RBA: Cerco a sonegadores faz resistência à aprovação da CPMF aumentar
JUSTIÇA FISCAL
Possibilidade de rastrear contribuinte faz com que novo imposto seja odiado pelas elites, afirma o tributarista Marcos Cintra, que criou a ideia do imposto único no país
por Helder Lima, da RBA publicado 08/10/2015 15:26
ANTONIO CRUZ/ AGÊNCIA BRASIL
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São Paulo – Uma característica da Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF) pode dificultar ainda mais sua aprovação no Congresso Nacional, por meio de medida provisória enviada pelo governo para arrecadar R$ 32 bilhões por ano e ajudar a equilibrar as contas orçamentárias do país nos próximos quatro anos (prazo de vigência previsto para o imposto), com uma taxa de 0,2% sobre operações financeiras de débito e crédito.
A particularidade em questão é o fato de a CPMF permitir o rastreamento de sonegadores, já que ela pode identificar o percurso feito pelo dinheiro. “Esse é um tributo que se a Justiça permitisse ao Fisco utilizar os dados para efeitos de fiscalização, seria uma medida que introduziria um rápido saneamento dos hábitos tributários brasileiros. Eu não tenho a menor sombra de dúvida”, afirma o professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcos Cintra. Ele é autor da proposta do imposto único no Brasil, que deu o embasamento teórico para a criação desse imposto, em vigência em dois períodos no país: primeiro como Imposto Provisório Sobre Movimentação Financeira (IPMF), em 1994, e depois como CPMF, entre 1997 e 2007.
“Esse é o lado positivo, é uma força da CPMF”, diz Cintra. Mas ele também reconhece que as elites não querem saber desse imposto. “Metade das pessoas tem o rabo preso, não dizem por que, mas não querem um imposto como esse que fica xeretando a sua vida particular. Se por um lado é bom do ponto de vista social, de outro é um problema a ser enfrentado por aqueles que defendem a CPMF, porque as pessoas não dizem porque são contra, mas uma das razões é essa, porque vão ficar mais expostas.”
Cintra lembra que no tempo em que a CPMF existiu, chegou-se ao ponto de algumas ações judiciais contra sonegadores serem propostas, mas o Congresso chegou a aprovar uma lei que proibia a Receita Federal de usar os dados para efeito de fiscalização, a não ser com ordem judicial. “Então, se por um lado é bom como meta social, pois reduziria a corrupção, por outro lado tem essa resistência. Ninguém quer o Fisco olhando a sua vida.”
O tributarista se diz contra a forma como o imposto foi criado no país desde o primeiro período de vigência. Ele entende que o imposto deveria substituir outros, e não ser uma taxa a mais para onerar o contribuinte e somente aumentar a carga tributária. “Ele é um imposto bom, fortemente arrecadador, barato do ponto de vista operacional, e ao mesmo tempo, tem a vantagem de ser um imposto insonegável. Na nossa cultura, a gente percebe que quem paga imposto, paga demais. Ao passo que uma boa parcela da população, que deveria pagar, não paga nada, sonega, evade, faz planejamento tributário, mantém dinheiro no exterior, enfim, todo tipo de artifício para não pagar imposto”, afirma.
Diferentemente do ICMS, que incide igualmente sobre o consumo, não importando o poder aquisitivo do consumidor, a CPMF “é um imposto justo porque incide sobre todo mundo, é barato, arrecada bem, não gera pendências jurídicas, porque é um imposto automático – essa é uma outra vantagem, se você for olhar o poder Judiciário, metade de todos os processos que tramitam lá é questão tributária”, diz Cintra.
Para Cintra, esse imposto tem vantagens inequívocas, e que seriam expressas no fato de que “todos pagam, mas pagam pouco, ao passo que o nosso sistema tributário é altamente burocratizado, dá margem a muita sonegação, e tendo sonegação, as alíquotas têm de ser altas porque cada vez mais as pessoas sonegam mais e o governo aumenta a alíquota para gerar arrecadação; e a pessoa sonega mais ainda, porque quanto maior a alíquota, maior o estímulo à sonegação, é um círculo vicioso terrível no atual sistema tributário”, critica o professor da FGV.
Segundo Cintra, o imposto poderia ter um caráter permanente, em vez de provisório, se houvesse a preocupação em dar mais qualidade ao sistema tributário no país. Nesse sentido, ele acredita que a CPMF deveria substituir outros impostos. Na semana passada, Cintra participou de audiência pública na Comissão Especial de Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. Ele defendeu que é preciso inserir no modelo tributário brasileiro um imposto sobre movimentação financeira, mas sugere a substituição: “O primeiro candidato que eu proporia para começar um processo substitutivo seria a contribuição patronal ao INSS, que hoje é de 20% na folha de pagamento – porque esse é um dos tributos mais perversos do mundo”, afirma. “Se a gente quer estimular emprego e gerar trabalho, não dá para ficar tributando o trabalho e estimular menos contratações.”
Ele lembra que o assalariado brasileiro hoje recebe uma parcela pequena do PIB brasileiro, só 30% ou 35% do PIB, dependendo da conjuntura econômica, enquanto nos Estados Unidos o assalariado recebe 70% do PIB nacional. “Se você quer distribuir renda tem de desonerar o trabalho assalariado.” Segundo Cintra, para substituir a contribuição ao INSS seria necessária uma alíquota de 0,49%.
No limite, segundo o professor, a CPMF teria condição de eliminar todos os tributos, e se isso fosse feito hoje, substituindo impostos municipais, federais e estaduais, a alíquota necessária seria de 2,7% no débito e de 2,7% no crédito bancário. “Ficaria aí uma alíquota em torno de 5,4%, o que elimina imposto de renda de pessoa física e jurídica, IPI, Pis/Cofins, ICMS, IPTU, IPVA, enfim, todos os impostos e gerando a mesma arrecadação que todo esse conjunto de tributos arrecada hoje”, acredita, destacando a operacionalização mais fácil e praticamente sem sonegação.
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