Seymour Hersh: "Osama Bin Laden nunca foi lançado ao mar"
Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2015
Entrevista concedida pelo jornalista Seymour Hersh, ao jornalista Luis Fernando Silva Pinto, para o programa Milênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
Dos horrores da Guerra do Vietnã traduzidos na denúncia do massacre de centenas de civis no vilarejo de My Lai aos erros da guerra contra o terror, iniciada pelos Estados Unidos depois do 11 de setembro. Da falta de uma estratégia clara e objetiva no combate ao Estado Islâmico aos questionamentos sobre a versão oficial para a morte de Osama Bin Laden. Da habilidade do presidente Barack Obama em lidar com a mídia aos novos desafios do jornalismo em tempos de revolução tecnológica e conceitual. Temas delicados, por vezes explosivos, que nunca assustaram o repórter Seymour Hersh, grande nome da imprensa americana e destaque do Festival Piauí GloboNews de Jornalismo. O colaborador da revista The New Yorker falou a Luis Fernando Silva Pinto para o Milênio ainda em Washington sobre os desafios da profissão e a hora da verdade dos grandes jornais.
Luis Fernando Silva Pinto — Você trabalhou para alguns dos maiores jornais do país, o New York Times. Como os vê agora? Se fossem indivíduos, seriam descritos por você como saudáveis por você ou decrépitos?
Seymour Hersh — Acordo todo dia e fico maluco com os jornais, porque... O New York Times é de longe o melhor jornal do país, faz um trabalho de qualidade, mas com grande frequência apenas segue a linha da empresa, a Casa Branca. Não esqueça que eu apareci para o jornalismo nos dias de Nixon e Kissinger, um tempo em que começamos a derrubar a noção de presidência imperial. E era difícil para o New York Times fazer isso, tempos duros nos anos 70. Além disso, repórteres demais, por tempo demais, houve um tempo em que os caras meio que gostavam de mim. Sou de classe média, boa formação, mas não fui editor do jornal de Direito de Harvard, o Crimson, não estive em Yale, IVY League, era meio que um menino de rua, da classe trabalhadora de Chicago. Mas aí vi esse longo período em que um monte de gente elegante começou a trabalhar, vindo direto do Crimson, para os jornais. É um ponto de vista diferente. Menos sujeira debaixo das unhas, sabe? Acho, basicamente, que acabou para os jornais. Por causa da internet, por causa da velocidade da notícia hoje. E a verdade é que você pode publicar, se não consigo publicar aqui, posso ir para a London Review sem pensar duas vezes. A London Review publica online e bum! Ou seja, é um mundo diferente hoje e os garotos de hoje entendem que estamos falando de um mundo de BuzzFeed, HuffPost, é um mundo de comunicação diferente.
Luis Fernando Silva Pinto — A qualidade do jornalismo, impresso e online, na sua opinião, é comparável ou não?
Seymour Hersh — Acho que os grandes jornais ainda fazem um bom trabalho. Ainda, os jornais de Washington, ainda fazem um bom trabalho. A reportagem online, os blogs e o twitter, que têm muita coisa interessante a dizer. Pode levar a muita história maluca. A notícia circula com tamanha velocidade, sem checagem. Isso tudo me preocupa. Porque a notícia corre rápido, sem verificação. Erros terríveis são cometidos.
Luis Fernando Silva Pinto — Há toda uma geração de pessoas que cresceram lendo o Pravda ou o Granma, que se dedicaram a ler nas entrelinhas. Precisamos ler nas entrelinhas hoje? Com tudo aquilo a que estamos expostos, tudo o que você descreveu? Precisamos aprender a ler melhor?
Seymour Hersh — Estou meio chocado. Só para falar de algo bem atual. Tem o Putin, não importa o que se pense dele. Tem o Putin, com um sério problema de terrorismo, que também entende, como entendemos, que o Estado Islâmico, esse grupo maluco à solta na Síria e no Iraque, causando muitos problemas. Há um número gigantesco de homens que lutaram nos levantes islâmicos na Chechênia, contra a Rússia, houve duas guerras ali. Então temos o Putin, que sabe que o ISIS tem muitos chechenos na liderança, sabendo do medo que isso causa. E diz, “Estou chegando, sou o caubói, tenho as armas, estou indo salvá-los.” E em muitos aspectos isso é correto. E a hostilidade com que isso é recebido nos Estados Unidos e no Ocidente, parece que a Guerra Fria não acabou. “Oh, meu Deus, não é possível que ele esteja fazendo isso por conta da ameaça terrorista.” E conheço gente no governo americano, que disse na época e repete isso, que nosso passo seguinte, depois de 11 de setembro, deveria ter sido falar com Moscou. Eles sabem muito sobre isso, tiveram muito terrorismo. Em vez disso, decidimos lançar a nossa guerra contra o terror. Agora vem o Putin dizendo “Ei, vou mandar soldados, vou fazer um acordo com os iranianos, vou trazer o Hezbolá, e vamos detonar o Estado Islâmico. Vamos massacrá-los. “Em vez de dizermos “Ufa, graças a Deus!” aqui estamos, há quatorze anos, nessa guerra contra o terror, e como tem sido ruim! Não chegamos a lugar nenhum, estamos perdidos.
