Gilmar Mendes segue mágoa tucana e busca segundo turno no STF

Assim como Aécio Neves e os tucanos não se conformaram com a quarta derrota consecutiva nas urnas, em 2014, e buscaram criar um terceiro turno, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, busca agora criar uma segunda votação do pleno da Corte para o rito do impeachment em ação movida pelo PCdoB.

Por Dayane Santos


Foto: Carlos Humberto-SCO-STF
Gilmar Mendes acusou os ministros que votaram diferente dele de serem “cooptados”Gilmar Mendes acusou os ministros que votaram diferente dele de serem “cooptados”
Um dia depois da votação que derrubou a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no rito do impeachment, Gilmar Mendes resolveu atacar os ministros para tentar desqualificar a sua derrota.

Apesar do profundo debate sobre o papel de guardião da Constituição do Supremo, na busca de preservar as instituições da contaminação da polarização política que agravou a crise no país, Mendes resolveu ir aos holofotes da mídia para dizer que a sessão do Supremo, na qual foi voto vencido, foi um “mar de estranhezas” e disse com todas as letras, que houve "cooptação" do STF.

“Lembra que eu tinha falado do risco de cooptação da Corte? Eu acho que nesse caso isso ocorreu”, acusa Mendes. Como seus argumentos não conseguiram convencer a maioria dos ministros, Gilmar Mendes tenta se vitimizar e acusar os membros da corte de “cooptação”.



“Mas isso é ilusório. Porque imagine que diante desse quadro de grave crise de corrupção, nós vamos ficar fazendo artificialismos jurídicos para tentar salvar, colocar um balão de oxigênio em alguém que já tem morte cerebral”, disse o ministro em entrevista à rádio Jovem Pan, ressaltando que os 26 líderes de partidos na Câmara também são cooptados.

Discurso da direita golpista

Após a frase, Mendes faz uma pausa indicando que a declaração já havia sido entendida por seus interlocutores, mas os jornalistas o questionaram para detalhar mais as suas acusações. O ministro não se fez de rogado e, usando um vocábulo da direita, disse que a Corte passa por um processo de “bolivarização”.

“É claro que há todo um projeto de bolivarização da Corte. É evidente que assim como se opera em outros ramos do Estado, também se pretende fazer isso no tribunal e, infelizmente, ontem (17) nós demos mostras disso”, declarou Mendes, afirmando que "o tribunal acabou chancelando uma política fisiológica".

Quando comparamos a postura do ministro com o debate do plenário do Supremo, é possível entender a linha inconformista de Gilmar Mendes. Ele foi o oitavo ministro a falar. Antes dele, cinco se posicionaram contrários ao voto do relator Edson Fachin, que defendeu a manutenção das manobras de Cunha.

Inquieto e visivelmente incomodado com o posicionamento de seus pares, Mendes interpelava, sem sucesso, sobre pontos vencidos.

Debate constitucional x polarização política


Como apontou Dalmo Dallari, professor emérito da USP, o debate sobre rito do impeachment pelos membros do Supremo foi “uma decisão correta e inatacável”, por se ater essencialmente à questão constitucional, e não política.

Vale dizer, caros leitores, que o consórcio oposicionista, formado pela grande imprensa e pela direita conservadora, tenta imputar uma ingerência do Poder Judiciário no Legislativo para uma suposta proteção ao governo da presidenta Dilma Rousseff contra o impeachment. Os jornais e telejornais informaram a decisão do STF como uma vitória do governo e não uma derrota das manobras que violavam o processo constitucional de Eduardo Cunha e da oposição.

A decisão do STF tratou do procedimento, ou seja, de como o jogo deve ser jogado: sob a tutela das regras constitucionais ou pela decisão de um grupo que defende seus próprios interesses? Cumprindo o seu dever de protetor da Constituição Federal e não por interesses políticos, o STF determinou que as regras devem ser claras, sem manobras ou jogo sujo.

Diferentemente da maioria dos demais ministros, Gilmar Mendes pouco se ateve aos fatos e ao processo constitucional. “Estamos tomando uma decisão casuística”, disse ele na leitura de seu voto.

