Bernie Sanders: uma estrela no horizonte

Um senador de Vermont, um estado politicamente fraco, está propondo uma devassa no sistema financeiro e impostos mais pesados para os mais ricos


Saturnino Braga - na Carta Maior - 29/01/2016
Tiffany Von Arnim / Flickr
Uma estrela é uma luz que orienta, e o horizonte é longínquo porém vasto e jubiloso: quero dizer que a estrela no horizonte é mais remota porém mais bela, significativa e auspiciosa do que a velha luz no fim do túnel. E nesta perspectiva quero falar do Senador Bernie Sanders, o primeiro candidato socialista à presidência da república na história dos Estados Unidos da América.

A primeira nação livre e democrática do mundo foi um farol que iluminou todos os povos do Ocidente durante o século dezenove, até a primeira metade do século vinte. Por mais de cem anos, navios cruzavam diariamente o Atlântico Norte abarrotados de emigrantes que aportavam em Nova Iorque, sob o facho luminoso da Estátua da Liberdade, trazendo homens e mulheres cheios de esperança, em busca da felicidade que lhes era vedada na Europa.


Era gente que trazia toda a sua experiência e o seu saber, toda a sua inteligência e a sua inventividade, toda a sua habilidade e sua capacidade de trabalho, trazia para aquela nova nação ampla e acolhedora toda a sua enorme vontade de prosperar. Que assim prosperou extraordinariamente até se transformar no país mais rico do mundo no início dos mil e novecentos. E o seu cinema, a sua música e os seus automóveis fizeram daquele país o mais querido do Ocidente, quiçá do mundo.

Aos poucos, entretanto, depois da segunda guerra, na segunda metade do século XX, aquela imagem se foi deteriorando. O ideal político novo, socialista, que se afirmou a partir do heroísmo de Stalingrado, prometendo justiça, igualdade e fraternidade entre os seres humanos, ganhou fortes adesões em todo o mundo e suscitou uma reação americana, de anticomunismo radical, macartista, que se espalhou lastreado num armamentismo em escala jamais vista. Ademais, a grande potência americana passou a praticar uma política imperialista de dominação também em escala jamais vista, com o propósito de impor um efetivo poder mundial e um modelo econômico do business comandado por eles. A resposta, igualmente realista e imperialista da outra potência que sustentava o socialismo, criou um confronto de enormes proporções, caracterizando mesmo uma guerra que só não se materializou plenamente em razão dos graves riscos de destruição de todo o planeta.



O fato é que a força e a beleza do ideal libertário americano se foram desvanecendo à proporção que este embate se desenvolvia e nele se evidenciava a arrogância dos dois poderes dominadores, igualmente cínicos e prepotentes. As guerras parciais de confronto, na Coréia, na China e no Vietnam, e posteriormente no Oriente Médio, acentuaram continuamente o forte desgaste do prestígio americano, que não obtinha vitórias apesar do inacreditável poderio militar usado em operações arrasadoras, genocidas. Parecia faltar-lhe, precisamente, a força de um ideal mobilizador.

Sua força material e econômica, entretanto, cresceu avassaladora e levou ao colapso a potência rival. Com o desmoronamento da União Soviética, a dominação do business americano, com o poder dos seus bancos à frente, parecia definitiva, um triunfo que aparecia como o fim da História.

Na América do Sul, o imperialismo americano abertamente derrubou governos democráticos, nos idos dos sessenta e setenta do século passado, propiciando a implantação de ditaduras militares cruentas, fato que contribuiu decididamente para criar sentimentos de repulsa em relação à dominação política e econômica da potência do norte, e deu origem ao surgimento e crescimento de grupos políticos que defendiam propostas de emancipação do continente do Sul.

E logo surgiu a China, como potência alternativa; e surgiu o grupo dos BRICS, os emergentes que rejeitavam o modelo do business e fortaleciam a opção de um novo caminho. E a poderosa economia do sistema financeiro globalizado e dominador mostrou instabilidade e entrou em crise. A História não havia terminado.

E é neste panorama tumultuado que surge a estrela no horizonte. Depois do Presidente negro de pai muçulmano, que recebeu de entrada o Prêmio Nobel encorajando-o a buscar a paz mundial e a justiça social; que não logrou realizar essas promessas implícitas mas abalou crenças cristalizadas e suscitou uma forte reação interna do business mais ortodoxo, criando uma radicalização política espantosa dentro da potência imperialista; depois dessa período de tensão interna incomum, eis que surge, dentro mesmo do Império, uma voz realmente nova, brilhante e socialista.

Um senador de Vermont, um estado politicamente fraco, quem diria(?!), propondo uma devassa no sistema financeiro e impostos mais pesados para os mais ricos, salário mínimo mais elevado, sistema único de saúde como o nosso e educação pública e gratuita do primário à universidade, uma revolução política orientada por um pensamento de cunho socialista, que avança nas pesquisas de opinião a ponto de ameaçar seriamente a posição da Senhora Clinton na convenção dos Democratas, caramba! Impensável, mas é! O radicalismo tem dois lados: o de direita puxa o de esquerda

São escassas, naturalmente, suas probabilidades de êxito final. Mas a sua existência, o seu vigor e o seu significado têm o brilho de uma estrela nova no horizonte. E se a potência capitalista absoluta, dominadora, imperialista, cínica, pendesse para essa inclinação nova, levando o mercado de negócios a respeitar e conviver com políticas éticas de busca da justiça e da felicidade, retomando algo da força idealista dos fundadores da democracia?

Oh, o que seria do mundo?!..

Bem, o próximo domingo é de carnaval, tempo de fantasia. Vamos respirar e esperar.




Créditos da foto: Tiffany Von Arnim / Flickr

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