Tijolaço: O jornalismo e a lavagem dos fatos, por Luís Costa Pinto

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Luís Costa Pinto tem uma carreira profissional que, ainda bem jovem, rendeu-lhe o respeito de um Prêmio Esso de Jornalismo, por duas matérias –  “Os Tentáculos de PC Farias” e “Pedro Collor Conta Tudo” – que iniciaram o processo de impeachment de Fernando Collor.

Conheci-o,  superficialmente, na campanha de Ciro Gomes, em 2002 e ali já tinha passado pela VejaO GloboFolha e na Época, da qual foi um dos fundadores.

Não é, portanto, alguém de quem se possa achar que não saiba do que fala e do que se passa na reportagem política.

O texto que ele publicou ontem, em seu Facebook, portanto, não é a manifestação de um militante político, mas de um profissional hoje experientíssimo, que viveu por décadas não apenas o exterior dos textos e manchetes, mas os intestinos da apuração e da edição dos fatos.


Quando ele diz que “estamos numa República em que há lavanderias de dinheiro em escala semelhante à existência de abatedouros clandestinos de reputações” dá a dimensão do que constrange a qualquer pessoa que preze minimamente  o que está inscrito em nossa Constituição sobre o direito à honra e à dignidade que tem qualquer pessoa e que hoje é espezinhado por ódios políticos.

“(…) aqui grassa também a lavagem de fatos. Ela se dá quando, esgotadas as possibilidades de se demonstrar a veracidade de uma apuração, costura-se um rol de meias verdades, de inferências, de mentiras, de histórias fantásticas e outras reais, desconexas entre si, mas alinhavadas com nexo, e aí se leva a público um enredo verossímil. Depois disso, cabe aos acusados, ou às vítimas e às suas carcaças, provar a verdade – porque as provas só são exigidas da verdade. A mentira pode ser apenas verossímil se ela servir para confirmar o que a bile quer ver confirmado a fim de atender ao comando do fígado que hoje ocupa o lugar dos cérebros na maioria das redações remanescentes”.

Leia o texto de Lula Costa Pinto, na íntegra:

Necropsia de uma instituição

Luís Costa Pinto, no Facebook
Jaz nas telas de computadores, laptops, tablets e smartphones do país inteiro o cadáver insepulto do jornalismo tupiniquim.
Morreu em decorrência da falência de múltiplos órgãos. Nos momentos derradeiros a bile começou a irrigar a cabeça de muitos, e ali já não havia cérebro – o fígado se instalara no crânio de “jornalistas” e de seus “chefes”.

O necrológio do jornalismo brasileiro está escrito em cifras e códigos nas entrelinhas daquilo que não se perguntou, que não se escreveu e que não se analisou nos textos que informam a existência de um pedido de um delegado federal para ouvir o ex-presidente Lula no âmbito dos inquéritos da Lava-Jato.

Não acho que Lula ou qualquer outro ex-presidente, autoridade ou ex-autoridade seja intocável e não esteja passível de prestar contas do que fez. Mas tenho convicção que tudo deve seguir o rito institucional. E ser jornalista, ser imprensa, obriga a que todos se atenham aos ritos. Aos ritos.

O delegado infere, presume, supõe, crê, acha, enfim, que o esquema de corrupção ora em apuração serviu para beneficiar a sustentação política dos governos liderados por Lula. Mas será que só ele, genial, acha isso? É óbvio que, ao ouvir de forma isenta as delações, ao ler as narrativas publicadas, cada um de nós infere, supõe, crê, acha a mesma coisa. Isso é motivo para um delegado federal dirigir-se à Corte Suprema para pedir a oitiva de um ex-presidente? Descontadas as inferências, presunções, suposições, crenças, achismos, implicâncias e partidarismos, enfim, há algo realmente concreto donde se possa depreender uma orquestração criminosa promovida por Lula? E, se houvesse, não seria natural e esperado que tais demandas saíssem para conhecimento público a partir da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba – cuja competência técnica parece ser acima da média e vem sendo comprovada dia a dia com o alto percentual de confirmação de seus atos no Supremo? E não tendo Lula qualquer foro privilegiado, afinal ex-presidentes não têm foros privilegiados, por que um delegado federal de Brasília faz um pedido ao Supremo Tribunal Federal para investigar Lula se o caminho natural e próprio seria pedir isso ao juiz Sérgio Moro, que conduz os julgamentos da Lava-Jato em Curitiba?