Luis Fernando Silva Pinto — Como você lê as suas notícias? Por muitos anos, lemos as notícias no Washington Post, no New York Times, em bons jornais do Brasil, na Europa e por aí. Sem grandes preocupações em relação à veracidade dos fatos, da maioria deles. À checagem desses dados. Na internet, o jogo é diferente. Então, volto à pergunta, será que precisamos estar atentos, precisamos ter aptidões e a agilidade, de um jeito que não tínhamos há vinte ou trinta anos, para conseguir ler, para nos informarmos?
Seymour Hersh — Você está chegando na questão que é mais difícil de ser aceita pelo mundo, que nas universidades é chamado de “pensamento crítico”. Num mundo perfeito, o que quero de educação para os meus filhos é que saiam da universidade sabendo pensar criticamente, com independência. Sabendo ler o suficiente para fazer o próprio julgamento sobre notícias, sobre o que está sendo dito, sobre propaganda. Isso sempre vai ser delicado, porque é claro que precisamos estar mais vigilantes agora, porque temos menos jornais grandes. A sofisticação da Casa Branca, da liderança de qualquer país. Olhe para o seu país, com toda a criminalidade e os problemas que vocês têm, dá para acreditar em tudo o que te vendem? A sofisticação dos governos para saber como manipular a imprensa, melhor e mais eficientemente, cresceu muito. Então, é claro, é uma resposta fácil, o cidadão comum deveria estar ciente, deveria ter com ele a sua própria informação. Mas isso não acontece.
Luis Fernando Silva Pinto — Em 1969, você foi atrás de um pedaço de informação, sobre algo que tinha acontecido no Vietnã. Era um pedacinho de informação mesmo, uma referência que tinha chegado a você e você não largou esse assunto até que fosse publicado. Você poderia contar o trabalho de reportagem em My Lai?
Seymour Hersh — A coisa importante a dizer sobre isso é que apesar de eu ter fracassado em Direito, nunca deixei de ler. Sempre. Quando vou a faculdades de Jornalismo, me pedem conselhos. Digo aos estudantes de jornalismo, quando dou palestras, primeiro, leiam antes de escrever. E isso é bem difícil, porque muita gente não quer ler antes de escrever. Digo com frequência para lerem antes de escrever. Para estarem atualizados. A segunda coisa é “Saia da frente da história”. Não existe isso de uma história sensacional. Conte a história, porque se for sensacional, isso vai aparecer nas palavras. Use as palavras, sem precisar dizer que houve um acontecimento sensacional. Ou seja, eu li sobre o Vietnã. Não apenas li os nossos jornais diários, como tentei aprender francês para poder ler Jacques Lacouture, o grande jornalista francês do Le Monde. Para ler algumas coisas em francês, e eu podia ler o suficiente para entender que ele estava contando uma história diferente da dos jornais americanos. E mais importante do que isso, li relatórios do Congresso, li os vários grupos cristãos, como Anistia Agora, grupos coletivos que estavam noticiando coisas ruins que aconteciam no Vietnã, que os grandes jornais quase nunca abordavam. Eu sabia que tinha, que não dá para se ter uma guerra sem coisas ruins acontecendo. Uma guerra de guerrilha, onde garotos americanos foram lançados, sem saber nada da cultura. Quando recebi essa dica, estava pronto para acreditar. Cheguei ao garoto que denunciou o crime inicialmente. Falava-se de um vilarejo de 540 pessoas mortas, acho que os números que ouvi no Vietnã recentemente, no início deste ano, acho que era de 508 corpos, com os nomes das vítimas. Havia ainda outros.
Luis Fernando Silva Pinto — Eram 508? Eu achava que eram 109.
