Diego Olivares: Como cinema, ‘Perdido em Marte’ é ótimo para palestras motivacionais

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POR DIEGO OLIVARES

NOSSA OPINIÃO

5.0
Otimista incorrigível, o protagonista é um dos personagens mais tediosos do cinema recente, feito sob medida para divertir sem qualquer reflexão, mirando o público dos heróis da Marvel
Nota  5.0
Em O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, Matt Damonvivia um soldado norte-americano que precisava ser recuperado com vida e trazido de volta aos Estados Unidos, para os braços de sua mãe que já havia perdido outros três filhos na Segunda Guerra.
Enquanto faziam seu percurso além das linhas inimigas, os homens da tropa liderada por Tom Hanks, responsáveis pela missão, questionavam o tempo inteiro se tamanho esforço valia a pena em nome de um homem.
Era uma questão coerente, coroada com a frase final marcante de um Hanks já baleado em meio ao combate, quando pega Damon pelo colarinho e dá seu último recado: “earn this”. A mensagem ecoará por toda a vida daquele personagem, como um fardo.

Naquela época, 1998, era esse o tipo de blockbuster feito em Hollywood. Por mais que o filme de Spielberg tenha questões, como o demasiado apelo sentimental e/ou patriótico, era uma história adulta, com personagens que traziam certa profundidade em seus conflitos e mais de uma dimensão, sem falar no apuro técnico, representado pela cena do desembarque na Normandia, que se tornou clássica.
Agora, em 2015, a baliza está posta num nível bem mais baixo, pelo menos no que tange ao roteiro. Matt Damon volta a viver um sujeito que precisa ser resgatado, em Perdido em Marte. Isolado no planeta vermelho depois de ter sido dado como morto pelos companheiros, o astronauta Mark Watney se descobre sozinho, sem ter como sair de lá e com pouco suprimento.
Parece uma situação desesperadora? Não para ele. Convenientemente, ele é um botânico capaz de plantar batatas ou produzir a própria água na superfície inóspita do local, além de ter avançados conhecimentos de física e ciências em geral.
Watney também revela sua vocação para vlogger, e começa a manter um diário repleto de piadinhas e frases de efeito capazes de rivalizar com qualquer celebridade de YouTube que exista por aí. Por que quem precisa de um Wilson (a célebre bola de vôlei de Náufrago) quando se tem uma câmera à disposição?
Sempre com um sorriso no rosto, ele não hesita em momento nenhum. Não parece sentir saudades da Terra, nem pensar sobre a mortalidade. É um otimista incorrigível, e um dos personagens mais tediosos do cinema recente, feito sob medida para divertir sem qualquer reflexão profunda, mirando no mesmo público que lota as salas para ver os filmes dos heróis da Marvel.
É o que dá dinheiro, afinal. Aliás, falando nisso, por quê não tentar faturar um dinheiro extra com a trilha sonora, como Guardiões da Galáxia conseguiu? Então tome uma trilha sonora que mistura David Bowie (Starman, claro) e disco music (I Will Survive, acredite, é a música dos créditos).
Ingênuo, o roteiro faz da missão de resgate do astronauta um motivo de integração entre Estados Unidos e a China, e também um momento em que milhares de pessoas vão às ruas para acompanhar tudo ao vivo pela TV, ignorando que haveria uma chance considerável de tudo dar errado, e assim matando qualquer possibilidade de tensão e suspense.
Com seu “self made man” como protagonista, Perdido em Marte pode ser ótimo para ser usado no mundo corporativo em palestras motivacionais. Como filme, é difícil conceber que o mesmo Ridley Scott de ficções científicas que mexiam com questões complexas como Blade Runner e Alien assine material tão inócuo.

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