Rússia e Síria: a sorte está lançada
Tradução Vila Vudu
Apesar de dúvidas e negativas, a Rússia está a caminho de embarcar numa ambiciosa expansão de sua presença na Síria, que muito provavelmente inverterá o jogo naquele país devastado pela guerra. A pequena e antiquada base naval russa, usada para reparos, em Tartus, será ampliada; e Jableh, perto de Latakia (antiga Laodicea) será convertida em Base da Força Aérea russa e base naval russa no leste do Mediterrâneo, do outro lado do estreito de Bósforo. As massas jihadistas que estão acossando Damasco serão reduzidas à obediência e à ordem, e o governo do presidente Assad será salvo do sítio e do perigo. A guerra contra o Da’esh (ISIS) dará cobertura a essa operação. Essa é a primeira notícia sobre esse importante desenvolvimento, baseada em fontes russas confidenciais e até aqui sempre confiáveis, em Moscou.
O respeitado jornalista francês de investigação e dissidente Thierry Meyssan que trabalha em Damasco, já registrou a presença na cidade de muitos conselheiros e assessores russos. Os russos começaram a partilhar imagens de satélites em tempo real com seus aliados sírios – Meyssan também noticiou. Um website israelense de notícias disse que “a Rússia já começou sua intervenção militar na Síria” e previu que “nas semanas próximas devem chegar à Síria milhares de militares russos.” Os russos imediatamente desmentiram.
Há poucos dias, o presidente Bashar al Assad já sinalizara nessa direção, ao manifestar total confiança no apoio dos russos a Damasco. Primeiro, há poucas semanas, pousaram em Damasco seis jatos de combate MiG-31, como noticiou o jornal oficial RG. Michael Weiss, do blog Daily Beast, de extrema direita, apresentou quadro apavorante de uma penetração russa na Síria. O jornal Al-Quds Al-Arabi falou de Jableh como uma locação de segunda base.
Agora já podemos confirmar que, conforme ouvimos de fonte segura, apesar dos desmentidos, a Rússia jogou seus dados e tomou a decisão importantíssima de entrar na guerra da Síria. Essa decisão ainda pode salvar a Síria do total colapso e, além disso, pode também salvar a Europa de ser afogada em ondas de refugiados. A força aérea russa combaterá, ostensivamente, contra o Da’esh (ISIS), mas provavelmente (como Michael Weiss sugeriu) também bombardeará não só o Da’esh, mas também a oposição financiada pelos EUA (al-Nusra, ex al-Qaeda) e outros extremistas islamistas não Da’esh, pela simples razão de que é impossível distingui-los dos ‘verdadeiros’ Da’esh.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov propôs-se a organizar uma nova coalizão contra o Da’esh que incluiria o exército de Assad, sauditas e algumas das forças da oposição. O enviado dos EUA que visitava a Rússia disse que não há chance alguma de os sauditas ou outros estados do Golfo algum dia aceitarem unir forças com Bashar Assad.
A Rússia ainda mantém seus planos para construir essa coalizão. Porém, dado que os EUA rejeitaram a ideia, parece que o presidente Putin decidiu agir.
A Rússia está preocupada com alguns sucessos do Da’esh, cujos terroristas lutam e deslocam grupos cristãos na Síria – e a Rússia vê-se como protetora tradicional desses grupos. A Rússia também quer evitar que os Da’esh iniciem operações em áreas muçulmanas da Rússia, no Cáucaso e no Rio Volga. E a coalizão antiterror comandada pelos EUA não deu nem para a saída.
EUA e Turquia combatem ostensivamente contra o Da’esh, mas têm seus próprios interesses, absolutamente diferentes dos interesses de sírios, europeus e russos. A Turquia combate os curdos – que são poderosos inimigos dos terroristas Da’esh. Os EUA usam a guerra contra o Da’esh como cortina de fumaça para atacar o governo legítimo do presidente Bashar Assad que foi recentemente reeleito por vasta maioria dos sírios.
Fato é que o Da’esh não dá sinais de estar sofrendo muito com os ataques aéreos dos EUA – ao contrário do Exército Árabe Sírio.
O mais grave de tudo é que os EUA enviaram para a Síria centenas de terroristas treinados, depois de rearmá-los na Jordânia e em outros pontos. Recentemente, David Petraeus propôs que os EUA armassem a Frente al-Nusra da al-Qaeda, para que combatesse contra o Da’esh. Essa ideia é risível, idiota, o que não significa que os EUA a tenham descartado.
Os EUA e aliados desgraçaram a Síria. Os EUA estão longe, e podem gozar o espetáculo. A Europa perde tudo e, porque está próxima, ainda tem de enfrentar a invasão de um mar de refugiados. Turquia é perdedora direta, porque é alvo de refugiados e de terroristas; o presidente Erdogan vai rapidamente perdendo em popularidade e em legitimidade; os padrões de vida da população estão em declínio – e todas essas são consequências das políticas ensandecidas de Erdogan, contra a Síria.
Agora a Rússia de Putin está assumindo a difícil tarefa de salvar toda essa situação. Se Erdogan, Obama, Kerry e os sauditas algum dia pensaram que Putin abandonaria Assad, agora terão um duro despertar dessas suas ilusões tolas.
