Como o Poder Judiciário sacia sua fome e garante sua casa
Os juízes e desembargadores gaúchos vão receber, individualmente, R$ 38,3 mil de auxílio alimentação. O poder judiciário outorga privilégios a si mesmo.
Jacques Távora Alfonsin - Carta Maior - 06/11/2015
A Zero Hora destaca que esse auxílio vai se estender ao Ministério Público e à Defensoria. Nesse jornal, o escândalo da notícia se comprova ao lado da nota. Apesar do déficit orçamentário do Estado, previsto para 2016, subir a R$4,6 bilhões, o presidente da Famurs, Luiz Carlos Folador, “está pedindo ao relator do Orçamento na Comissão de Finanças, Marlon Santos, quatro emendas, sendo R$80 milhões para financiamento do transporte escolar, R$120 milhões para custeio dos hospitais de pequeno porte, R$100 milhões para acessos asfálticos e R$4 milhões a mais para o Fundo de Assistência social.”
Resposta do relator: “Estamos repartindo miséria. É muito difícil contemplar todos os pedidos.” Miséria seletiva, então, como a história tem repetido. Como sempre, os tais auxílios ao Poder Judiciário passam longe dela.
Se necessidades públicas como aquelas cuja satisfação é inadiável, reivindicadas pelo presidente da Famurs - transporte escolar, hospitais de pequeno porte, acessos asfálticos, fundos de assistência social - forem comparadas com benesses salariais estendidas a essas carreiras jurídicas, podemos retirar algumas conclusões dessa desigualdade imoral:
A primeira, mais do que óbvia, explica e justifica a inconformidade e até a indignação do povo com vantagens salariais levadas a um tal patamar, acrescentadas a quem já é tão bem remunerado. Como explicar isso a pessoas que recebem o bolsa família para mal poder se alimentar, outras que se socorrem do programa Minha Casa, Minha Vida para poder adquirir casa própria, um sem número de desempregadas, de sem-teto e de sem-terra, lutam diariamente para simplesmente sobreviver, não faltando, para tanto, o preconceito generalizado de que se encontram nessa situação por sua única e exclusiva responsabilidade?
Seria justo medir quanto dinheiro as políticas sociais responsáveis por manter toda essa multidão viva, nem que seja num padrão básico de dignidade, estão perdendo com o auxílio moradia e o auxílio alimentação pagos a quem agora está “legalmente” (!?) habilitado a recebê-los.
A segunda pode ser vista nas razões de serem utilizados subterfúgios para aumentar o valor dos salários de carreiras jurídicas, sonegando indiretamente o imposto de renda e dessa forma lesando toda a população carente de serviços públicos. Isso envergonha, e muito, as/os integrantes honestas/es e probas/os dessas carreiras, ao ponto de se obrigarem a renunciar aos tais penduricalhos.
Conforme reconheceu o próprio desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Estado, de acordo com o site da Guaíba “admite que a medida causa antipatia da sociedade. A reserva de simpatia da população com o Poder Judiciário se desgasta. Eu não acho que nós percamos credibilidade, porque isso vem do trabalho e das decisões. Mas não é nem um pouco simpático, aumento de salário de quem ganha mais é sempre difícil, e aumento de salário indireto, com nome de auxílio, é menos simpático ainda. A perda do ponto de vista da imagem do Poder Judiciário é evidente”.
Perde credibilidade sim, pois é exatamente no trabalho e nas decisões da magistratura que o povo avalia a conduta pessoal de quem representa esse Poder. O Judiciário é um servidor do povo, trabalha por ele, para ele e com ele. De qual autoridade vai se valer quando está subtraindo de quem serve parte substancial dos recursos necessários para garantir o gozo e o exercício de direitos humanos fundamentais sociais devidos como prioritários, pelo Poder Público, como condição de vida e liberdade?