Seymour Hersh — 109 foi o número da acusação dele. O exército reconheceu algo entre 350 e 550, isso eles fizeram. Mas ele foi considerado culpado, eram três pelotões, e ele era líder de um pelotão. Outros mataram tanto quanto ele e ele ficou notoriamente conhecido porque ficou. Porque falava demais. O que aconteceu foi que chegaram até esse vilarejo, achando que iam encontrar o inimigo ali, estavam no país havia três ou quatro meses, um grupo de garotos, de cidadezinhas do país. Jovens, 17, 18, 19 anos. Sem educação, achando que estavam lutando contra o comunismo, naquele país havia três meses. E não veem o inimigo, andam para lá e para cá. Uma centena de homens, uns quinze ficam feridos depois de pisar em minas. Algo que tem a ver com suas partes íntimas, todos tinham medo, cada passo dá medo, ninguém quer perder nada. E você está com raiva. Logo, eles começam a bater em alguns moradores. Os oficiais deixam fazer, porque estão corrompidos, não têm consciência. São informados que vão encontrar o inimigo no dia seguinte nesse vilarejo, My Lai 4. Naquela manhã, levantam prontos para matar ou morrer em nome da América, fazer o que fosse preciso. Levantam, vão para os helicópteros para enfrentar e matar o inimigo. E não encontram nada, apenas mulheres e crianças, e velhos. Reúnem todos e começam o massacre. Uma história terrível. Mas Calley, o grupo de Calley juntou uns 50 ou 60 civis numa vala e Calley deu a ordem para alguns soldados atirarem. Só um soldado começou a atirar, Meadlow. Outros se juntaram a ele, mas ele começou e ficou atirando. Ouvi falar nele, porque no dia seguinte, ele estava numa patrulha. Tinham acabado o dia, tinham matado todo mundo, só restavam cinzas e ruínas. Todos sabiam de tudo, mas ninguém falava nada. Ele estava andando e uma explosão arrancou a perna dele, de uma mina. Enquanto esperavam pelo socorro para levá-lo a um hospital, ele começou a gritar “Deus me puniu Calley e vai punir você! Deus me puniu e vai punir você por ordenar isso Calley!” Foi o que fez, um camponês. Conversei com algumas pessoas na época, já tinha escrito algumas reportagens, tinha aprendido algo. 36 jornais compraram a primeira história. A segunda história, acho que àquela altura, o Times de Londres estava pagando 5 mil dólares. O dinheiro estava entrando, não muito, mas entrava. E outros jornais começaram a comprar. E ficavam perguntando pela próxima história e eu não tinha, estava correndo. Mas achei Meadlow, e o jeito para achá-lo. Sabia que tinha esse garoto Meadlow, sabia a grafia do nome, e que era de Indiana. Então comecei a ligar, estava num aeroporto de Utah, onde tinha ido encontrar uma pessoa. Passei horas botando moedinhas num telefone, ligando para todos os prefixos, perguntando e finalmente achei em New Tarhod. Expliquei que era um repórter, procurando pelo filho dela, Paul, se ele estava, como estava a perna. Ela disse que ele estava bem, que não falava muito sobre aquilo, que tinha essa ferida. Perguntei se podia vê-lo. Não sei se foi por isso, mas fui muito educado, tudo certo. Peguei um avião para lá, cheguei no final da tarde do dia seguinte. Era uma granja, sem um homem à vista. Dava para ver as galinhas correndo, bem pobre. Casas de madeira, duas cabanas, uma maior e uma menor. Encostei, saí com meu terno velho. Botei a gravata, fui andando com minha maleta depois de uma noite em claro. Ela aparece e eu digo que era o cara que tinha ligado. Ela responde que sabe. Perguntei se o Paul estava, ela disse que estava lá dentro, que avisou que eu poderia aparecer. Eu perguntei se podia falar com ela e ela me disse, era uma mulher de 50 ou 60 anos, mas parecia ter 70, deve ter tido uma vida dura. As galinhas pulando em volta, a confusão. Aí essa senhora, sem uma educação de verdade, me disse algo sobre a guerra, essa frase clássica, eu nunca tinha ouvido nada assim antes. Perguntei se podia vê-lo e ela disse: “Entreguei um bom garoto e eles me devolveram um assassino.” Usei o telefone deles para ditar aos colegas em Chicago a reportagem, a entrevista, que eles publicaram em seguida. Nós diríamos que viralizou, mas não conhecíamos a expressão. Todos os jornais compraram.
Luis Fernando Silva Pinto — Você tinha trinta anos, por aí, e levou um Pullitzer. Ganhou reconhecimento mundial e muito nos Estados Unidos. O que faz um jornalista tão jovem depois de um sucesso desses?
Seymour Hersh — Fiz muita coisa investigativa, sempre fui bem agressivo. Escrevi muito sobre os índios da Dakota do Sul, e essas histórias repercutiam no leste. A AP me contratou em Chicago e me mandou para Washington. De Washington, cobri o Pentágono, e aprontei bastante.
Luis Fernando Silva Pinto — Quando e como você decidiu escrever sobre a morte do Osama Bin Laden?
Seymour Hersh — Eu fiquei sabendo em três ou quatro dias, de alguém dos EUA e de alguém do Paquistão. Uma pessoa dos EUA próxima da comunidade americana de inteligência, inclusive os “Seals”, e uma pessoa no Paquistão, próxima do ISI, o serviço de inteligência paquistanês. Nunca tive muito contato com o ISI, apesar de ter escrito muito sobre eles.
Luis Fernando Silva Pinto — O que você sabia, essencialmente, é que os paquistaneses estavam com o Osama Bin Laden há anos. E que isso era um acordo com o governo Obama.
Seymour Hersh — A história é bem simples. Estavam com ele há anos. Os sauditas pagaram uma grande quantia para que os paquistaneses não contassem e para que não o matassem. Não, não que não o matassem, porque acho que eles não se preocupavam com isso. Enquanto ele estivesse vivo, era mantido como fonte de dinheiro porque não queriam que nós entrevistássemos o Bin Laden sobre quem na Arábia Saudita estava o financiando. Claramente há muitas conexões entre certas famílias, como a Sudairi. Não tenho certeza. Ouço coisas. Também não sabemos tudo sobre o 11 de setembro, acreditamos que os sauditas têm um papel na história. É um país com muitos integrantes da família real, alguns são wahabistas e outros salafistas, como vemos hoje no Estado Islâmico. Não há dúvida que os sauditas tiveram um papel importante na oposição a Bashar desde cedo.