Intolerância e ódio

“Ninguém vai ser salvo do impeachment por [medida] cautelar... Nós estamos seguindo ladeira abaixo, sem governo, sem condições de governar, com um modelo de fisiologismo que nos enche de vergonha”, completou o ministro indo em direção aos holofotes.

Aliás, Mendes parece tentar ocupar a vaga deixada por Joaquim Barbosa. Não mede as palavras para fazer acusações quando contrariado. Postulando como paladino da “justiça, da moral e dos bons costumes”, ele – refletindo o comportamento da elite conservadora – acusa e desqualifica qualquer um que tenha um pensamento diferente do seu. Como uma criança que não gosta de perder, Mendes novamente se retirou do plenário antes do fim da votação, sob a justificativa de que tinha “uma viagem”.

E essa não foi a primeira vez. Em setembro deste ano, durante sessão que questionava a legalidade das doações privadas para candidatos e partidos, Gilmar Mendes se desentendeu com o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, que concedeu a palavra a um representante da OAB, autor da ação, para rebater o voto do ministro. Contrariado, Mendes abandonou o plenário, antes de o advogado se manifestar.

Tentando levar o debate processual para o político e claramente atuando em direção aos holofotes da grande mídia, Mendes afirmou: “De fato, devemos ter enorme equidade para não agravar uma situação que já está muito agravada. Como disse o ministro Dias Toffoli, se um presidente não tem 173 votos, ele não consegue governar. Ele morreu. Isso tem que estar em nossas considerações”.

Destacamos dois pontos nessa declaração de Mendes que confirmam o desvio da questão constitucional para a política de interesses alheios ao país: Primeiro, o Supremo não discutiu – e nem deve – o mérito político do impeachment, pois essa é uma tarefa do Legislativo. A ação movida pelo PCdoB e acatada pela Corte diz respeito ao rito processual. Cunha manobrou e criou regras diferentes para um procedimento de debate sobre o impeachment que viola a Lei 1.079, que trata do processo sobre o impeachment, e a Constituição.

Segundo, se a presidenta Dilma não consegue governar por não ter “173 votos” e morreu, qual é a preocupação de Gilmar em seguir as regras do jogo? Se este governo não tem apoio como ele afirma, não terá vitória, então por que mudar as regras?

Para Mendes, a escolha dos membros da comissão especial a partir de indicação pelos líderes dos blocos na Câmara, como determina a lei, representa uma ameaça à democracia. Isso porque ele considera “um sistema que já é oligárquico”. Ora, ministro Gilmar Mendes, uma das vértebras da reforma política, que anularia essa “oligarquia”, era o financiamento privado de campanha, cuja ação o senhor engavetou por mais de um ano. Além do mais, Excelentíssimo, o papel da Corte Suprema não é legislar. Portanto, quem tem autonomia para mudar o sistema oligárquico não é Vossa Excelência.

A lei é dura, mas é a lei

O ministro Luís Roberto Barroso, autor do voto divergente que prevaleceu no julgamento sobre o rito do processo de impeachment, sintetizou a conduta da Corte ao reafirmar que o STF “não tem lado” e fixa regras como um “juiz de futebol”. Barroso disse que a maioria dos ministros não agiram para favorecer “A ou B” e nem segue a lógica do “amigo ou inimigo”.

“O Supremo não está nem de um lado nem do outro. Nosso papel é proteger as instituições e estabelecer regras claras. O que o Supremo decidiu, reiterando o que já havia decidido, é que há uma instância no Senado. O fato de circunstancialmente estarem A ou B numa circunstância ou outra não muda o que está posto”, afirmou Barroso.

“O Supremo já cumpriu seu papel de definir as regras do jogo. Agora a questão está para a Câmara dos Deputados. O papel do Supremo é de um bom juiz de futebol. Dar as regras e aparecer pouco”, acrescentou o ministro.

Barroso destacou que o Supremo quer resguardar as instituições e garantir o respeito à democracia conquistada “a duras penas”. “As nossas preocupações são institucionais”, declarou.

“Estamos aqui para fazer um país melhor e no longo prazo. Não estamos cuidando do varejo da vida. Já, já essa crise passa, esse governo passa e nosso papel é assegurar que a democracia que conquistamos a duras penas não seja anulada por nada”, disse o ministro.

Isso posto, segue o jogo. E que a democracia prevaleça, sempre. 


Do Portal Vermelho

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