Luis Nassif: Mercado reage bem ao destravamento fiscal

Autor do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o advogado Miguel Reali Jr estava ao telefone com a jornalista Sonia Racy quando recebeu a notícia do encaminhamento dado por Eduardo Cunha. Sua reação foi imediata: "O deputado guardou isso longo tempo como moeda de troca. Eu confiava no valor do nosso trabalho. Ele não merecia esse tratamento".
Ontem a Bolsa de Valores subiu e o dólar caiu. Houve quem interpretasse como reação ao pedido de impeachment.
Evidente que não foi.
A Bolsa sobe no fato, no desfecho.
Por mais que o governo de Dilma seja medíocre, se houvesse uma aposta do mercado na viabilidade do pedido, a esta altura a Bolsa estaria caindo devido ao previsível período de turbulência que se seguiria.
O fator preponderante foi o destravamento da questão fiscal e dos impasses que colocaram o país à mercê de um chantagista. E a comprovação de que gradativamente o governo começa a reagrupar sua base de apoio.

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É suficiente? É evidente que não.
A economia continua afundando em ritmo inédito.
Ontem, dados divulgados pelo IBGE mostrava a queda contínua da indústria de transformação. Em relação a outubro do ano passado, houve queda de 32,6% na produção de bens de capital e 28,7% em bens de consumo duráveis.
As causas são conhecidas.
Conforme o boletim do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), a queda se deve ao “esfacelamento da confiança do empresariado, diante de um ambiente político e econômico cada vez mais nebuloso, a elevação dos juros e a contração do crédito, o grande encolhimento do investimento público, da Petrobras e do complexo da construção pesada, além, da baixa disposição de consumir e redução da renda das famílias, têm produzido um efeito devastador sobre essas categorias”.
Dos 26 ramos industriais pesquisados pelo IBGE, 16 tiveram queda superior a 10% em relação ao mesmo mês de 2014.
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O desafio volta-se mais uma vez para a economia.
Os episódios de ontem devolveram a Dilma a capacidade de gerir a política econômica. Aprovado o CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), deslinda-se parte do nó fiscal, que ameaça paralisar estados e municípios em 2016.
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Nos próximos meses, o impeachment pairará como uma espada de Dâmocles sobre o governo. O que definirá o resultado serão as expectativas econômicas no próximo ano.
Com o pacote fiscal, Dilma ganha condições de governabilidade. Mas é pouco.
Mas não há nenhuma garantia de que será bem-sucedida. Uma reversão nas expectativas de médio prazo exigiria uma mudança radical de postura da presidente, algo do qual ela não se mostrou capaz nesses anos todos, apesar dos persistentes avisos recebidos do front econômico e político.
Até agora não há plano de voo, nem econômico, nem político.
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A crise política da Petrobras durou seis meses a mais do que o necessário, até que a diretoria fosse trocada. Saravá, Bendine!
A crise política do governo prolongou-se oito meses a mais, até ser trocada a articulação política. Saravá, Jacques Wagner!
A recessão vai durar até o limite do esgarçamento social, até se mudar a política monetária do Banco Central.
Deus é brasileiro, mas nem sua divina paciência, nem a legião de santos protetores poderá ser eternamente invocada para resolver crises de teimosia. É aproveitar a oportunidade aberta e começar a governar.

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