Luis Fernando Silva Pinto — O que a história do Bin Laden te ensinou? O que foi destacado que não tinha sido destacado antes?
Seymour Hersh — Uma coisa sempre me surpreende nessa história. Conheço pessoas que participam de missões com os “Navy Seals”. Eles são muito falados na mídia e no cinema por serem figuras heroicas e tudo mais. E são. São muito bem treinados. Mas não são suicidas! É claro que 23 ou 24 fuzileiros navais não entrariam em dois helicópteros sem cobertura aérea, sem nenhum avião vigiando sobre eles, sem armas, sem aviões americanos, atiradores, sem nada acima deles. Entrar em um país que não está em guerra conosco, um aliado! Entrar em um complexo em uma área onde todos estão armados. Todos no Paquistão, perdoe-me por revelar, os ricos andam armados. Qualquer pessoa que tem um complexo, tem seguranças. Todos armados. Sobrevoar lentamente até o local, o objetivo era descer por cordas até o pátio. Se você tivesse uma arma de chumbinho você faria isso. Entrar absolutamente sem proteção e sem segurança pesada, pegar o cara, explodir um helicóptero, trazer um helicóptero do Vietnã antigo para salvá-los porque um foi perdido. Um helicóptero capaz de carregar 55 homens.
Luis Fernando Silva Pinto — Porque os primeiros helicópteros eram...
Seymour Hersh — Eram Black Hawks que levam no máximo doze homens com pouco equipamento. E você vai voar nisso? Como sabe, ou se não sabe, mas pode olhar na internet como eu fiz, gastamos mais que nove milhões de dólares ajudando a montar o sistema de radar do Paquistão. A empresa que fez foi a Raytheon. Era o que eles chamam de 3D. Era um radar que disparava o tempo todo, e que você não podia apagar os sinais. Então a única maneira para que funcionasse, era desligando. E eles tiveram que fazer isso. Deveria ter escrito tudo isso, mas não escrevi. Eram detalhes demais. É uma história impossível. Todos com quem eu falava... Ouvi no rádio que um ex-funcionário da CIA que conhecia o “Seal” Bob Baer, dois dias após o ataque, ele falou para a mídia a mesma coisa que escrevi, dizendo que tinha que ser protegido. A força aérea paquistanesa tinha que estar por dentro disso, porque não se pode entrar sem o conhecimento da força aérea.
Luis Fernando Silva Pinto — E a história do Bin Laden sendo lançado ao mar?
Seymour Hersh — Não aconteceu. Não poderia ter acontecido. A história do mar foi que todos falaram que tinham fotos. Um excelente repórter escreveu sobre as fotografias. Esperei até uma semana antes de publicar e liguei para ele. Ele é um excelente jornalista, o Mark Bowden, que escreveu para a Vanity Fair. Disse a ele: Mark, tenho uma pergunta. Nós nos respeitamos. Aposto meu filho caçula, ou o que você quiser, que você nunca viu essas fotos. Ele respondeu: como você sabe? Então basicamente disse: sim, alguém me contou. Mas ele não escreveu isso. O que venho dizendo em entrevistas é que se a Casa Branca quer mesmo me descreditar, só precisam revelar as fotos! Claro que não o fizeram, porque as fotos não existem. É uma mentira. Qual foi o objetivo? O objetivo era reeleger o presidente. Dá para entender isso. Estávamos na primavera do ano que antecede as eleições. Todos sabiam que se isso desse certo, resolveria a questão do Obama não ser um cara firme.
Luis Fernando Silva Pinto — Deixei de te perguntar algo importante?
Seymour Hersh — Você me fez fazer algo que finjo gostar, mas que no fundo não gosto, que é falar.
Luis Fernando Silva Pinto — Você finge muito bem!
Seymour Hersh — O problema é que pode parecer que a sorte está sempre do meu lado. Estou sempre subindo o Monte Olimpo, sou especial, o sol está sempre me iluminando, sou o máximo. Isso não me ajuda. Estou sentado aqui te contando todas as coisas maravilhosas que fiz. Fiz My Lai e todas essas coisas maravilhosas. Isso não me ajuda. Já pedi demissão de vários empregos. E sempre que saía, apesar de todos esses prêmios aqui na parede, as pessoas comemoravam! Eu crio muitos problemas para muita gente, especialmente para os editores. Odeio o fato do Obama controlar tão bem a imprensa. Acho que ele é o melhor que já vi. Odeio quando ele liga para seis ou oito repórteres ou colunistas antes de um grande evento e passa informações exclusivas. Eles vão, escrevem matérias e isso acaba eventualmente sendo revelado. Acho que não deveríamos estar correndo para a Casa Branca para ouvir do presidente informações exclusivas sobre alguma política pública que será revelada em três dias, depois correr de volta como papagaios e repetir tudo aquilo. Isso não é reportagem, é estenografia.
