Paulo Nogueira: A mídia brasileira está 200 anos atrasada e aqui está a explicação.
Postado em 30 out 2015
No livro Vida e Morte dos Barões da Imprensa, não vertido para o português, o escritor Piers Brandon conta uma coisa interessante.
Os barões ingleses e americanos surgiram a partir de mais ou menos 1830. Até então, os jornais viviam basicamente de subsídios governamentais, e isso de alguma forma evitou o surgimento de colossos como Pulitzer e Hearst.
Até 1830, o jornalismo nos Estados Unidos e na Inglaterra, os dois países com a melhor mídia do mundo, viveu uma fase pré-capitalista.
Por essa métrica, a dos subsídios, você logo chega à conclusão de que o jornalismo brasileiro está 200 anos atrasado.
Em pleno 2015, sem o dinheiro público as grandes empresas de mídia brasileiras simplesmente não sobrevivem.
Escrevi certa vez que cada pastilha da sede da Globo foi paga pelo contribuinte, e não exagerei.
Considere as múltiplas maneiras pela qual o dinheiro público vai dar nas corporações jornalísticas.
Você tem a bilionária publicidade federal. Mesmo com audiências cadentes a Globo tem recebido 500 milhões ao ano do governo federal.
Não sei se rio ou choro quando leio a infâmia de que o DCM vive do governo. Ora, se dependêssemos do governo simplesmente não existiríamos.
A estrutura publicitária do governo é voltada para as grandes empresas. É muito mais fácil para a Globo buscar em Brasília meio bilhão ano após ano do que um site como o DCM conseguir um milésimo disso, ou até menos, com um audiência que cresce todo dia.
Não dependemos do governo – graças a Deus.
As grandes empresas sempre dependeram, e os privilégios contínuos as fizeram ser ineficientes como filhos mimados.
Não é apenas a publicidade federal que abarrota a caixa das empresas. Os governos estaduais também contribuem fortemente para o enriquecimento dos barões.
O governo de Aécio em Minas foi uma festa para a Globo, que sempre lhe deu em contrapartida tratamento vip. O governo do PSDB chega ao cúmulo de comprar milhares de assinaturas da Veja que vão dar em escolas cujos alunos sequer tiram os exemplares do envelope.
Até o papel de jornais e revistas é subsidiado. É o chamado “papel imune”. Um dinheiro que poderia construir escolas fica na Folha, na Globo, na Abril, no Estadão e por aí vai.
Jânio ficou incomodado com isso. Num pronunciamento em cadeia nacional, denunciou o mau uso do dinheiro público com o papel subsidiado pelo povo.
No programa, ele segurava uma edição dominical do Estadão.
Isso foi em 1961. Jânio logo passou, e o papel imune está ainda vivíssimo, mais de meio século depois.
O BNDES também foi sempre uma fonte de subsídio para as companhias de jornalismo. A nova gráfica da Globo foi feita com financiamento maternal do BNDES. A Abril reformou a tecnologia de seu departamento de assinaturas, poucos anos atrás, com dinheiro do BNDES.
Não bastasse todas essas coisas, há um subsídio indireto que se chama reserva de mercado.
Jornais e revistas criticaram a reserva de mercado duramente nos anos 1980. Com Collor se iniciou a abertura econômica, e a reserva de mercado desapareceu de quase todos os setores.
Mas não da imprensa.
Grandes empresas internacionais ficaram impedidas de se instalar no Brasil.
Foi bom apenas para os barões. Para a sociedade, foi um horror.
Num artigo em que defendeu a reserva, a Globo alegou que os chineses poderiam fazer propaganda comunista com os canais de tevê que porventura comprassem.
A imprensa brasileira opera num sistema pré-capitalista, como os barões americanos e ingleses dos primórdios do século 19.
Por isso é tão ruim.
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