Intelectuais: para afrontar o golpe é preciso resgatar a esperança

'É insuportável que os que resistiram ao golpe hoje sejam os golpistas', um recado que muitos interpretaram como endereçado a cabeças do PSDB

Da Redação - Carta Maior - 17/10/2015
Farley Menezes
Convocados pelo cientista polpitico André Singer, um núcleo suprapartidário de intelectuais reuniu-se nesta sexta-feira no lendário prédio da antiga faculdade de filosofia da USP, na rua Maria Antonia, em São Paulo.
 
O histórico palco da resistência à ditadura retornou às origens para abrigar o protesto de personalidades, algumas das quais, como a filósofa Marilena Chauí, manifestaram a sua perplexidade por voltarem a um cenário onde, há 47 anos, lutou-se contra a opressão, tendo como contemporâneos alguns dos que hoje tecem a urdidura do golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff. 
 
'É insuportável que os que resistiram ao golpe hoje sejam os golpistas', protestou com veemência a filósofa, num recado que muitos interpretaram como endereçado a cabeças coroadas do PSDB, como Fernando Henrique, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira...

 
A espiral regressiva requer mais que a resistência ao golpismo, portanto. Requer avançar do ponto a que se chegou nas conquistas democráticas e sociais. Ou, como diz o manifesto apresentado pelos intelectuais na Maria Antonia: 'Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no país. A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança'
 
O escritor e jornalista Fernando Moraes, também presente, evidenciou nessa urgência a contrapartida de um salto mobilizador. Ele exortou os intelectuais a se unirem aos movimentos sociais na resistência ao golpismo em marcha, travestido de um impeachment à procura do seu pretexto.
 
Leia, a seguir, a íntegra do manifesto divulgado pelos intelectuais:
 
A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança
 
A proposta de impeachment implica sérios riscos à constitucionalidade democrática consolidada nos últimos 30 anos no Brasil. Representaria uma violação do princípio do Estado de Direito e da democracia representativa, declarado logo no art.1o. da Constituição Federal.
 
Na verdade, procura-se um pretexto para interromper o mandato da Presidente da República, sem qualquer base jurídica para tanto. O instrumento do impeachment não pode ser usado para se estabelecer um “pseudoparlamentarismo”. Goste-se ou não, o regime vigente, aprovado pela maioria do povo brasileiro, é o presidencialista. São as regras do presidencialismo que precisam vigorar por completo.
 
Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente cometeram crimes. A presidente Dilma Rousseff não cometeu qualquer crime. Impeachment é instrumento grave para proteger a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la.
 
A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura, todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer ingerência do Executivo.
 
É isso que está em jogo na aventura do impeachment. Caso vitoriosa, abriria um período de vale tudo, em que já não estaria assegurado o fundamento do jogo democrático: respeito às regras de alternância no poder por meio de eleições livres e diretas.
 
Seria extraordinário retrocesso dentro do processo de consolidação da democracia representativa, que é certamente a principal conquista política que a sociedade brasileira construiu nos últimos trinta anos.
 
Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de remover presidente eleita sem que exista nenhuma prova direta, frontal de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o impeachment. Esta busca incessante significa que não há nada claro. Como não se encontram fatos, busca-se agora interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas neste país. Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas inusitadas.
 
Nas últimas décadas, o Brasil atingiu um alto grau de visibilidade e respeito de outras nações assegurado por todas as administrações civis desde 1985. Graças a políticas de Estado realizadas com soberania e capacidade diplomática, na resolução pacifica dos conflitos, com participação intensa na comunidade internacional, na integração latino-americana, e na solidariedade efetiva com as populações que sofrem com guerras ou fome.
 
O processo de impeachment sem embasamento legal rigoroso de um governo eleito democraticamente causaria um dano irreparável à nossa reputação internacional e contribuiria para reforçar as forças mais conservadoras do campo internacional.
 
Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no pais. A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança.
 
Assinam, entre outros:
 
Antonio Candido; Alfredo Bosi; Evaristo de Moraes Filho e Marco Luchesi, membros da Academia Brasileira de Letras; Andre Singer; o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite; Ecléa Bosi; Maria Herminia Tavares de Almeida; Silvia Caiuby; Emilia Viotti da Costa; Fabio Konder Comparato; Guilherme de Almeida, presidente Associação Nacional de Pós-Graduação em Direitos Humanos, ANDHEP; Maria Arminda do Nascimento Arruda; Gabriel Cohn; Amelia Cohn; Dalmo Dallari; Sueli Dallari; Fernando Morais; Marcio Pochman; Emir Sader; Walnice Galvão; José Luiz del Roio, membro do Fórum XXI e ex-senador da Itália; Luiz Felipe de Alencastro; Margarida Genevois e Marco Antônio Rodrigues Barbosa, ex-presidentes da Comissão Justiça e Paz de São Paulo; os cientistas políticos Cláudio Couto e Fernando Abrucio; Regina Morel; o biofísico Carlos Morel; Luiz Curi; Isabel Lustosa; José Sérgio Leite Lopes; Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação da USP; Pedro Dallari; Marilena Chaui; Roberto Amaral e Paulo Sérgio Pinheiro




Créditos da foto: Farley Menezes

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