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Entrevista concedida pelo jornalista Seymour Hersh, ao jornalista Luis Fernando Silva Pinto, para o programa Milênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
Dos horrores da Guerra do Vietnã traduzidos na denúncia do massacre de centenas de civis no vilarejo de My Lai aos erros da guerra contra o terror, iniciada pelos Estados Unidos depois do 11 de setembro. Da falta de uma estratégia clara e objetiva no combate ao Estado Islâmico aos questionamentos sobre a versão oficial para a morte de Osama Bin Laden. Da habilidade do presidente Barack Obama em lidar com a mídia aos novos desafios do jornalismo em tempos de revolução tecnológica e conceitual. Temas delicados, por vezes explosivos, que nunca assustaram o repórter Seymour Hersh, grande nome da imprensa americana e destaque do Festival Piauí GloboNews de Jornalismo. O colaborador da revista The New Yorker falou a Luis Fernando Silva Pinto para o Milênio ainda em Washington sobre os desafios da profissão e a hora da verdade dos grandes jornais.
Luis Fernando Silva Pinto — Você trabalhou para alguns dos maiores jornais do país, o New York Times. Como os vê agora? Se fossem indivíduos, seriam descritos por você como saudáveis por você ou decrépitos?
Seymour Hersh — Acordo todo dia e fico maluco com os jornais, porque... O New York Times é de longe o melhor jornal do país, faz um trabalho de qualidade, mas com grande frequência apenas segue a linha da empresa, a Casa Branca. Não esqueça que eu apareci para o jornalismo nos dias de Nixon e Kissinger, um tempo em que começamos a derrubar a noção de presidência imperial. E era difícil para o New York Times fazer isso, tempos duros nos anos 70. Além disso, repórteres demais, por tempo demais, houve um tempo em que os caras meio que gostavam de mim. Sou de classe média, boa formação, mas não fui editor do jornal de Direito de Harvard, o Crimson, não estive em Yale, IVY League, era meio que um menino de rua, da classe trabalhadora de Chicago. Mas aí vi esse longo período em que um monte de gente elegante começou a trabalhar, vindo direto do Crimson, para os jornais. É um ponto de vista diferente. Menos sujeira debaixo das unhas, sabe? Acho, basicamente, que acabou para os jornais. Por causa da internet, por causa da velocidade da notícia hoje. E a verdade é que você pode publicar, se não consigo publicar aqui, posso ir para a London Review sem pensar duas vezes. A London Review publica online e bum! Ou seja, é um mundo diferente hoje e os garotos de hoje entendem que estamos falando de um mundo de BuzzFeed, HuffPost, é um mundo de comunicação diferente.
Luis Fernando Silva Pinto — A qualidade do jornalismo, impresso e online, na sua opinião, é comparável ou não?
Seymour Hersh — Acho que os grandes jornais ainda fazem um bom trabalho. Ainda, os jornais de Washington, ainda fazem um bom trabalho. A reportagem online, os blogs e o twitter, que têm muita coisa interessante a dizer. Pode levar a muita história maluca. A notícia circula com tamanha velocidade, sem checagem. Isso tudo me preocupa. Porque a notícia corre rápido, sem verificação. Erros terríveis são cometidos.
Luis Fernando Silva Pinto — Há toda uma geração de pessoas que cresceram lendo o Pravda ou o Granma, que se dedicaram a ler nas entrelinhas. Precisamos ler nas entrelinhas hoje? Com tudo aquilo a que estamos expostos, tudo o que você descreveu? Precisamos aprender a ler melhor?
Seymour Hersh — Estou meio chocado. Só para falar de algo bem atual. Tem o Putin, não importa o que se pense dele. Tem o Putin, com um sério problema de terrorismo, que também entende, como entendemos, que o Estado Islâmico, esse grupo maluco à solta na Síria e no Iraque, causando muitos problemas. Há um número gigantesco de homens que lutaram nos levantes islâmicos na Chechênia, contra a Rússia, houve duas guerras ali. Então temos o Putin, que sabe que o ISIS tem muitos chechenos na liderança, sabendo do medo que isso causa. E diz, “Estou chegando, sou o caubói, tenho as armas, estou indo salvá-los.” E em muitos aspectos isso é correto. E a hostilidade com que isso é recebido nos Estados Unidos e no Ocidente, parece que a Guerra Fria não acabou. “Oh, meu Deus, não é possível que ele esteja fazendo isso por conta da ameaça terrorista.” E conheço gente no governo americano, que disse na época e repete isso, que nosso passo seguinte, depois de 11 de setembro, deveria ter sido falar com Moscou. Eles sabem muito sobre isso, tiveram muito terrorismo. Em vez disso, decidimos lançar a nossa guerra contra o terror. Agora vem o Putin dizendo “Ei, vou mandar soldados, vou fazer um acordo com os iranianos, vou trazer o Hezbolá, e vamos detonar o Estado Islâmico. Vamos massacrá-los. “Em vez de dizermos “Ufa, graças a Deus!” aqui estamos, há quatorze anos, nessa guerra contra o terror, e como tem sido ruim! Não chegamos a lugar nenhum, estamos perdidos.
