Henrique Beirangê: Ladrões do futuro
Cartel da Merenda
A corrupção na compra de material escolar financiado pelo estado
por Henrique Beirangê — na Carta Capital - publicado 14/11/2015
O tucano Ortiz Júnior, prefeito de Taubaté, liderava o esquema |
O início deste ano começou mais pobre nas escolas da rede estadual de São Paulo. O governo reduziu a verba para a compra de material escolar. Segundo diretores, até a aquisição de papel higiênico foi reduzida. Os cortes foram realizados, pois a verba não era usada em sua totalidade pelos gestores. Explicação curiosa. Se o pano de fundo é contenção de despesas, a falta de prioridade com o ensino ganha ares mais dramáticos quando são revelados os bastidores de como o dinheiro público que devia custear a educação é surrupiado.
Acaba de chegar à Justiça o resultado de uma investigação de três anos do Ministério Público que revela os detalhes de como funcionava um cartel de empresas envolvidas na venda de material escolar. A apuração indica um esquema de combinação de preços e troca de e-mails entre os envolvidos para o acerto dos valores em licitações milionárias.
O depoimento mais chocante é de um lobista ligado ao prefeito de Taubaté, Ortiz Júnior, do PSDB, e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão responsável pela viabilização de políticas educacionais no estado, além de reformas em prédios e compra de material escolar. O prefeito chegou a ser cassado por conta dessa investigação e hoje está no cargo graças a uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, mas os detalhes do esquema e das negociações só agora vieram à tona.
O lobista conta que conheceu o tucano ainda em 2007, quando Ortiz Júnior se candidatou pela primeira vez à prefeitura da cidade do interior paulista. Diretor de uma empresa da área de material escolar, o delator informou ao MP que, por meio de caixa 2, doou 400 mil reais à campanha do prefeito. A partir daquele momento o conflito entre o público e o privado no ninho tucano ficaria mais incestuoso. Ortiz Júnior não ganhou as eleições, mas seu pai, Bernardo Ortiz, ex-prefeito de Taubaté por três mandatos, foi agraciado com a presidência da FDE em 2011.
Ortiz Júnior tinha um apetite voraz pelos recursos públicos. O lobista diz que o então candidato à prefeitura pediu para ser aproximado a fornecedores de material escolar e mochilas da FDE. O tucano foi claro: precisava arrecadar entre 7 e 8 milhões de reais. A contribuição correspondia a 10% dos contratos das empresas com a fundação administrada por seu pai. O lobista ficou interessado, pois ganharia uma comissão.
Ortiz Júnior foi além. Se ganhasse as eleições, além da FDE, as empresas teriam acesso livre à prefeitura. Como promessa é dívida, mesmo após as investigações terem sido iniciadas, a Capricórnio, uma das companhias apontadas na denúncia do MP, levou parte de um contrato de 722 mil reais em junho deste ano para fornecimento de brinquedos para a rede municipal de ensino.
Os encontros com os empresários funcionavam a todo vapor. Um deles ocorreu no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Na presença de representantes das empresas LV, EXXELL 3000, Bignardi e Gimba, o lobista conta que o tucano acertou como seria o próximo edital para a compra de materiais escolares na FDE. Ficou acertado que seriam exigidos materiais reciclados em diversos kits, produto de difícil acesso no mercado que restringiria o caráter competitivo da licitação. Decidiu-se que Ortiz Júnior não levaria 10%, mas 5% de propina. O tucano não teria gostado, mas resolveu aceitar, pois outra empresa, a Diana Paolucci, teria aceito pagar os 10% de comissão.
O valor, segundo o lobista, foi combinado com Abelardo Paolucci, dono da empresa e chamado de “Atordoado”, apelido por causa de suas atitudes extravagantes e radicais. A Diana receberia informações adiantadas do teor do edital e teria tempo para cotar os preços e entregar a proposta, algo impraticável para os concorrentes em razão do exíguo tempo entre a publicação da licitação e a entrega das propostas.
O lobista conta ainda que Ortiz Júnior pediu a ele outros 100 mil reais para que ele pudesse “angariar” novos apoios partidários à sua candidatura. Foram dois pagamentos de 33 mil e um último de 34 mil reais. O canhoto do cheque emitido comprova que o dinheiro foi repassado e a microfilmagem mostra que um coordenador de marketing do prefeito teria sido o responsável pelos saques. O tucano tinha até despesas de hotel pagas pelo lobista. Em uma das ocasiões, diz o delator, seu motorista foi buscar o prefeito em um dos hotéis e o político repassou cópias das despesas de estadia: “Entrega aí para o chefe e diga para ele me reembolsar isto aqui”, pediu ao motorista.
Os encontros com o prefeito de Taubaté chegaram a ser realizados na sede da FDE. O clima entre o lobista e os empresários começou a mudar em 2012, quando as comissões devidas começaram a atrasar. Irritado, ele foi diretamente ao pai de Ortiz Júnior denunciar as irregularidades, munido das cópias de e-mails. Ortiz pai parece não ter dado ouvidos à denúncia e disse ao lobista que na FDE “não tinha esse tipo de esquema”.
De acordo com o Ministério Público, as empresas não só atuavam na FDE, mas nas prefeituras de São Paulo durante a gestão Kassab e nos municípios de Hortolândia, Itapevi, Santana de Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus e no estado de Santa Catarina. Foram denunciados Abelardo Paolucci, Maurício Paolucci, Antonio Carlos Leskovar Borelli, Roberto Giro Nakano, Júlio Manfredini, Gustavo Manfredini e Daniel Manfredini pelos crimes de cartel.
Ortiz pai deixou a FDE em 2013. Já a investigação criminal contra o prefeito de Taubaté foi parar na Procuradoria Regional Eleitoral faz mais de um ano. Apesar do longo tempo, não há prazo para o oferecimento da denúncia.
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