Triunfo de Tsipras X missão impossível de implementar programa projetado para fracassar

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Josetxo Ezcurra, Tlaxcala                               

Yanis Varoufakis Γιάνης Βαρουφάκης Янис Варуфакис يانيس فاروفاكيس 
Traduzido por  Coletivo de tradutores Vila Vudu


Alexis Tsipras arrancou vitória retumbante, diretamente das mandíbulas da humilhante rendição de julho à troika dos emprestadores de dinheiro à Grécia. Desafiando partidos de oposição, pesquisas de opinião e críticos dentro de suas próprias fileiras (inclusive esse que vos escreve), segurou-se no governo, com uma maioria reduzida, mas ainda funcional. A questão é se poderá combinar permanecer no governo com manter-se no poder.

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Petros Zervos, efsyn.gr
Os maiores perdedores foram partidos menores que tentaram ocupar os polos opostos [do debate] depois do referendum de 5 de julho. A Unidade Popular fracassou redondamente ao não conseguir explorar o luto em que se sentiu a maioria dos que votaram "Não", depois que Tsipras fez meia volta e deu-lhes as costas, a favor de um acordo que estreitou ainda mais a soberania nacional e promove níveis já viciosos de arrocho [não é "austeridade": é arrocho (NTs)]. O POTAMI, partido que se posiciona como a menina dos olhos dos reformistas da troika, tampouco conseguiu arregimentar os que votaram "Sim", em número menor. Com Tsipras absoluto vencedor, agora firmemente no comando do programa da troika e com novos dentes, os partidos pro-troika nada tinham a oferecer.

A grande vencedora é a própria troika. Durantes os recentes cinco anos, leis redigidas pela troikaforam aprovadas no Parlamento com maiorias estreitíssimas, o que várias vezes garantiu noites de insônia aos autores. Agora, as leis necessárias para cumprir o terceiro 'resgate' serão aprovadas sem dificuldade, com o SYRIZA comprometido com a aprovação. Quase todos os deputados de oposição (exceto os comunistas do KKE e os nazistas da Aurora Dourada) também já embarcaram na canoa da troika.

Claro, para chegar a esse ponto, foi preciso ferir fundo a democracia grega (1,6 milhão de gregos que votaram no referendum de julho nem se deram o trabalho de voltar às urnas no domingo) –, mas sem grande dano aos burocratas em Bruxelas, Frankfurt e Washington DC, os quais em todos os casos veem a democracia como uma espécie de incômodo.
Alexis Tsipras tem agora de implementar uma consolidação fiscal e um programa de reformas projetado para fracassar. Pequenos negócios sem liquidez, sem acesso ao mercado de capitais, têm agora de pagar antecipadamente os impostos pré-calculados sobre impostos projetados para 2016. As famílias terão de pagar acintosos novos impostos sobre a propriedade sobre apartamentos não habitados e lojas inoperantes, que não conseguem sequer vender. Consideráveis aumentos nos impostos sobre valores agregados só provocarão mais evasão desses impostos. Semana sim, semana não, lá estará a troika a exigir políticas mais e mais recessionárias e antissociais: cortes de aposentadorias, menores benefícios para a infância, mais despejos.

O plano do primeiro-ministro para conter essa tempestade baseia-se em três promessas.

1. O acordo com a troika não terminou, há ainda espaço para negociar detalhes importantes; 2. logo se alcançará o alívio da dívida; e 3. os oligarcas gregos serão contidos.

Os eleitores apoiaram Tsipras porque ele parecia o candidato mais capaz de cumprir essas promessas. A questão é que qualquer capacidade que o primeiro-ministro tivesse, já foi severamente podada pelo acordo que ele mesmo assinou.

Quanto à primeira promessa, o poder de negociar que resta à Grécia é mínimo, dada a clara condição imposta pelo acordo já assinado, segundo a qual o governo grego "... concordará [com a [troika] em todas as ações relevantes para que se alcancem os objetivos do Memorando de Entendimento…” (Observem que a troika absolutamente não se compromete a concordar com o governo grego!)

