Jeferson Miola: O rebaixamento é um alívio para o governo

O governo deveria aproveitar a oportunidade para refundar a política econômica, liderando um chamado nacional para a retomada do desenvolvimento.

Por Jeferson Miola - na Carta Maior - 10/09/2015
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O rebaixamento da classificação de crédito do Brasil é, naturalmente, uma notícia incômoda para o governo. Mas também é um fator de alívio, como aquele espinho minúsculo encravado no pé e que, uma vez removido, permite caminhar sem mancar.
 
A oposição e a mídia oposicionista, compreensivelmente, fazem um escarcéu; pintam o fim do mundo; tratam como a escala no purgatório da passagem para o inferno.
 
A vida real e terrena, entretanto, não condiz com esse alarmismo. O carnaval político-midiático serve apenas para desestabilizar ainda mais o ambiente político-institucional e para assanhar a insaciável orgia especulativa. E é pretexto para a agitação golpista do impeachment.

 
Nem uma besta cairia na esparrela da “revoada incontrolável” de investidores e investimentos sérios para fora do Brasil. Qualquer ser humano em estágio elementar de consciência sabe que a saúde macroeconômica do Brasil é muito maior que esta dificuldade momentânea – só em reservas cambiais, são mais de 370 bilhões de dólares. O Brasil está longe da tragédia alardeada pelos cínicos que, quando governaram, não conseguiram elevar a classificação do país para nação com grau de investimento, como Lula logrou fazer em 2008.
 
O rebaixamento é um fator de alívio da pressão política; com ele, desaparece a espada de Dâmocles que chantageia o governo com a ameaça da perda do grau de investimento.
 
O rebaixamento é a última profecia da crise econômica provocada pela agenda e pelo discurso do ajuste que não conseguiu, aliás, entregar nenhuma das suas promessas: a inflação subiu, os juros são pornográficos, o desemprego é crescente, a economia paralisada e contraída, a arrecadação em queda, desinvestimento, PIB negativo e, agora, caída para o grau especulativo.
 
A notícia do rebaixamento, neste sentido, encerra o ciclo de surpresas econômicas. É a última novidade bombástica que faltava surgir. O repertório do debate político, daqui em diante, será a redundância dos problemas econômicos bem conhecidos.
 
O governo chegou, finalmente, no pior lugar que poderia ter chegado. A partir de agora, o preço a pagar e o castigo político terá pouca variação. A popularidade do governo será idêntica com um déficit orçamentário tanto de 0,5% como de 1%, 2% ou de 3%.
 
Para a estabilidade política e institucional, entretanto, é preferível suportar um déficit administrável no curto prazo, do que cortes nos orçamentos obrigatórios das áreas essenciais. O comprometimento das verbas do SUS, do FIES, Bolsa Família, MCMV, Pronatec, Prouni, emprego etc, lançará o governo em rota de colisão contra o principal pilar da sua legitimidade, justo no momento que necessita apoio popular para frear a marcha golpista.
 
A continuidade da recessão, a piora das condições de emprego e cortes nas áreas sociais poderá comprometer a legitimidade da presidente Dilma e a capacidade de resistência popular para a preservação do seu mandato legítimo.
 
Há um estoque de remédios eficientes para combater o déficit orçamentário. Um deles, por exemplo, seria a tributação justa de 71 mil ricaços que retêm R$ 1,2 trilhões de patrimônio líquido e que desfrutam da isenção de imposto de renda concedida pelo FHC em 1997. Dessa fonte, viriam aproximadamente 80 bilhões de reais por ano.
 
No Brasil, a tributação de grandes fortunas e heranças é ridícula. Se fosse equiparada à média da praticada na maioria dos países do mundo, geraria outros 40 bilhões de reais.
 
Outro remédio seria a cobrança da dívida ativa de mais de 1,4 trilhões de reais devidos ao erário por empresas e sonegadores que abusam de filigranas jurídicas de um sistema legal que favorece a privatização do Estado através da sonegação e da corrupção.
 
Um quarto medicamento poderia ser oferecido pela Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário. Essas instituições, tão céleres e contundentes na Lava Jato, poderiam proceder identicamente na chamada Operação Zelotes, que investiga o sistema de corrupção engendrado por grupos empresariais e de mídia com funcionários do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. O erário poderia recuperar, por aí, os R$ 19 bilhões [três vezes o montante da Lava Jato] que, estima-se, foram sonegados mediante o pagamento de propinas.
 
Antes de cortar gastos sociais, o governo dispõe de várias alternativas para enfrentar o desequilíbrio transitório das finanças. A austeridade não é um remédio, mas um veneno que agrava o ciclo vicioso da economia.
 
O governo deveria aproveitar a oportunidade para refundar a política econômica, liderando um chamado nacional para a retomada do desenvolvimento com medidas concretas de estímulo à produção, ao consumo, ao emprego, aos investimentos e à recuperação econômica.



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