É preciso sublinhar-se a gravidade dessa falta. Trata-se do reconhecimento de uma pura e simples simulação. Os auxílios, seja o de moradia, seja o de alimentação, de auxílio só tem o nome, como o próprio desembargador reconhece, nisso se comprovando, pois, a existência de um vício legal, de forma e conteúdo, diuturnamente enfrentado pelo Poder Judiciário e por ele, paradoxalmente, punido, civil e penalmente.
Pode e deve punir o que ele mesmo faz? O art. 167, parágrafo primeiro, inciso II do Código Civil, por exemplo, retira todo ou parte de qualquer efeito de negócios jurídicos nos quais se verifique simulação. Ela é suficiente para serem declarados nulos, quando “contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira”.
Bem, vão afirmar as/os as/defensoras/es desses auxílios: isso só vale para negócios jurídicos e lá no Direito Privado. Para contrariar-se essa desculpa nem há necessidade de se lembrar que o Direito Privado tem de ser interpretado em harmonia com a Constituição Federal. “Cláusula não verdadeira”, igualmente, constitui ilícito passível de rejeição em qualquer contexto, não exclusivamente jurídico. Assim, a simulação é imoral também e, justamente por enganar e mentir, ela obriga o Poder Judiciário a não se socorrer dela, pelo artigo 37 da mesma Constituição, seja a pretexto do que for, independentemente de outra qualquer consideração.
Esse Poder está sujeito ao princípio constitucional da moralidade, não simulando, não enganando e não mentindo. Nos artigos 171 a 179 do Código Penal, aliás, quando esse trata dos crimes de estelionato e outras fraudes, não faltam disposições semelhantes para demonstrar que a simulação não é somente um ilícito jurídico civil e privado. Se assim fosse, toda essa crise política vivida atualmente no país, já teria sido vencida sem qualquer cogitação dos ilícitos morais responsáveis pela sua eclosão.
Numa das famosas bem aventuranças louvadas por Jesus Cristo, disse ele: “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Evangelho de São Lucas, capítulo 5, versículo 6). É uma lástima, mas o Poder Judiciário brasileiro, com as exceções de sempre - ainda bem - à vista dos privilégios outorgados a si mesmo, não está muito interessado em se saciar desse pão, beber dessa água, nem reparti-lo/a nas casas onde mora, muito menos nos tribunais onde trabalha.
A Zero Hora destaca que esse auxílio vai se estender ao Ministério Público e à Defensoria. Nesse jornal, o escândalo da notícia se comprova ao lado da nota. Apesar do déficit orçamentário do Estado, previsto para 2016, subir a R$4,6 bilhões, o presidente da Famurs, Luiz Carlos Folador, “está pedindo ao relator do Orçamento na Comissão de Finanças, Marlon Santos, quatro emendas, sendo R$80 milhões para financiamento do transporte escolar, R$120 milhões para custeio dos hospitais de pequeno porte, R$100 milhões para acessos asfálticos e R$4 milhões a mais para o Fundo de Assistência social.”
Resposta do relator: “Estamos repartindo miséria. É muito difícil contemplar todos os pedidos.” Miséria seletiva, então, como a história tem repetido. Como sempre, os tais auxílios ao Poder Judiciário passam longe dela.
Se necessidades públicas como aquelas cuja satisfação é inadiável, reivindicadas pelo presidente da Famurs - transporte escolar, hospitais de pequeno porte, acessos asfálticos, fundos de assistência social - forem comparadas com benesses salariais estendidas a essas carreiras jurídicas, podemos retirar algumas conclusões dessa desigualdade imoral:
A primeira, mais do que óbvia, explica e justifica a inconformidade e até a indignação do povo com vantagens salariais levadas a um tal patamar, acrescentadas a quem já é tão bem remunerado. Como explicar isso a pessoas que recebem o bolsa família para mal poder se alimentar, outras que se socorrem do programa Minha Casa, Minha Vida para poder adquirir casa própria, um sem número de desempregadas, de sem-teto e de sem-terra, lutam diariamente para simplesmente sobreviver, não faltando, para tanto, o preconceito generalizado de que se encontram nessa situação por sua única e exclusiva responsabilidade?