Quanto à segunda promessa, o alívio da dívida sem dúvida virá, de algum modo, mas não em doses terapêuticas. O alívio da dívida seria importante, se desse espaço para menos arrocho [não é "austeridade": é arrocho (NTs)] (i.e. metas mais baixas para o superávit primário) para estimular a demanda e atiçar o 'instinto animal' dos investidores. Mas já está decidido o mais feroz arrocho (naqueles absurdos superávits primários 'obrigatórios' de 3,5% do PIB a partir de 2018), que espantará todos os investidores sensíveis.

A terceira promessa é chave para o sucesso de Tsipras. Depois de ter aceitado mais um empréstimo do tipo prorrogue-e-finja, que limita a capacidade do governo para reduzir o arrocho e cuidar dos mais fracos, a última razão de ser que resta a um governo de esquerda seria dar combate aos oligarcas. Mas a troika é alma gêmea dos oligarcas e os oligarcas são os melhores amigos da troika.

Durante os primeiros seis meses de 2015, quando desafiávamos o monopólio da troika sobre os poderes políticos na Grécia, os mais aplicados defendedores-apoiadores dela eram: a mídia-empresa que é propriedade dos oligarcas e os agentes políticos a serviço dos mesmos oligarcas. Essa é a gente e esses são os interesses que agora adotaram Tsipras! Como poderá ele virar-se contra os próprios padrinhos? Acredito que Tsipras deseje fazer isso, mas a troika já providenciou para que todas as armas que restam a ele estejam devidamente desengatilhadas e sem munição (por exemplo, com o desmonte da agência estatal que combatia crimes econômicos, a SDOE).

Em 2014, o primeiro-ministro conservador Antonis Samaras encontrou-se, ele também, no mesmo impasse de ter de implementar um programa falhado da troika. Recorreu à estratégia de fingir fidelidade à troika ao mesmo tempo em que acusava a troika de frouxidão, para evitar que o SYRIZA chegasse ao governo.

Será que Tsipras será mais bem-sucedido nessa operação de fingir comprometimento com mais um programa falhado da troika? O prognóstico não parece muito luminoso, mas nem por isso devemos descartar Alexis. O fracasso de Samaras explica-se, sobretudo, pela escolta de ultradireitistas que manteve à sua volta e pela subserviência aos oligarcas. O destino de Tsipras dependerá de se seu novo governo permanecerá conectado às vítimas do seu acordo com a troika; de se implementará reformas genuínas para dar aos empresários honestos alguma confiança para investir; e de se usará a intensificação da crise para exigir de Bruxelas concessões reais. Não será fácil. Mas, vale repetir, a vitória, por doce que seja, não é o que mais importa. O que importa é oferecer governo diferente.

Por falar em diferença, o partido da oposição conservadora tentou de tudo para projetar imagem mais suave, mais calma, durante a campanha. Infelizmente, não conseguiram, quando a crise dos refugiados forçou para fora o segregacionismo deles e o expôs à vista de todos. Uma comparação entre as boas vindas com que os gregos recebemos os milhares de migrantes sobreviventes e feridos de naufrágios durante as semanas recentes, e os campos de concentração que o governo Samaras construiu, explica que tantos progressistas desapontados tenham reaparecido nas urnas para votar novamente no SYRIZA.

Em raros momentos de inexplicável otimismo, gosto de imaginar que a cortesia e a gentileza com estrangeiros em dificuldades pode ser o ponto de partida para uma renovada campanha, do governo grego, contra a visão distópica de Europa que a troika promove.
Muito obrigado a Tlaxcala
Fonte: http://bit.ly/1OM07Jn
Data de publicação do artigo original: 21/09/2015
URL deste artigo: http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=15997 

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