A posição russa é sofisticada e cheia de nuances. A Rússia não combaterá por Assad, assim como não combateu por Yanukovych na Ucrânia. A Rússia entende que cabe aos sírios decidirem pelo voto quem querem ter como presidente. Seja Assad seja outro presidente – é assunto interno da Síria. Mas por outro lado, Obama e aliados combatem, sim, contra Assad, sob o pretexto de que ele teria “perdido a legitimidade”.
Não há dúvida alguma de que Assad é problema grave para os EUA. Bem ao contrário, a Rússia não tem problema algum com o presidente Assad. Para os russos, enquanto os sírios votarem em Assad, Assad deve governar. Se alguns membros da oposição aceitarem participar do governo, melhor ainda.
A Rússia não tem planos para combater contra a oposição armada per se, desde que essa oposição se disponha a participar de negociações pacíficas e não se ponha a exigir o impossível (por exemplo, que “Assad tem de sair” à moda hilária).
Na vida real ninguém consegue distinguir grupos legítimos, grupos ilegítimos e os terroristas do Da’esh. Todos provavelmente se sentirão atacados quando os russos começarem o serviço, para valer. Melhor farão se, o quanto antes, começarem a construir negociações com o governo, com vistas a alguma espécie de acordo. A alternativa (destruição da Síria, milhões de refugiados, extinção do cristianismo no Oriente Médio e ataque de jihadis diretamente contra a Rússia) é horrível demais para ser cogitada.
A guerra na Síria está longe de ser operação segura para a Rússia. Essa é a razão pela qual Putin tem-se esforçado, desde 2011, para adiar o envolvimento direto. O adversário é bem armado, tem algum apoio em solo, e conta com o dinheiro e o fanatismo dos guerreiros das petromonarquias do Golfo, todos dispostos a lançar uma onda de ataques terroristas em território russo.
A posição dos EUA é ambígua: Obama e equipe não reagem contra o crescente envolvimento dos russos. Para Thierry Meyssan, Obama e Putin já teriam firmado algum acordo sobre a necessidade de derrotar os terroristas do Da’esh. Para Meyssan alguns funcionários e generais norte-americanos (Petraeus, Allen) gostariam de minar qualquer acordo desse tipo; e o mesmo se pode dizer dos Republicanos e dos Neoconservadores dentro e fora do governo Obama.
Alguns funcionários russos manifestaram preocupações. Talvez o silêncio de Obama seja uma espécie de armadilha, para atrair Putin para a Guerra na Síria. Não esqueçamos que os EUA empurraram Saddam Hussein para invadir o Kuwait. Aviões russos e norte-americanos sobre a Síria poderiam ter encontros hostis. Outros dizem que a Rússia deveria, antes, envolver-se na Ucrânia, não na Síria. Ou não? Mas a decisão do presidente Putin, de entrar na guerra pela Síria, faz sentido.
Guerra longe de casa implica desafios logísticos, como os EUA aprenderam no Vietnã e no Afeganistão, mas muito mais perigoso seria esperar que a guerra respingue para dentro do próprio território russo. Em teatro distante, exército, marinha e força aérea russa conseguirão mostrar a que vieram.
Se os russos forem bem-sucedidos, a Síria reconquistará a paz, refugiados poderão voltar para casa, e a Rússia permanecerá para sempre no leste do Mediterrâneo. O sucesso dos russos esfriará o ânimo belicoso doentio de tantos em Washington, Kiev, Bruxelas. Claro que, se os russos falharem na Síria, a OTAN se convencerá de que a Rússia está madura para ser colhida e poderá atrever-se a tentar levar adiante a guerra.
Pode-se comparar com as campanhas militares dos anos 1930s. Os russos, comandados pelo brilhante marechal Zhukov derrotou os japoneses em Khalkhyn Gol em 1939, e os japoneses assinaram o pacto de Neutralidade com os russos e não atacaram a Rússia durante a guerra soviéticos/Alemanha. Mas o Exército Vermelho deu-se mal contra o marechal Mannerheim na Finlândia em 1940, e isso encorajou Hitler a iniciar a guerra.
Dessa vez, a Rússia agirá dentro dos parâmetros da lei internacional, diferente do a aventura de Saddam Hussein no Kuwait. Enquanto os EUA e a Turquia bombardearam e supliciaram a Síria sem qualquer atenção ao legítimo governo daquele estado, a Rússia lá estará com a permissão e por convite das autoridades sírias, como aliada. Há um Tratado de Defesa Mútua entre Rússia e Síria. O governo sírio ofereceu aos russos instalações, aeroportos e portos para os objetivos da defesa.
As Igrejas Cristão do Oriente Médio recebem a Rússia como bem-vinda e pedem ajuda contra o massacre pelos jihadistas. A antiga Igreja Ortodoxa a Antióquia e a Igreja Ortodoxa de Jerusalém também receberam com alívio o envolvimento dos russos. O clérigo palestino de mais alto escalão e muito ativo politicamente, o arcebispo Theodosius Atallah Hanna disse que conta com que os russos consigam devolver a paz à Síria e os refugiados de volta às suas casas.
Quanto aos europeus, é a chance de buscarem absolvição pelo crime de apoiar cegamente as políticas dos EUA e de não acolher com respeito os refugiados que lotam suas estações de trens e hospedarias.
Se der certo, essa iniciativa de Putin na Síria contará como uma das maiores realizações do presidente da Rússia. Putin está jogando com as cartas bem fechadas junto ao peito. Essa é a primeira notícia confirmada, sobre esse assunto, que brota do círculo mais interno do governo da Rússia.
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