A farsa da falsa ponte

Está confirmado que o conglomerado de interesses mesquinhos chamado PMDB tem uma capacidade de oportunismo poucas vezes vista nas últimas décadas.

Eric Nepomuceno - Carta Maior 
José Cruz/Agência Brasil
Na verdade, a esta altura já nem vale tanto a pena discutir o conteúdo da tal proposta do PMDB, batizada com um título tão pretensamente solene como vulgar: ‘Uma ponte para o futuro’. 
 
Basta recordar que entre seus mentores – ou, talvez, até pior: entre os que querem se apresentar como seus mentores – aparecem figuras de longa trajetória de nódoas, flibusteiros notórios como o traquinas Wellington Moreira Franco. 
 
O conteúdo é claro e ousado. Claro porque é escrito de maneira tal que qualquer luminar do calibre de um Romero Jucá seria capaz de ler e, eventualmente, entender. E ousado porque, em suas propostas, avança numa direção que nem os neoliberais mais delirantes do PSDB ou os direitistas mais extremos do DEM até hoje não se atreveram a chegar.  
 
Não é um texto para ser levado a sério. Nenhum partido, a não ser que pretendesse enfrentar um massacre nas urnas, se atreveria a propor semelhante quantidade de retrocessos numa disputa eleitoral. 

 
É, isto sim, um texto que expõe, de maneira exemplar, duas coisas. Uma: está confirmado que, muito mais do que um partido político, esse conglomerado de interesses mesquinhos e retrógrados chamado PMDB tem uma capacidade de oportunismo poucas vezes vista no já tão enlameado cenário político das últimas décadas. Outra: entre esmerar-se nas artes da tradição e da chantagem, o PMDB titubeia. E pratica, com garbo, as duas.
 
A verdade é que, para usar termos aceitáveis na mesa de almoço da minha falecida avó Ermelinda Ramalho Ferreira de Arruda, estamos fritos. Porque vivemos um sistema político que nos deixa a todos nas mãos desse desfile de sacripantas que foram vistos na terça-feira, 17 de novembro de 2015, reunidos em Brasília. 
 
Vamos pegar alguns exemplos. Alguém será capaz de entender o que há, além de cabelinhos surgidos num implante frustrado e mal tingidos, na cabeça do senador Renan Calheiros? Será que em algum momento ele realmente acredita na viabilidade do que está escrito na farsa da falsa ponte? Quando surgem vociferando na televisão todos os integrantes de um grupo notável de sacripantas, de Geddel Vieira a Wellington Moreira Franco, dá para acreditar que eles acreditam no que estão dizendo? Como definir o sorriso maléfico de Michel Temer quando, ao ouvir apelos para que assuma de imediato a presidência, responde com um insólito ‘ainda não’?
 
Será que todos esses trogloditas morais não guardam sequer vestígios do que seria um verniz ético? 
 
Ora, o PMDB – supõe-se – é o maior aliado do PT na mal chamada base parlamentar do governo. Ocupa soberanos sete ministérios, sendo que em todos eles está representado por nulidades ou quase nulidades. As exceções, tipo Eliseu Padilha ou Henrique Alves, se não são nulidades estão longe de representar modelos de integridade e lealdade. Se não há como escapar desse lamaçal, que ao menos se busque maneiras de não se deixar afogar por ele.
 
Tanto o documento com propostas bizarras como o discurso do PMDB são provas cabais de até que ponto essa federação de mesquinharia e interesses baixos é capaz de ser desleal. 
 
Ora: se realmente acredita no que diz, por que o partido não rompe imediatamente com o governo e passa para a oposição? 
 
Por uma razão muito simples: porque essa seria uma atitude decente. E uma atitude decente iria diretamente contra a fome insaciável de cargos, postos, orçamentos, apadrinhamentos. Uma atitude decente implicaria a necessidade de coerência ética e moral, três palavras que jamais existiram em seu vocabulário.
 
Portanto, não há que se perder muito tempo com o conteúdo do tal documento. Ele foi escrito para agradar o empresariado e essa sacrossanta e daninha entidade chamada vagamente de ‘mercado’. Para acariciar a direita mais furibunda, cada vez mais agitada após ter saído de décadas do armário embutido. Importa muito mais reforçar a consciência de que o governo está dormindo com o inimigo, e que esse inimigo é capaz de qualquer coisa.
 
Agora, há um novo aviso de ruptura: março de 2016. Será cumprida a ameaça? Depende. Tudo depende, em se tratando do PMDB: não dá para confiar em nada, sequer nas ameaças.
 
Houvesse sobrado algo de íntegro da sigla que alguma vez foi importante para a redemocratização do país, não se veria o que hoje se vê.
 
O que sobrou, ao contrário, é o que estamos vendo. O governo, sob muitos aspectos, está nas mãos de um Eduardo Cunha. Ou seja: sob muitos aspectos, estamos todos nas mãos de alguém dessa laia.
 
Hoje, o que vemos é a poeira do que sobrou do PMDB, e essa poeira contém todos os detritos mais execráveis.   
 
Volto à mesa de almoço de algum domingo na casa da minha saudosa avó Ermelinda: do jeito que as coisas estão, estamos todos fritos. 
 
Ou o PT e o chamado campo progressista se recupera e passa a agir, ou continuaremos, e de maneira veloz, a deixar nas mãos, nos sorrisos e nos esgares horripilantes que estamos vendo aquilo que o país apenas começou a conquistar.
 
Não há que se levar tão em conta a farsa da falsa ponte que não leva a lugar nenhum. Há, isso sim, que pensar numa saída imediata para ou neutralizar o inimigo, ou deixar de dormir com ele.




Créditos da foto: José Cruz/Agência Brasil

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