Fernando Brito: A história na janela

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O Chico Alves, coleguinha de O Dia, sangra a veia da saúde já “meia-boca” deste blogueiro aqui, postando a foto acima, quando uma pequena multidão se formou para apoiar Brizola nas horas seguintes ao primeiro turno das eleições de 1989.
É do  fotógrafo Ricardo Beliel, que narrou, no facebook,  como a  clicou.
Na data do primeiro turno fiquei no Rio para votar e logo segui para o endereço residencial do Brizola, o único candidato que morava na mesma cidade que eu. Na Avenida Atlântica seus eleitores comemoravam o que achavam ser uma barbada, sua eleição ainda no primeiro turno. Eu estava no apartamento do Brizola quando o vi sair do quarto, onde acompanhava a apuração pelo rádio, e repentinamente ele apareceu na sala, caminhou abatido até a janela, sem falar com ninguém, debruçou-se no parapeito e emocionado ficou observando a multidão gritando “Brizola Presidente do Brasil”. Virou o rosto para mim e percebi seus olhos cheios de lágrimas. Voltou para o quarto e não apareceu mais. Lula foi para o segundo turno e perdeu para Collor, que tinha o apoio da maioria das empresas de comunicação.
Os cariocas achavam que Brizola venceria no primeiro turno porque, aqui, teve  60% dos votos.
O amargo resultado doeu ainda mais porque  apenas 454 mil votos no país, 0,6% dos votos válidos, o tiraram do segundo turno.

Na hora desta foto, eu estava cinco andares abaixo, onde um apartamento vazio no prédio 3.210  da Avenida Atlântica, que havia sido alugado para reuniões de campanha, fervilhava de gente angustiada. Hoje, aliás, mora lá um amigo comum, a mim e ao Chico, e me falta coragem para atender aos seus convites para que vá rever aquele lugar, quase 12 anos depois da morte de Brizola.
Não foi só o “seu” Adopho Bloch – que, narra Beliel, “também ficou emocionado com a cena e acho que disse para o Mugiatti, editor da revista, não maltratar o gaúcho com essas coisas” e não a publicou – que se doeu.
Todos nós ficamos por ali, sem saber o que fazer.
Uma bobagem momentânea.
No dia seguinte, “o cadáver morto do defunto” toca a campainha e entra lépido e fagueiro, no “bunker” da campanha e já começa a dar orientações sobre o que deveríamos  fazer para o segundo turno.
Estava claro que ele faria o que deveria ser feito, ainda que meu bom amigo Ricardo Kotscho tenha esquecido que no casamento a prioridade é da noiva e tenha atropelado na divulgação da intenção de Brizola apoiar Lula,  vazando para os jornais um telefonema dado para seu apartamento no Uruguai, número que eu sabia de cor: 005962826….
Participei diretamente, pela imprudência de Brizola, das delicadezas desta aliança. Um guri de 31 anos, mal completados.
Brizola pisou no seu próprio pescoço e no seu orgulho ferido para fazer de Lula presidente.
Lembro de assistirmos juntos ao último debate na Globo e dos olhares trocados, sobrancelhas franzidas, com o visível nervosismo de um Lula ainda inexperiente diante da postura se senhor da Casa Grande de Collor. Logo depois, Lula foi ao seu apartamento e tudo o que recebeu foi apoio e carinho, como compete aos mais velhos dar.
O que faz um herói não é só a valentia, também é a humildade de não se achar dono da história, mas seu servo.
Brizola aceitou dar a Lula e, mais importante, os brizolistas aceitaram dar a Lula a linha de frente de suas lutas de décadas.
No Rio e no Rio Grande, a transferência de votos foi maciça, total. Lula tinha 9% no Rio; teve 70% no segundo turno.
Lula perdeu em São Paulo e nas então incontestáveis elites nordestinas.
Que se entendem e se identificam.
Ainda há lições a tirar daquele episódio.
O primeiro dever do político é saber o seu lado.

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