Henrique Beirangê: A caixa-preta da merenda paulista
Investigação apura contratos milionários do Estado com empresário denunciado
por Henrique Beirangê — na Carta Capital - publicado 14/01/2016
Gilberto Marques
O Estado empenhou R$ 42 milhões em contratos sem licitação
Em junho do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo apontou uma série de irregularidades na gestão da merenda escolar durante a apresentação do relatório final sobre as contas de 2014 do governador Geraldo Alckmin.
Segundo a Corte, os problemas vão desde o processo de fiscalização na compra e distribuição da comida para os alunos até mesmo as condições de higiene das cozinhas nas escolas.
Em torno de 15% dos colégios as panelas ficam no chão, em outros 29% os alimentos estavam guardados fora da geladeira e em 16% não havia certificado de desratização ou desinsetização.
Não bastassem os problemas sanitários, a má gestão da merenda escolar vem de longa data no estado. Em 2000, ainda no governo de Mario Covas, a aquisição de comida para as escolas virou alvo do Ministério Público e do TCE por conta da proximidade do então governador com o empresário Sérgio de Nadai, dono das empresas De Nadai Alimentação e Convida Alimentação.
Amigos de longa data, De Nadai viu o capital de sua empresa explodir, passando de 197 mil reais para 4 milhões, entre 1995 e 2001, durante o governo do amigo.
A empresa De Nadai detinha vários contratos para fornecimento de alimentação em presídios estaduais e levou parte deles sem licitação, devido a situações “emergenciais”.
Em um dos relatórios do TCE da época, o conselheiro Antonio Roque Citadini afirmava: “Parece que o governo força situações de emergência”. O tempo passou e a empresa de Sérgio ganhou corpo, expandindo sua atividade para diversos municípios de São Paulo e outros estados.
Em 2009, uma investigação mostrou que parte do faturamento da empresa vinha de esquemas de corrupção e cartel envolvendo um negócio que pode ter movimentado cerca de 100 milhões de reais em propinas. A investigação esbarrou até mesmo no cunhado do governador Geraldo Alckmin, Paulo César Ribeiro.
O irmão de Lu Alckmin foi apontado pelo Ministério Público como o responsável por direcionar os contratos em benefício da Verdurama, uma das empresas envolvidas no cartel do qual participava a Convida. De acordo com a investigação, Ribeiro atuaria na prefeitura de Pindamonhangaba, cidade natal de Alckmin.
Sérgio foi denunciado juntamente com outros empresários. Agora o MP quer saber como uma empresa envolvida na chamada “máfia da merenda” conseguiu novos contratos com a Secretaria de Educação de São Paulo, entre 2013 e 2015, que somam 20 milhões de reais.
A Convida também tem contratos com a Secretaria de Planejamento e Gestão. Foram adquiridos, em 2015, 13 milhões de reais para o fornecimento de refeições em hospitais do estado e outro contrato de cerca de 3 milhões com a Secretaria da Saúde na rubrica “alimentação preparada”.
Contabilizando-se todos os departamentos, só no ano passado foram vendidos 29 milhões para o governo do estado. De 2011 a 2015, a empresa vendeu 75 milhões de reais em gêneros alimentícios ao Estado, período que sucede à investigação da máfia da merenda.
Os contratos estão em nome da Convida Alimentação, empresa em nome de Sérgio de Nadai e familiares. A companhia mantém o mesmo endereço da De Nadai Alimentação, também pertencente à família do empresário e diretamente envolvida com o escândalo da máfia da merenda.
Segundo a investigação, o cartel de empresas teria funcionado entre as gestões Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab, na capital paulista, e em outros 57 municípios e dois estados.
Sérgio de Nadai é frequentador de festas beneficentes e amigo próximo de um tucano ilustre, o empresário e pré-candidato a prefeito por São Paulo João Doria Jr.
Os dois são vistos juntos frequentemente em eventos sociais e ambos trabalham no Lide, grupo empresarial encabeçado por Doria que tem entre os objetivos “difundir e fortalecer os princípios éticos da governança corporativa no Brasil”.
Uma das estrelas do Lide no ano passado foi o juiz Sergio Moro, que comanda a Operação Lava Jato. O magistrado foi o principal convidado do grupo de empresários em um almoço-debate em setembro do ano passado.
Outra linha de investigação que o Ministério Público pretende seguir trata das sucessivas aquisições de merenda na rede estadual sem o emprego de licitações. Entre 2013 e 2015, de acordo com dados do Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária, foram empenhados perto de 42 milhões de reais em contratos sem licitação.
Além dos contratos suspeitos e os problemas de gerenciamento e sanitários, o Estado também precisa dar explicações a respeito da montanha de alimentos jogados no lixo todos os anos. Só em 2014 foram desperdiçados 25 mil quilos.
Os problemas detectados pelo TCE apontam que 91,43% das escolas costumam realizar alterações no cardápio por conta de produtos próximos à data de vencimento, itens deteriorados e atrasos na entrega. O levantamento do TCE mostra também que por volta de 34% das escolas nem sequer têm refeitório.
A precariedade da estrutura de ensino ficou anotada na parte final do relatório do TCE, evidenciando a falta de prioridade da educação no estado: “... destacou-se negativamente o estado de conservação de elevado percentual das escolas visitadas.
Desde itens de segurança (rede elétrica), passando por equipamentos de esporte (quadras e coberturas), até as salas de aula (rachaduras, ausência de janelas/vidros, mofo, goteira)”.
A Secretaria da Educação paulista informou que todas as contratações de serviços terceirizados para manipulação de alimentos de ensino seguem os trâmites legais exigidos.
Do total de contratos firmados pela Secretaria para fornecimento de merenda, 93% dos convênios não são da empresa Convida Alimentação, e mesmo as Diretorias Regionais de Ensino que mantém os serviços contratados da Convida possuem contrato com outras empresas. Como a Convida não possui qualquer tipo de penalização, pode participar de novos pregões.
Com relação ao desperdício de alimentos, o Estado informa ter identificado a falha de uma das empresas prestadoras de serviço de logística durante a estocagem de arroz. A empresa foi autuada, ressarciu o governo estadual e não presta mais serviços para as escolas.
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