Finalmente, alguma luz sobre os planos russos na Síria
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30/9/2015, The Saker, Unz Review
Tradução Vila Vudu
Muitas coisas aconteceram nas últimas poucas horas. Putin falou na ONU, o Parlamento Russo aprovou que a Rússia use força militar na Síria e Sergei Ivanov deu à mídia russa explicação detalhada das razões que fizeram o Kremlin requerer aquela autorização. Agora, afinal, o quadro está muito mais claro.
O que não acontecerá:
Não haverá “O mais anunciado confronto da história recente” [orig. “Most Anticipated Showdown in Recent History”: nada de russos em operação em solo, nada de ‘zona aérea de exclusão’ imposta pelos russos (não, com certeza, contra EUA ou seus aliados!), nada de MiG-31s, nada de Forças Russas Embarcadas, nada de tanques russos nas linhas de frente, nada de submarinos SSBN (que transportam bombas nucleares) e provavelmente nada de significativa presença russa em torno de Damasco. De fato, não haverá, de modo algum, qualquer tipo de operação militar unilateral russa. Todo esse nonsense pode agora, afinal, ser posto de lado.
O que acontecerá:
A operação militar russa será legal em todos os níveis: os russos receberam pedido formal de ajuda militar do governo sírio; o Parlamento Russo autorizou a ajuda; e a Rússia buscará uma autorização do Conselho de Segurança da ONU. A operação militar russa será oficialmente limitada a operações aéreas, incluindo bombardeio e apoio aéreo próximo. A principal base da operação russa ficará em Latakia. O mais crucialmente importante: a Rússia agirá como parte de ampla coalizão.
Seria erro nos fixar basicamente no que acontecerá a seguir. Proponho, para discutir, que é muito mais significativo o que já aconteceu.
O que já aconteceu:
Putin basicamente já forçou os EUA a aceitarem o plano russo, Kerry disse à CNN que a política dos EUA para a Síria será “ajustada” – em outras palavras, os EUA estão desistindo da obsessão com “Assad tem de sair”, oficialmente temporariamente. A OTAN declarou que vê como bem-vindo um papel positivo para a Rússia na Síria. O Pentágono seguiu o exemplo de Israel e decidiu abrir um canal especial de comunicações para coordenar operações russas e norte-americanas. Tudo isso considerado, acho que os EUA darão ordens à sua colônia búlgara para que abra seu espaço aéreo para aviões russos.
Para concluir, ofereço algumas ideias-palpites sobre o que mais provavelmente acontecerá a seguir.
O que também pode acontecer:
Primeiro, não me surpreenderá se os russos realmente declararem que usaram seu procedimento padrão para proteger instalações militares russas com sistemas de defesa aérea. E que, na sequência, trouxeram finalmente seus sistemas S-300s (sei que há rumores de que os S-300s já estão lá, mas até agora não vi confirmação).
Eu esperaria que os israelenses estejam detestando, de modo muito especial, tudo isso, e não me surpreenderia se os russos oferecerem garantias de que os sistemas permanecerão exclusivamente sob controle russo.
Certo mesmo, até agora, é que Netanyahu voou a Moscou para tratar de questões sobre, no mínimo, uma “não interferência” entre Rússia e Israel; isso, se não discutiram, já, a “cooperação” entre os dois países. Acho mesmo que Moscou não tem qualquer plano hostil contra Israel; além disso, se sabe, de todas as fontes existentes, que oficiais russos e israelenses sempre se entenderam magnificamente, se não por outros motivos, com certeza, no mínimo, porque esses dois lados são bem-informados, espertos e pragmáticos (esse tipo de gente não exige juras de amor eterno: eles só exigem comportamento adulto responsável).
Segundo, a presença militar oficial dos russos na Síria criará a cobertura perfeita para todos os tipos de esforços secretos, incluindo entrega de equipamento, operações de inteligência conjunta e até missões de ação direta. Não acho que venha a ser parte muito ampla do esforço russo; só estou dizendo que, agora, a opção está aí, definitivamente.
Terceiro – e aqui é 100% minha própria especulação –, acredito que todo o esforço militar russo será cobertura para outra coisa: para envolvimento maior dos iranianos e do Hezbollah. Por quê? Para começar, porque esse é o único tipo de avanço que se deve esperar de qualquer operação aérea. Nada autoriza a supor que um pequeníssimo contingente da Força Aérea Russa venha a alterar significativamente o curso da guerra. O fracasso total das forças aéreas da OTAN sobre o Kosovo já provou que operações aéreas, só elas, têm capacidade muito limitada; e, diferente do que a OTAN fez no Kosovo, a Rússia enviará contingente muito pequeno de aeronaves.
Ainda assim, a presença de Força Aérea da Rússia em céus sírios poderia convenientemente “explicar” quaisquer repentinos revezes militares que Daesh passe a sofrer, sobretudo se a real razão desses revezes for uma intervenção iraniana em maior escala. Repito: não tenho absolutamente qualquer informação que confirme qualquer coisa disso tudo, mas eu, pessoalmente, prevejo crescimento acentuado nos esforços iranianos e do Hezbollah contra o ISIL/ISIS/Daesh.
Avaliação:
Em termos puramente militares, estamos diante de desenvolvimento de pouca significação. Sim, a Força Aérea Síria precisa muito de alguma modernização (o fato de estarem usando bombas de 500kg lançadas de helicópteros é prova de que não têm aeronaves capazes de lançar bombas aéreas guiadas ou mesmo não guiadas de 500kg), e os russos levarão aeronaves muito capazes (os SU-24s e os SU-25s, sem dúvida, e em alguns casos específicos poderão até usar os Tu-22M3s e os SU-34s). Mas isso não basta para mudar dramaticamente o jogo.
É politicamente, isso sim, que todo esse movimento marca mais um triunfo de Vladimir Putin, que já forçou o Império Norte-americano a renunciar aos planos de derrubar Assad. Porque – e quanto a isso, que ninguém se engane –, agora, os russos estão lá, para ficar: uma mínima presença militar russa se converte agora em grande envolvimento político dos russos.
Além do mais, não apenas Tartus, que sempre teve papel limitado, mas não irrelevante para a Marinha Russa: também a base aérea em Latakia converter-se-á em nodo de distribuição para operações militares russas e, de fato, como base operacional avançada para a Frota do Mar Negro.
Conclusão: Então, afinal de contas, o jogo virou?
Sim, virou. Mas não por efeito de algum movimento militar russo. Considerem o seguinte: para os EUA o principal propósito do Daesh era derrubar Assad. Agora que os EUA estão dizendo que “não planejam armar rebeldes sírios por enquanto” e que Assad não será derrubado, a serventia do Daesh para o Império Anglo-Sionista sofre rude golpe. Se o Império decide que Daesh sobreviveu à utilidade que um dia poderia ter tido e agora se converteu em risco, os dias do Daesh estão contados.
Claro, não alimento qualquer ilusão sobre alguma mudança real que tenha acontecido no coração do “estado profundo” do Império. O que estamos vendo agora não passa de adaptação tática a uma situação que os EUA não podem controlar; não é mudança estratégica profunda.
Os facinorosos russófobos no ocidente continuam por aí (embora alguns se tenham retirado, desgostosos) e agora terão a chance de culpar a Rússia por tudo na Síria, especialmente se alguma coisa sair gravemente errada. Sim, Putin acaba de alcançar mais uma importante vitória contra o Império (e onde estão os que diziam que Putin “liquidara” a Síria?!). Mas agora a Rússia terá de administrar essa vitória “potencialmente perigosa”.
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