Por que isso ocorre em Brasília? E por que vaza numa sexta-feira de manhã? E por que vaza para Época? E por que vaza para um repórter específico que já tem um contencioso com a defesa jurídica do ex-presidente em razão de outras reportagens? E por que os jornalistas que nas últimas horas ecoaram esse expediente no mínimo heterodoxo da Polícia Federal não fizeram, ainda, essas perguntas? Por que o texto original do furo em Época não traz, já, uma série de respostas a esses porquês? Por que o texto inaugural do caso, no site de Época, não põe o delegado federal respondendo se ele acha que inventou a pólvora que pode implodir de vez a biografia de Lula? Se ele crê que só ele acha tudo aquilo. E por que, sendo delegado federal, não se dirigiu a Sérgio Moro? Aliás, o juiz Moro, que fala pouco e parece sentenciar bem, poderia abrir uma exceção e se pronunciar sobre esse pedido.

A ressaca desse assaque pode ser devastadora para quem deseja ver o cadáver do ex-presidente Lula exposto, esquartejado, nos postes da Esplanada dos Ministério e participar da salga dos escombros do Sindicato dos Metalúrgicos e da sede do PT em São Paulo. E se o Ministério Público achar que esse pedido é descabido? E se, mesmo tendo seguimento no STF, os ministros da Corte decidirem que o pedido é esdrúxulo? E, pior para os advogados do quanto pior melhor: e se Lula for absolvido, inocentado? Um Lula inocentado, solto nas ruas, não seria bem pior que um Lula suspeito para quem tanto o teme? Ou para os que tanta ojeriza a ele professam e confessam numa evidente expressão de inveja biográfica? De recalque de classe?

Estamos numa República em que há lavanderias de dinheiro em escala semelhante à existência de abatedouros clandestinos de reputações.

Vivemos num país em que parte de uma imprensa que agoniza em praça pública revogou a missão de questionar, de investigar, de fazer as perguntas mais tortuosas às fontes mais amigas a fim de brilhar intensamente por fugazes 15 segundos.

E creiam: aqui grassa também a lavagem de fatos. Ela se dá quando, esgotadas as possibilidades de se demonstrar a veracidade de uma apuração, costura-se um rol de meias verdades, de inferências, de mentiras, de histórias fantásticas e outras reais, desconexas entre si, mas alinhavadas com nexo, e aí se leva a público um enredo verossímil.

Depois disso, cabe aos acusados, ou às vítimas e às suas carcaças, provar a verdade – porque as provas só são exigidas da verdade. A mentira pode ser apenas verossímil se ela servir para confirmar o que a bile quer ver confirmado a fim de atender ao comando do fígado que hoje ocupa o lugar dos cérebros na maioria das redações remanescentes.







