Temer se mostrou “pescador em águas turvas”

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Por Paulo Moreira Leite - 04/09/2015

O vice-presidente Michel Temer pertence a uma geração de homens públicos que aprenderam o significado da expressão "pescar em águas turvas."

Trata-se de um ditado português muito empregado durante o regime militar, que indica a atitude de quem procura "aproveitar-se de situação confusa ou difícil para tirar proveito pessoal."

Num governo com sinais permanentes de desorientação, a presença de Michel Temer em São Paulo, ontem, num encontro de executivos e empresários pode ser incluída nessa categoria. Como acontece com as debutantes nos bailes de 15 anos, o vice-presidente, que já fará 75 no próximo dia 23, apresentou-se à sociedade.


Era uma noite promovida com auxílio do Movimento Acorda Brasil, o menor entre os pequenos grupos que procuram, de qualquer maneira, derrubar Dilma de seu cargo -- numa ação que, se conseguir superar inúmeros obstáculos e não incluir a queda de Michel Temer no mesmo compasso, pode abrir espaço para que ele venha assumir a vaga da titular até 2018. Disponíveis da internet, as propostas do Acorda Brasil contêm um elemento que deveria constranger Temer e simplesmente impedir sua presença no local.

Numa de suas cláusulas na luta contra o que chama "totalitarismo" no Brasil, o movimento inclui uma medida que, tomada ao pé da letra, pode levar à extinção do Partido dos Trabalhadores, que permitiu a Michel Temer instalar-se no Palácio Jaburu, como você poderá ler alguns parágrafos adiante.   

Havia algo de arroz-de-festa na presença do vice-presidente, sem interlocutores à altura naquele lugar. Nenhuma fatia do PIB estava por ali, nenhuma liderança capaz de fazer o dólar subir ou recuar.

A principal organizadora, Rosângela Lyra, é alta executiva da multinacional Dior. Profissional com vida própria, muito bonita e respeitada no meio, Rosângela Lyra foi personagem mais frequente em colunas sociais quando era sogra do craque Kaká.

Um mês depois de dizer que o Brasil precisava de "alguém para reunificar o país", Temer deu um exemplo em sua capacidade de gerar consensos políticos. Lembrou seu papel na derrubada da CPMF, na semana passada. Conforme relatam Pedro Venceslau e Letícia Sorg, no Estado de S. Paulo de hoje, o vice contou o que disse a Dilma quando, durante um telefonema, ela lhe disse que pretendia criar a CPMF: "eu fiz uma ponderação: a situação do governo já não é boa aos olhos da população. Não é boa aos olhos do Congresso. O governo sofrerá uma derrota fragorosa no Congresso."

Pelo ambiente, o encontro de ontem era um local onde se poderia defender o corte de verbas para saúde pública sem o risco de causar o mais leve mal-estar.

Pelo cenário e pelos personagens presentes, não se consegue encontrar uma explicação aceitável para a presença do vice presidente da República naquela lugar, naquela hora, em posição tão desfavorável para cumprir o dever de lealdade com o governo Dilma.

Numa roda, um dos empresários sentiu-se tão à vontade diante de Temer que lhe perguntou se pretendia entrar para a história como "oportunista ou estadista". (Como se fosse uma conversa que dispensava maiores esclarecimentos, não se explicitou o que seria uma coisa ou outra -- pois o o "significado" dessas duas palavras se modifica conforme o dicionário de cada ambiente e as perspectivas políticas de cada pessoa. Ali, claramente, ser "estadista " era combater o governo Dilma).

Seja como for, Temer tinha uma interpretação que os presentes compreendiam muito bem e ficou na defensiva: "em momento algum agi como oportunista."

Na mesma linha, Temer ainda se referiu à aprovação do governo Dilma ("ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice de baixo") num tom que as manchetes do dia seguinte interpretaram como justificativa para um golpe de Estado. Poderia, em outro local, ser uma simples constatação política, quem sabe um apelo por mudanças e melhorias. Não ali.

Basta entrar na internet para conhecer um pouco sobre o Movimento Acorda Brasil, para compreender que o convite enviado ao vice-presidente ultrapassa os limites da convivência democrática e das proximidades do governo. 

O Movimento se declara contra o monopólio do Estado sobre "qualquer setor da economia", o que inclui a Petrobras. Também combate o regime de cotas para negros e pobres nas universidades públicas. Até aí, estamos no plano das liberdades de expressão e de opinião, que incluem, sabemos todos, o direito de dizer asneiras.   

Mas há um ponto grave. Numa linguagem típica da extrema-direita norte-americana, o site do movimento defende a luta contra o "totalitarismo" e os "totalitaristas". Entende por isso a "cassação do registro de todos os partidos políticos" que tenham relação com o Foro de São Paulo, cuja finalidade, diz, é "semear o socialismo revolucionário em todos os países da América Latina."

É um proposta que, levada a sério, nada mais é do que um pretexto para atingir em primeiro lugar o Partido dos Trabalhadores em nome de um espantalho construído pelo anticomunismo mais anacrônico, herdeiro dos tempos, aliás, dos "pescadores em águas turvas." Imaginar que o PT tem uma relação de dependência, subordinação ou qualquer coisa semelhante com o Foro de S. Paulo é acreditar numa tese ridícula, sem apoio nos fatos.

Seja como for, não há nenhum artigo, na Constituição brasileira, que impeça o livre funcionamento de organizações favoráveis ao "socialismo revolucionário." Em 1988, os constituintes confirmaram a plena liberdade de organização dos partidos políticos, garantia que inclui quem é a favor do socialismo reformista, o revolucionário, meio revolucionário e ultra revolucionário. Também permite o funcionamento de organizações com idéias conservadoras e ultra conservadoras.

Quem não entendeu isso coloca-se contra as regras da democracia em vigor no país. 

Deu para entender?

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