Luis Fernando Silva Pinto — Como você lê as suas notícias? Por muitos anos, lemos as notícias no Washington Post, no New York Times, em bons jornais do Brasil, na Europa e por aí. Sem grandes preocupações em relação à veracidade dos fatos, da maioria deles. À checagem desses dados. Na internet, o jogo é diferente. Então, volto à pergunta, será que precisamos estar atentos, precisamos ter aptidões e a agilidade, de um jeito que não tínhamos há vinte ou trinta anos, para conseguir ler, para nos informarmos?
Seymour Hersh — Você está chegando na questão que é mais difícil de ser aceita pelo mundo, que nas universidades é chamado de “pensamento crítico”. Num mundo perfeito, o que quero de educação para os meus filhos é que saiam da universidade sabendo pensar criticamente, com independência. Sabendo ler o suficiente para fazer o próprio julgamento sobre notícias, sobre o que está sendo dito, sobre propaganda. Isso sempre vai ser delicado, porque é claro que precisamos estar mais vigilantes agora, porque temos menos jornais grandes. A sofisticação da Casa Branca, da liderança de qualquer país. Olhe para o seu país, com toda a criminalidade e os problemas que vocês têm, dá para acreditar em tudo o que te vendem? A sofisticação dos governos para saber como manipular a imprensa, melhor e mais eficientemente, cresceu muito. Então, é claro, é uma resposta fácil, o cidadão comum deveria estar ciente, deveria ter com ele a sua própria informação. Mas isso não acontece.
Luis Fernando Silva Pinto — Em 1969, você foi atrás de um pedaço de informação, sobre algo que tinha acontecido no Vietnã. Era um pedacinho de informação mesmo, uma referência que tinha chegado a você e você não largou esse assunto até que fosse publicado. Você poderia contar o trabalho de reportagem em My Lai?
Seymour Hersh — A coisa importante a dizer sobre isso é que apesar de eu ter fracassado em Direito, nunca deixei de ler. Sempre. Quando vou a faculdades de Jornalismo, me pedem conselhos. Digo aos estudantes de jornalismo, quando dou palestras, primeiro, leiam antes de escrever. E isso é bem difícil, porque muita gente não quer ler antes de escrever. Digo com frequência para lerem antes de escrever. Para estarem atualizados. A segunda coisa é “Saia da frente da história”. Não existe isso de uma história sensacional. Conte a história, porque se for sensacional, isso vai aparecer nas palavras. Use as palavras, sem precisar dizer que houve um acontecimento sensacional. Ou seja, eu li sobre o Vietnã. Não apenas li os nossos jornais diários, como tentei aprender francês para poder ler Jacques Lacouture, o grande jornalista francês do Le Monde. Para ler algumas coisas em francês, e eu podia ler o suficiente para entender que ele estava contando uma história diferente da dos jornais americanos. E mais importante do que isso, li relatórios do Congresso, li os vários grupos cristãos, como Anistia Agora, grupos coletivos que estavam noticiando coisas ruins que aconteciam no Vietnã, que os grandes jornais quase nunca abordavam. Eu sabia que tinha, que não dá para se ter uma guerra sem coisas ruins acontecendo. Uma guerra de guerrilha, onde garotos americanos foram lançados, sem saber nada da cultura. Quando recebi essa dica, estava pronto para acreditar. Cheguei ao garoto que denunciou o crime inicialmente. Falava-se de um vilarejo de 540 pessoas mortas, acho que os números que ouvi no Vietnã recentemente, no início deste ano, acho que era de 508 corpos, com os nomes das vítimas. Havia ainda outros.
Luis Fernando Silva Pinto — Eram 508? Eu achava que eram 109.