Necropsia de uma instituição
Jaz nas telas de computadores, laptops, tablets e smartphones do país inteiro o cadáver insepulto do jornalismo tupiniquim.
Morreu em decorrência da falência de múltiplos órgãos. Nos momentos derradeiros a bile começou a irrigar a cabeça de muitos, e ali já não havia cérebro – o fígado se instalara no crânio de “jornalistas” e de seus “chefes”.
O necrológio do jornalismo brasileiro está escrito em cifras e códigos nas entrelinhas daquilo que não se perguntou, que não se escreveu e que não se analisou nos textos que informam a existência de um pedido de um delegado federal para ouvir o ex-presidente Lula no âmbito dos inquéritos da Lava-Jato.
Não acho que Lula ou qualquer outro ex-presidente, autoridade ou ex-autoridade seja intocável e não esteja passível de prestar contas do que fez. Mas tenho convicção que tudo deve seguir o rito institucional. E ser jornalista, ser imprensa, obriga a que todos se atenham aos ritos. Aos ritos.
O delegado infere, presume, supõe, crê, acha, enfim, que o esquema de corrupção ora em apuração serviu para beneficiar a sustentação política dos governos liderados por Lula. Mas será que só ele, genial, acha isso? É óbvio que, ao ouvir de forma isenta as delações, ao ler as narrativas publicadas, cada um de nós infere, supõe, crê, acha a mesma coisa. Isso é motivo para um delegado federal dirigir-se à Corte Suprema para pedir a oitiva de um ex-presidente? Descontadas as inferências, presunções, suposições, crenças, achismos, implicâncias e partidarismos, enfim, há algo realmente concreto donde se possa depreender uma orquestração criminosa promovida por Lula? E, se houvesse, não seria natural e esperado que tais demandas saíssem para conhecimento público a partir da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba – cuja competência técnica parece ser acima da média e vem sendo comprovada dia a dia com o alto percentual de confirmação de seus atos no Supremo? E não tendo Lula qualquer foro privilegiado, afinal ex-presidentes não têm foros privilegiados, por que um delegado federal de Brasília faz um pedido ao Supremo Tribunal Federal para investigar Lula se o caminho natural e próprio seria pedir isso ao juiz Sérgio Moro, que conduz os julgamentos da Lava-Jato em Curitiba?
Por que isso ocorre em Brasília? E por que vaza numa sexta-feira de manhã? E por que vaza para Época? E por que vaza para um repórter específico que já tem um contencioso com a defesa jurídica do ex-presidente em razão de outras reportagens? E por que os jornalistas que nas últimas horas ecoaram esse expediente no mínimo heterodoxo da Polícia Federal não fizeram, ainda, essas perguntas? Por que o texto original do furo em Época não traz, já, uma série de respostas a esses porquês? Por que o texto inaugural do caso, no site de Época, não põe o delegado federal respondendo se ele acha que inventou a pólvora que pode implodir de vez a biografia de Lula? Se ele crê que só ele acha tudo aquilo. E por que, sendo delegado federal, não se dirigiu a Sérgio Moro? Aliás, o juiz Moro, que fala pouco e parece sentenciar bem, poderia abrir uma exceção e se pronunciar sobre esse pedido.
A ressaca desse assaque pode ser devastadora para quem deseja ver o cadáver do ex-presidente Lula exposto, esquartejado, nos postes da Esplanada dos Ministério e participar da salga dos escombros do Sindicato dos Metalúrgicos e da sede do PT em São Paulo. E se o Ministério Público achar que esse pedido é descabido? E se, mesmo tendo seguimento no STF, os ministros da Corte decidirem que o pedido é esdrúxulo? E, pior para os advogados do quanto pior melhor: e se Lula for absolvido, inocentado? Um Lula inocentado, solto nas ruas, não seria bem pior que um Lula suspeito para quem tanto o teme? O para os que tanta ojeriza a ele professam e confessam numa evidente expressão de inveja biográfica? De recalque de classe?
Estamos numa República em que há lavanderias de dinheiro em escala semelhante à existência de abatedouros clandestinos de reputações.
Vivemos num país em que parte de uma imprensa que agoniza em praça pública revogou a missão de questionar, de investigar, de fazer as perguntas mais tortuosas às fontes mais amigas a fim de brilhar intensamente por fugazes 15 segundos.
E creiam: aqui grassa também a lavagem de fatos. Ela se dá quando, esgotadas as possibilidades de se demonstrar a veracidade de uma apuração, costura-se um rol de meias verdades, de inferências, de mentiras, de histórias fantásticas e outras reais, desconexas entre si, mas alinhavadas com nexo, e aí se leva a público um enredo verossímil.
Depois disso, cabe aos acusados, ou às vítimas e às suas carcaças, provar a verdade – porque as provas só são exigidas da verdade. A mentira pode ser apenas verossímil se ela servir para confirmar o que a bile quer ver confirmado a fim de atender ao comando do fígado que hoje ocupa o lugar dos cérebros na maioria das redações remanescentes.

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