Janio de Freitas : Acordo ou desacordo

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Apesar do tom categórico dado à notícia de um acordo do governo com Eduardo Cunha, prometendo protegê-lo da cassação e recebendo a retenção do pedido de impeachment de Dilma, há outra explicação para as mesmas circunstâncias. Jaques Wagner e Edinho Silva, ministros da Casa Civil e da Comunicação da Presidência, foram apontados como os artífices do acordo em seus encontros com o presidente da Câmara. São os personagens também das informações divergentes.
O motivo diferente para a ida de Wagner, ex-ministro da Defesa, ao encontro de Cunha teve duas partes. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, não sairia do seu silêncio público e falaria do risco de descontrole social, "se a atual crise prosseguir", só para mostrar-se na internet. Ainda mais dizendo que uma tal situação "diz respeito diretamente" aos militares. É fácil compreender que aí havia muito a ser conversado com o presidente da Câmara. Fosse quem fosse a estar, valendo-se daquele cargo, para agravar a situação com suas pautas-bombas -o boicote a rigores do "ajuste" econômico e até a imposição de aumentos de gastos governamentais.

Tema conexo ao anterior, Wagner levou mais uma vez a Cunha a urgência do governo de apreciação, pelo Congresso, dos vetos presidenciais a itens da pauta-bomba. O presidente do Senado marcou essa votação, Cunha impediu-a. Renan Calheiros marcou outra vez, Cunha impediu-a também. E deixou-a sem data. Ainda assim afirmando que não é contra o "ajuste" de Joaquim Levy, nem hostil ao governo.
Um dos dois ministros levou a Cunha a notícia antecipada de que a posição do Brasil sofreria algum rebaixamento, a ser anunciado logo, por uma das empresas chamadas de "agências de risco". Incluída a situação política como uma das causas preponderantes do rebaixamento.
Em paralelo a essa outra visão dos dois encontros com Cunha, se na política tudo cabe, a aritmética não complacente com a ideia do tal acordo. Cunha, por certo, conhece muito bem a composição do Conselho de Ética da Câmara. Sabe que tem muito mais influência, ou controle, do que o governo e o PT sobre cerca de metade da Comissão. Onze deputados, contra três do PT mais um do PDT, governistas. A turma puxada pelo PSDB (dois) tem cinco, e é tida como disposta a votar contra Cunha só se ele já houver encaminhado o pedido de impeachment.
Pois isso mesmo, Cunha emitiu duas frases complementares. A primeira: "Se entregar a cabeça da Dilma, depois vocês entregam a minha cabeça" (para os líderes da oposição que foram à sua casa). A outra, posterior: "Decidir o impeachment agora, não há hipótese".
Cunha não se engana. A posição do PSDB é a não posição. Soltou uma nota sugerindo mais ou menos a renúncia, e no dia seguinte o líder de bancada, Carlos Sampaio, estava na casa de Cunha tratando de acordo para o impeachment. Aécio Neves fala enfim: "A posição do partido já foi colocada [na nota] e nós reiteramos". A alternativa existente, porém, é esclarecedora da posição peessedebista: ou a renúncia, que o "partido favorável" deveria cobrar de imediato, ou a permanência para tratar do impeachment, como conversado na casa de Cunha depois da nota disfarçante.
Acordo entre o governo e Cunha não seria acordo: seria conchavo. Como o PSDB, não tem outra definição.
A semana de Cunha nos promete. Não por ele, embora não seja avaro.
LIVRARIA
Um amigo leitor informa existir, sim, edição brasileira do livro de Ana Novac, cuja citação aqui interessou muitos: é "Os Belos Dias de Minha Juventude" (Cia. das Letras, 2010), vindo da edição alemã, de 1967. Citei com o título da edição francesa, de 1982, "Eu tinha 14 anos em Auschwitz". É ótima a busca de livros no passado, há coisas ótimas desconhecidas aqui.
Zygmunt Bauman é sucesso mundial, pensador com dezenas de livros. O pequeno "A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós?" (Zahar) engana: ele mostra que a resposta é mais rica do que parece. Informativa e agradável de ler.
E José Carlos Assis parte para a polêmica acirrada. Economista, professor universitário, volta a seus trabalhos como repórter da Folha, onde nos anos 80 fomos bons companheiros, com o craque José Silveira, na Redação do Rio. A partir do que fez, diz o que considera "Os sete mandamentos do jornalismo investigativo", subtítulo "Inteligência, ética e coragem na construção da reportagem". Um "acerto de contas", como diz, em sua visão da vida externa e interna dos espetaculares casos Delfin e Coroa-Brastel.
Por falar em ontem ainda presente: Cunha não foi demitido por Itamar Franco, como escrevi, na primeira leva dos colloridos afastados pelo novo presidente. Foi sete meses depois. Em alguma oportunidade, conto uma conversa com Itamar, logo após sua posse, não publicável na época. A rigor, não sei bem se já publicável.

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