Luis Nassif: O pacote dá um fôlego relativo a Dilma

Poucas vezes viu-se um jogo político tão intrincado quanto o atual.
De um lado, tem-se uma presidente no corner, mas dependendo apenas dos seus pontos para continuar no jogo.
Seu vice-presidente, Michel Temer, controla majoritariamente o maior partido da base de apoio, o PMDB. E não parece disposto a embarcar na aventura do impeachment. Na outra ponta, o desafeto Eduardo Cunha está com os dias contados, marcado pela Operação Lava Jato.
De outro lado, tem-se uma oposição incapaz de articular uma alternativa de poder. E sua principal arma – os grandes grupos de mídia – cansados da guerra e enfrentando problemas complexos de sobrevivência.
A rigor, bastaria a presidente começar a governar para esvaziar todas as bandeiras de impeachment.

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Divulgado na segunda-feira, com todas suas inconsistências o pacote econômico permite à presidente se reposicionar.
É um pacote cauteloso, que não embarca na tentação de propor saídas definitivas e comprometer conquistas sociais da Constituição de 1988, a pretexto de combater uma crise fiscal grave, porém conjuntural.
A atual crise tem dois fatores deflagradores: o festival de isenções concedido por Dilma nos dois últimos anos e a crise da economia, agravada pela crise internacional.
Recorre aos seguintes expedientes:
Postergação de despesas -  enquadram-se aí o adiamento da data base do funcionalismo, a suspensão de concursos, o replanejamento do reintegra.
Medidas definitivas - o fim do abono-permanência (pelo qual o aposentado do serviço público poderia permanecer na ativa, com 11% de abono sobre os proventos), o aumento da alíquota de juros sobre o capital e redução das transferências para o Sistema S.
Volta ao passado - o fim do subsídio de Pis/Cofins para a indústria química e retorno do subsídio agrícola para os níveis de quatro anos atrás.
Remanejamentos - substituição dos gastos orçamentários por recursos de outras fontes. É o caso do FGTS e das emendas orçamentárias para o PAC e para a saúde, e também do sistema S para os programas de inovação.
O objetivo é trazer as despesas correntes de volta aos níveis pré-festival de isenções e postergar despesas aguardando a recuperação da economia.
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Há muitos pontos passíveis de crítica, como a manutenção de uma taxa Selic insuportavelmente elevada, o poucos sacrifício exigido do setor financeiro
Mesmo assim, o pacote poupa ganhos sociais e cria uma agenda em torno da qual poderá haver uma recomposição da base de apoio político.
O desafio é o segundo tempo do jogo: Dilma apresentar o que pretende de seu segundo governo.
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A provável vitória sobre o impeachment é fruto do amadurecimento institucional brasileiro e do acomodamento do PMDB de Temer e Renan em uma posição até agora confortável.
É muito pouco.
O que se passa na cabeça de Dilma é de uma simplificação que assusta: é tratar de segurar o fôlego e resistir até o momento em que haja mudanças na conjuntura internacional e a economia comece a se recuperar.
Não existe geração espontânea na economia.
Ou Dilma cria em breve uma agenda positiva e começa a governar, ou mesmo o mais empedernido democrata começará a acreditar como inevitável pagar para ver.

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