Seymour Hersh — 109 foi o número da acusação dele. O exército reconheceu algo entre 350 e 550, isso eles fizeram. Mas ele foi considerado culpado, eram três pelotões, e ele era líder de um pelotão. Outros mataram tanto quanto ele e ele ficou notoriamente conhecido porque ficou. Porque falava demais. O que aconteceu foi que chegaram até esse vilarejo, achando que iam encontrar o inimigo ali, estavam no país havia três ou quatro meses, um grupo de garotos, de cidadezinhas do país. Jovens, 17, 18, 19 anos. Sem educação, achando que estavam lutando contra o comunismo, naquele país havia três meses. E não veem o inimigo, andam para lá e para cá. Uma centena de homens, uns quinze ficam feridos depois de pisar em minas. Algo que tem a ver com suas partes íntimas, todos tinham medo, cada passo dá medo, ninguém quer perder nada. E você está com raiva. Logo, eles começam a bater em alguns moradores. Os oficiais deixam fazer, porque estão corrompidos, não têm consciência. São informados que vão encontrar o inimigo no dia seguinte nesse vilarejo, My Lai 4. Naquela manhã, levantam prontos para matar ou morrer em nome da América, fazer o que fosse preciso. Levantam, vão para os helicópteros para enfrentar e matar o inimigo. E não encontram nada, apenas mulheres e crianças, e velhos. Reúnem todos e começam o massacre. Uma história terrível. Mas Calley, o grupo de Calley juntou uns 50 ou 60 civis numa vala e Calley deu a ordem para alguns soldados atirarem. Só um soldado começou a atirar, Meadlow. Outros se juntaram a ele, mas ele começou e ficou atirando. Ouvi falar nele, porque no dia seguinte, ele estava numa patrulha. Tinham acabado o dia, tinham matado todo mundo, só restavam cinzas e ruínas. Todos sabiam de tudo, mas ninguém falava nada. Ele estava andando e uma explosão arrancou a perna dele, de uma mina. Enquanto esperavam pelo socorro para levá-lo a um hospital, ele começou a gritar “Deus me puniu Calley e vai punir você! Deus me puniu e vai punir você por ordenar isso Calley!” Foi o que fez, um camponês. Conversei com algumas pessoas na época, já tinha escrito algumas reportagens, tinha aprendido algo. 36 jornais compraram a primeira história. A segunda história, acho que àquela altura, o Times de Londres estava pagando 5 mil dólares. O dinheiro estava entrando, não muito, mas entrava. E outros jornais começaram a comprar. E ficavam perguntando pela próxima história e eu não tinha, estava correndo. Mas achei Meadlow, e o jeito para achá-lo. Sabia que tinha esse garoto Meadlow, sabia a grafia do nome, e que era de Indiana. Então comecei a ligar, estava num aeroporto de Utah, onde tinha ido encontrar uma pessoa. Passei horas botando moedinhas num telefone, ligando para todos os prefixos, perguntando e finalmente achei em New Tarhod. Expliquei que era um repórter, procurando pelo filho dela, Paul, se ele estava, como estava a perna. Ela disse que ele estava bem, que não falava muito sobre aquilo, que tinha essa ferida. Perguntei se podia vê-lo. Não sei se foi por isso, mas fui muito educado, tudo certo. Peguei um avião para lá, cheguei no final da tarde do dia seguinte. Era uma granja, sem um homem à vista. Dava para ver as galinhas correndo, bem pobre. Casas de madeira, duas cabanas, uma maior e uma menor. Encostei, saí com meu terno velho. Botei a gravata, fui andando com minha maleta depois de uma noite em claro. Ela aparece e eu digo que era o cara que tinha ligado. Ela responde que sabe. Perguntei se o Paul estava, ela disse que estava lá dentro, que avisou que eu poderia aparecer. Eu perguntei se podia falar com ela e ela me disse, era uma mulher de 50 ou 60 anos, mas parecia ter 70, deve ter tido uma vida dura. As galinhas pulando em volta, a confusão. Aí essa senhora, sem uma educação de verdade, me disse algo sobre a guerra, essa frase clássica, eu nunca tinha ouvido nada assim antes. Perguntei se podia vê-lo e ela disse: “Entreguei um bom garoto e eles me devolveram um assassino.” Usei o telefone deles para ditar aos colegas em Chicago a reportagem, a entrevista, que eles publicaram em seguida. Nós diríamos que viralizou, mas não conhecíamos a expressão. Todos os jornais compraram.
Luis Fernando Silva Pinto — Você tinha trinta anos, por aí, e levou um Pullitzer. Ganhou reconhecimento mundial e muito nos Estados Unidos. O que faz um jornalista tão jovem depois de um sucesso desses?
Seymour Hersh — Fiz muita coisa investigativa, sempre fui bem agressivo. Escrevi muito sobre os índios da Dakota do Sul, e essas histórias repercutiam no leste. A AP me contratou em Chicago e me mandou para Washington. De Washington, cobri o Pentágono, e aprontei bastante.
Luis Fernando Silva Pinto — Quando e como você decidiu escrever sobre a morte do Osama Bin Laden?
Seymour Hersh — Eu fiquei sabendo em três ou quatro dias, de alguém dos EUA e de alguém do Paquistão. Uma pessoa dos EUA próxima da comunidade americana de inteligência, inclusive os “Seals”, e uma pessoa no Paquistão, próxima do ISI, o serviço de inteligência paquistanês. Nunca tive muito contato com o ISI, apesar de ter escrito muito sobre eles.
Luis Fernando Silva Pinto — O que você sabia, essencialmente, é que os paquistaneses estavam com o Osama Bin Laden há anos. E que isso era um acordo com o governo Obama.
Seymour Hersh — A história é bem simples. Estavam com ele há anos. Os sauditas pagaram uma grande quantia para que os paquistaneses não contassem e para que não o matassem. Não, não que não o matassem, porque acho que eles não se preocupavam com isso. Enquanto ele estivesse vivo, era mantido como fonte de dinheiro porque não queriam que nós entrevistássemos o Bin Laden sobre quem na Arábia Saudita estava o financiando. Claramente há muitas conexões entre certas famílias, como a Sudairi. Não tenho certeza. Ouço coisas. Também não sabemos tudo sobre o 11 de setembro, acreditamos que os sauditas têm um papel na história. É um país com muitos integrantes da família real, alguns são wahabistas e outros salafistas, como vemos hoje no Estado Islâmico. Não há dúvida que os sauditas tiveram um papel importante na oposição a Bashar desde cedo.