Seria justo medir quanto dinheiro as políticas sociais responsáveis por manter toda essa multidão viva, nem que seja num padrão básico de dignidade, estão perdendo com o auxílio moradia e o auxílio alimentação pagos a quem agora está “legalmente” (!?) habilitado a recebê-los.
A segunda pode ser vista nas razões de serem utilizados subterfúgios para aumentar o valor dos salários de carreiras jurídicas, sonegando indiretamente o imposto de renda e dessa forma lesando toda a população carente de serviços públicos. Isso envergonha, e muito, as/os integrantes honestas/es e probas/os dessas carreiras, ao ponto de se obrigarem a renunciar aos tais penduricalhos.
Conforme reconheceu o próprio desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Estado, de acordo com o site da Guaíba “admite que a medida causa antipatia da sociedade. A reserva de simpatia da população com o Poder Judiciário se desgasta. Eu não acho que nós percamos credibilidade, porque isso vem do trabalho e das decisões. Mas não é nem um pouco simpático, aumento de salário de quem ganha mais é sempre difícil, e aumento de salário indireto, com nome de auxílio, é menos simpático ainda. A perda do ponto de vista da imagem do Poder Judiciário é evidente”.
Perde credibilidade sim, pois é exatamente no trabalho e nas decisões da magistratura que o povo avalia a conduta pessoal de quem representa esse Poder. O Judiciário é um servidor do povo, trabalha por ele, para ele e com ele. De qual autoridade vai se valer quando está subtraindo de quem serve parte substancial dos recursos necessários para garantir o gozo e o exercício de direitos humanos fundamentais sociais devidos como prioritários, pelo Poder Público, como condição de vida e liberdade?
É preciso sublinhar-se a gravidade dessa falta. Trata-se do reconhecimento de uma pura e simples simulação. Os auxílios, seja o de moradia, seja o de alimentação, de auxílio só tem o nome, como o próprio desembargador reconhece, nisso se comprovando, pois, a existência de um vício legal, de forma e conteúdo, diuturnamente enfrentado pelo Poder Judiciário e por ele, paradoxalmente, punido, civil e penalmente.
Pode e deve punir o que ele mesmo faz? O art. 167, parágrafo primeiro, inciso II do Código Civil, por exemplo, retira todo ou parte de qualquer efeito de negócios jurídicos nos quais se verifique simulação. Ela é suficiente para serem declarados nulos, quando “contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira”.
Bem, vão afirmar as/os as/defensoras/es desses auxílios: isso só vale para negócios jurídicos e lá no Direito Privado. Para contrariar-se essa desculpa nem há necessidade de se lembrar que o Direito Privado tem de ser interpretado em harmonia com a Constituição Federal. “Cláusula não verdadeira”, igualmente, constitui ilícito passível de rejeição em qualquer contexto, não exclusivamente jurídico. Assim, a simulação é imoral também e, justamente por enganar e mentir, ela obriga o Poder Judiciário a não se socorrer dela, pelo artigo 37 da mesma Constituição, seja a pretexto do que for, independentemente de outra qualquer consideração.
Esse Poder está sujeito ao princípio constitucional da moralidade, não simulando, não enganando e não mentindo. Nos artigos 171 a 179 do Código Penal, aliás, quando esse trata dos crimes de estelionato e outras fraudes, não faltam disposições semelhantes para demonstrar que a simulação não é somente um ilícito jurídico civil e privado. Se assim fosse, toda essa crise política vivida atualmente no país, já teria sido vencida sem qualquer cogitação dos ilícitos morais responsáveis pela sua eclosão.
Numa das famosas bem aventuranças louvadas por Jesus Cristo, disse ele: “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Evangelho de São Lucas, capítulo 5, versículo 6). É uma lástima, mas o Poder Judiciário brasileiro, com as exceções de sempre - ainda bem - à vista dos privilégios outorgados a si mesmo, não está muito interessado em se saciar desse pão, beber dessa água, nem reparti-lo/a nas casas onde mora, muito menos nos tribunais onde trabalha.
Créditos da foto: Carlos Humberto/SCO/STF
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