ucrânia – ‘legal por decreto’, sem prova existente ou possível. Tudo é sempre gritaria e escândalo repercutidos por políticos e jornalistas de aluguel.
Litvinenko desertou para a Grã-Bretanha em 2000, depois de expulso da FSB russa por má conduta. Tornou-se cidadão britânico e trabalhou para o MI6, o serviço de inteligência da rainha. Tudo sugere que Litvinenko fosse oportunista com alguns talentos, com os quais ganhou dinheiro fácil como jornalista anti-Putin, dinheiro com o qual pôde comprar casa luxuosa em Londres.
Era agente valioso para os britânicos, porque qualquer sandice que ele ‘declarasse’ em público sempre podia ser ‘recolhida’ pelos veículos da mídia-empresa e usada na campanha para desconstruir Putin e qualquer outro governante russo, sempre acusados, por Litvinenko, de corrupção. Apresentado incansavelmente como ex-espião do Kremlin, tinha considerável valor como agente de propaganda.
Até que, quando Litvinenko morreu, os britânicos deram-se conta de que muito mais ele valeria, morto.
Com tantos e tão abundantes ‘rastros’ de polônio radiativo, não seria perfeitamente razoável – pergunto eu – supor que os britânicos mataram o “ex-espião russo”? Mataram, sabe-se lá por que motivo, usando polônio radiativo que os ingleses facilmente obteriam de seus fornecedores e cujos ‘rastros’ radiativos eles não teriam nenhum interesse em ocultar. Pode não ter acontecido assim, mas essa hipótese faria pleno sentido e, sim, teria de ser investigada.
Morto o homem, e dado o passado pessoal de Litvinenko dentro dos quadros da inteligência russa, e a expulsão do FSB, não seria difícil construir o cenário e a narrativa pela qual ele declararia (em segredo), no leito de morte, que Putin seria mandante do envenenamento. E assim, imediatamente, se safariam quaisquer assassinos reais.
A construção do cenário e dos personagens do assassinato de Litvinenko, supostamente por agentes russos a mando do Kremlin, foi como um investimento para os britânicos. Os dividendos de propaganda mais do que compensaram custos e riscos, e não param de mostrar serventia, desde 2006, sempre que é preciso re-re-demonizar Vladimir Putin.
timing dos dividendos recolhidos mais recentemente – acusar Putin de ter ordenado um assassinato –, é, na verdade, um indício a mais a lançar suspeitas sobre as conclusões do “inquérito público” britânico.
‘Porque’ Putin seria assassino serial, a mídia-empresa pôs-se a ‘exigir’ que se imponham novas sanções ao governo russo e que se iniciem processos de extradição.
É quando, então, funcionários do governo britânico são citados nos ‘noticiários’, ‘declarando’ que o momento seria “extremamente sensível”, para tomar as tais medidas ditas urgentes contra o ‘assassino’, por causa das conversações de paz para a Síria, que devem começar em Genebra, semana que vem.
“Temos outros peixes para fritar com os russos” – disse um funcionário britânico, para ‘explicar’ por que as autoridades britânicas estão ‘impedidas’ de tomar, contra Moscou, as ‘medidas drásticas’ que o ‘caso Litvinenko’ exige(ria).
“Outros peixes para fritar” é referência velada ao desejo de extrair concessões dos russos, porque, em matéria de Síria, os britânicos ‘desejam’ o que os EUA os mandem desejar, quer dizer, só pensam em ‘mudança de regime’/golpe que derrube o presidente Assad.
O ‘caso’ tem todas as marcas de ‘operação psicológica’ britânica à moda dos filmes da Guerra Fria. Acuse, calunie, acuse, calunie, acuse e acuse – com a mídia-empresa a ‘repercutir’ calúnias e acusações sem provas, para assim minar a autoridade moral do adversário, quando se tratar de tentar extrair dele quaisquer ‘concessões’.
Não há dúvidas de que, para os britânicos, Alexander Litvinenko morto, já vale muito mais que vivo. *****

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