Martín Granovsky: A ira dos fósseis

O xenófobo Donald Trump é somente a caricatura do grupo de poder que se empenha em fazer dos Estados Unidos um país cada vez mais desigual

Por Martín Granovsky, para o Página/12, da Argentina
Gage Skidmore
Os últimos dias deram à presidenta argentina Cristina Fernández de Kirchner a deixa para dois temas que ela deveria abordar em seu discurso nas Nações Unidas. Sua intervenção será na próxima segunda-feira (28/9), e a mandatária dificilmente resistirá à tentação de mencionar as opiniões do Papa sobre o elitismo do Conselho de Segurança e sobre o caráter predador da dívida. Mais ainda quando os organismos multilaterais trabalham a favor dos credores e dos abutres e não impedem suas ações.
 
Na primeira etapa de sua turnê norte-americana, de Washington a Nova York, Francisco falou com crudeza, se transformou num furacão para o sistema político dos Estados Unidos. A prova é a renúncia anunciada ontem mesmo pelo agora ex-presidente da Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner, de Ohio. O jornalista Mike DeBonis, do Washington Post, afirmou que Boehner vinha sendo pressionado para que fosse ainda mais confrontativo com o presidente Barack Obama em temas relativos ao gasto público, o aborto, a imigração e o sistema de saúde.

 
O próprio Boehner, um católico praticante que chorou durante o discurso apresentado por Francisco no Congresso, assegurou que sua decisão de renunciar à presidência da Câmara não teve relação com a emoção produzida pelo discurso do papa.
 
Também é óbvio que o furacão Francisco não pulverizou um sistema político já hiperpolarizado, com republicanos sem possibilidades de governar mas aproveitando seu controle do parlamento para travar tudo o que puderem. O que fez o papa com seu tornado de mensagens em favor dos imigrantes, suas alusões a Martin Luther King e sua insistência em controlar o aquecimento global foi escancarar a crise em toda a sua dimensão.
 
Quem quiser falar de mudanças climáticas nos Estados Unidos estará automaticamente submetido à metralhadora verbal de James Mountain Inhofe, o senador de Oklahoma que preside a Comissão do Meio Ambiente e Obras Públicas, um político mimado pelo Big Oil – nome dado nos Estados Unidos ao lobby das grandes empresas de energia e petróleo. A maioria das doações que recebeu provêm das empresas do Big Oil ou dos irmãos Koch, proprietários do poderosíssimo grupo Koch Industries e amicíssimos do abutre Paul Singer. Juntos, são os principais pilares da luta contra todos os tipos de regulação em qualquer setor da economia e do financiamento da ultradireita republicana.
 
Quando o papa lançou sua encíclica sobre as mudanças climáticas, Inhofe reivindicou os combustíveis fósseis, assim como Jeb Bush, filho do velho George e irmão do antecessor de Barack Obama. Inhofe é presbiteriano, Jeb Bush é católico, pertencem a distintas tendências do cristianismo, mas superaram suas diferenças em favor de um valor maior: o valor dos combustíveis fósseis, do petróleo.
 
O xenófobo Donald Trump e seu cabelo engomadinho são somente a caricatura do grupo de poder que se empenha em fazer dos Estados Unidos um país cada vez mais desigual – há pelo menos 35 anos, quando Ronald Reagan ganhou sua primeira eleição. Menos selvagens em suas declarações, Inhofe, Koch, Singer e Bush estão obcecados com a meta de cortar ainda mais os impostos sobre os mais ricos e os limites que controlam os mais fortes conglomerados financeiros. Todos eles parecem imunes às notícias recentes, como a renúncia do presidente da Volkswagen, Martin Winterkorn, após as revelações de a empresa cometeu fraude, instalando em seus carros a gasolina um software para detectar a presença de controles para a emissão de gases. Outra notícia que marca uma tendência diferente no mundo é que, enquanto Francisco visita os Estados Unidos, Obama também recebeu o presidente chinês Xi Jinping – já chegaram a dois acordos, um deles contra os ciberataques, o outro contra as emissões de gases do efeito estufa.
 
Que os fósseis se abstenham.
 
Tradução: Victor Farinelli




Na Carta Maior
Créditos da foto: Gage Skidmore

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