Fernando Brito: Quem arma ou tolera demônios, mata crianças
Não se publicou, neste blog, a foto do menino sírio morto na praia da Turquia por algum purismo, mas por um prurido pessoal.
Pude furtar-me ao dever jornalístico de mostrar a cena chocante não apenas porque a imagem já foi vista por todos – mostrada por quem sinceramente ajudou a chocar o mundo com aquela barbárie, seja quem o fez levado por certa morbidez.
Por isso, atendi a uma razão pessoal: já ajudei a vestir para o caixão um menino como aquele.
Aconteceu há quase vinte anos, e o que matou aquela criança não foram as águas, mas uma meningite que não se diagnosticou, o que pode ocorrer, e que foi tratada – ou não tratada – por um pseudo-profissional da medicina que, indiferente, não teve, ao menos, a humanidade de reter num hospital, numa noite de carnaval, uma criança doente, filha de mãe pobre e moradora nas lonjuras que, de volta para casa, só horas depois encontrou ajuda para voltar a buscar assistência, quando já era tarde demais.
Não importa muito o caso, do qual talvez apenas eu e seus pais – ele, servente de pedreiro; ela, caixa de uma padaria – nos lembremos.
Importa que uma criança morreu e uma criança morrer ofende a espécie humana.
Seja branquinho, como o menino da praia turca; seja aquele mulatinho, da Várzea das Moças, aqui em Niterói, sejam os negros do Sudão; sejam os palestinos, os haitianos, sejam os vietnamitas queimados pelo napalm, sejam de onde forem e como forem.
Não é justo que morram pela mão do mar, da doença, da fome, se fomos nós que os colocamos ao alcance destas mãos.
Não é aceitável que se permita à barbárie – que os interesses da geopolítica estimularam para destruir a Síria, ou para encher de conflitos o Sudão, ou para afundar no atraso o Haiti libertário, ou para cercar como bichos os palestinos – levar assim crianças à morte e não haja a indignação da comunidade mundial.
E não há, o provam as portas fechadas aos refugiados desta selvageria, como mostra em reportagem a BBC, com honrosas exceções, como a de nosso país..
Mas antes desta crueldade há outra, pior: a de alimentar fanáticos quando fanáticos podem servir aos propósitos de gente muito bem posta e poderosa.
É por isso que os integrantes do Estado Islâmico desfilam com armas poderosas e reluzentes 4 x4, novinhos.
É por isso que nazistas ucranianos desfilam suas suásticas.
É por isso que fascistóides, aqui, pedem golpe, morte, forca.
E é por isso que não pode haver indiferença diante do que é monstruoso.
Começa-se pregando a intervenção sobre a vida dos povos em nome da liberdade econômica (a humana vale tão pouco…), da “civilização” , da “guerra ao terror” e, logo, a pureza amanhece morta nas areias de uma praia.
Não foi o mar que matou aquele menino, como não matou o pobre guri que vesti para o túmulo, nem mata, mata, mata crianças em todo o mundo.
Somos nós, que não proclamamos seu direito de viver, o direito de todos viverem e aceitamos que se façam golpes, guerras, diásporas sob mil pretextos “razoáveis” e nenhum deles digno de valer a vida de um pequeno ser humano.
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