Luis Fernando Silva Pinto — O que a história do Bin Laden te ensinou? O que foi destacado que não tinha sido destacado antes?
Seymour Hersh — Uma coisa sempre me surpreende nessa história. Conheço pessoas que participam de missões com os “Navy Seals”. Eles são muito falados na mídia e no cinema por serem figuras heroicas e tudo mais. E são. São muito bem treinados. Mas não são suicidas! É claro que 23 ou 24 fuzileiros navais não entrariam em dois helicópteros sem cobertura aérea, sem nenhum avião vigiando sobre eles, sem armas, sem aviões americanos, atiradores, sem nada acima deles. Entrar em um país que não está em guerra conosco, um aliado! Entrar em um complexo em uma área onde todos estão armados. Todos no Paquistão, perdoe-me por revelar, os ricos andam armados. Qualquer pessoa que tem um complexo, tem seguranças. Todos armados. Sobrevoar lentamente até o local, o objetivo era descer por cordas até o pátio. Se você tivesse uma arma de chumbinho você faria isso. Entrar absolutamente sem proteção e sem segurança pesada, pegar o cara, explodir um helicóptero, trazer um helicóptero do Vietnã antigo para salvá-los porque um foi perdido. Um helicóptero capaz de carregar 55 homens.
Luis Fernando Silva Pinto — Porque os primeiros helicópteros eram...
Seymour Hersh — Eram Black Hawks que levam no máximo doze homens com pouco equipamento. E você vai voar nisso? Como sabe, ou se não sabe, mas pode olhar na internet como eu fiz, gastamos mais que nove milhões de dólares ajudando a montar o sistema de radar do Paquistão. A empresa que fez foi a Raytheon. Era o que eles chamam de 3D. Era um radar que disparava o tempo todo, e que você não podia apagar os sinais. Então a única maneira para que funcionasse, era desligando. E eles tiveram que fazer isso. Deveria ter escrito tudo isso, mas não escrevi. Eram detalhes demais. É uma história impossível. Todos com quem eu falava... Ouvi no rádio que um ex-funcionário da CIA que conhecia o “Seal” Bob Baer, dois dias após o ataque, ele falou para a mídia a mesma coisa que escrevi, dizendo que tinha que ser protegido. A força aérea paquistanesa tinha que estar por dentro disso, porque não se pode entrar sem o conhecimento da força aérea.
Luis Fernando Silva Pinto — E a história do Bin Laden sendo lançado ao mar?
Seymour Hersh — Não aconteceu. Não poderia ter acontecido. A história do mar foi que todos falaram que tinham fotos. Um excelente repórter escreveu sobre as fotografias. Esperei até uma semana antes de publicar e liguei para ele. Ele é um excelente jornalista, o Mark Bowden, que escreveu para a Vanity Fair. Disse a ele: Mark, tenho uma pergunta. Nós nos respeitamos. Aposto meu filho caçula, ou o que você quiser, que você nunca viu essas fotos. Ele respondeu: como você sabe? Então basicamente disse: sim, alguém me contou. Mas ele não escreveu isso. O que venho dizendo em entrevistas é que se a Casa Branca quer mesmo me descreditar, só precisam revelar as fotos! Claro que não o fizeram, porque as fotos não existem. É uma mentira. Qual foi o objetivo? O objetivo era reeleger o presidente. Dá para entender isso. Estávamos na primavera do ano que antecede as eleições. Todos sabiam que se isso desse certo, resolveria a questão do Obama não ser um cara firme.
Luis Fernando Silva Pinto — Deixei de te perguntar algo importante?
Seymour Hersh — Você me fez fazer algo que finjo gostar, mas que no fundo não gosto, que é falar.
Luis Fernando Silva Pinto — Você finge muito bem!
Seymour Hersh — O problema é que pode parecer que a sorte está sempre do meu lado. Estou sempre subindo o Monte Olimpo, sou especial, o sol está sempre me iluminando, sou o máximo. Isso não me ajuda. Estou sentado aqui te contando todas as coisas maravilhosas que fiz. Fiz My Lai e todas essas coisas maravilhosas. Isso não me ajuda. Já pedi demissão de vários empregos. E sempre que saía, apesar de todos esses prêmios aqui na parede, as pessoas comemoravam! Eu crio muitos problemas para muita gente, especialmente para os editores. Odeio o fato do Obama controlar tão bem a imprensa. Acho que ele é o melhor que já vi. Odeio quando ele liga para seis ou oito repórteres ou colunistas antes de um grande evento e passa informações exclusivas. Eles vão, escrevem matérias e isso acaba eventualmente sendo revelado. Acho que não deveríamos estar correndo para a Casa Branca para ouvir do presidente informações exclusivas sobre alguma política pública que será revelada em três dias, depois correr de volta como papagaios e repetir tudo aquilo. Isso não é reportagem, é estenografia.
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